Embargos de Executado – Juízo de Execução de Lisboa – Juiz 1

              Sumário:

          I – O requerimento de prova (para apresentação pela parte contrária de documentos em poder dela – art. 429 do CPC) feito pelos embargantes, era manifestamente intempestivo, porque feito depois de realizada a audiência prévia e sem que tivesse havido algum articulado superveniente (arts. 552/2, 598/1 e 593/3, todos do CPC).

              II – Não tendo os embargantes invocado, nesse requerimento, feito ao abrigo do art. 429 do CPC, qualquer razão para não poderem eles, embargantes, obterem os documentos em causa, foi correcto o indeferimento do mesmo (art. 7/4 do CPC) e o tribunal recorrido não tinha que verificar se se justificava a requisição dos documentos ao abrigo do art. 436 do CPC.

              III – Um requerimento de prova, feito ao abrigo do art. 436 do CPC, só é legítimo se tiver ocorrido algo que justifique o facto de não ter sido feito antes.

          IV – Não se verifica a necessidade dos documentos para o esclarecimento da verdade (art. 436 do CPC), se a parte não fez alegações de facto susceptíveis de serem objecto de prova com os mesmos.

              Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados

              O 13/01/2014, o BES (agora Novo Banco) requereu uma execução contra (i) JNHF-Lda, (ii) JMNH (iii) CNH e (iv) JNH, para obter o pagamento de 1.540.069,14€, mais juros vincendos desde 10/01/2014 à taxa de 4% ao ano, exibindo como títulos para tal duas livranças, avalizadas pelos executados pessoas singulares.

      Diz ainda que “para garantia das obrigações emergentes dos contratos de financiamento celebrados entre o BES e os executados, até aos montantes máximos de 1.175.000€ e de 100.000€, este deram de garantia ao exequente [as] duas livranças, em branco, cujo preenchimento autorizaram, em caso de incumprimento […] (cfr. docs. n.ºs 3 a 7).”

              A 03/09/2014 os executados (ii) e (iii) deduziram embargos alegando, em síntese e no que importa, que: o contrato (de 27/12/2008) subjacente à primeira livrança é nulo porque, contrariamente ao declarado, não se destinou ao fim nele declarado mas à consolidação da dívida proveniente de dois contratos de conta corrente; o mesmo acontece quanto ao segundo contrato (de 2009), subjacente à segunda livrança, que se destinou à liquidação dos juros provenientes de um outro contrato denominado “termos de confirmação” (de 2007); este último, por sua vez, era nulo, por ser apenas uma aposta sobre taxas de juro (artigo 1245 do Código Civil) não tendo qualquer relação subjacente; por isso, não são devidos os juros dele provenientes, com o consequente reflexo no contrato de 2009 e, por isso, na segunda livrança; foram feitos depósitos e transferências para contas bancárias da executada sociedade, no valor de 28.850€, que os executados não sabem se foram considerados, e como, pela exequente no preenchimento das livranças, pelo que presume que os preenchimentos foram abusivos; concluíram pela extinção da execução.

              O exequente contestou, na parte que importa, (i) impugnando, no essencial, a matéria de suporte à conclusão da nulidade dos contratos (de 2007, 2008 e 2009 e respectivos aditamentos) e o preenchimento abusivo das livranças; e (ii) alegando que os valores entregues antes do preenchimento das livranças foram tidos em conta no seu preenchimento.

         A 19/11/2015 realizou-se uma audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador com definição do objecto do litígio (em seis pontos, 4 numa página e 2 no começo de outra) e fixação de seis temas de prova, ficando a audiência final designada para 26/01/2016.

              A 21/12/2015 os embargantes requereram, ao abrigo do art. 429 do CPC, que o exequente fosse notificado para apresentar aos autos (i) extracto da conta empréstimo do financiamento n. º 0001, referente ao contrato de financiamento 000/08 e respectivas alterações; (ii) extracto da conta empréstimo do financiamento n. º 0002, referente ao contrato de financiamento 000/09; (iii) extracto do financiamento referente ao contrato “termos de confirmação”, para prova dos factos elencados nos artigos 24 a 113 dos embargos, nomeadamente [e passam a transcrever, em 7 páginas, o essencial daqueles artigos dos embargos]; tudo isto com referência a quatro pontos dos seis do objecto do litígio e a todos os seis temas de prova, e ainda (iv) comprovativos dos movimentos/transferências efectuados na conta de depósito à ordem 0003, em 07/01/2009, no valor de 1.000.000€ e 124.699,47€, atendendo que as referidas transferências foram efectuadas para a mesma conta da sociedade executada (fls. 281 a 285).

            O exequente opôs-se, vendo, no requerimento em causa, um articulado e um requerimento de prova documental intempestivos, e por isso considerando-o irregular e nulo (fls. 292 a 295).

              A 21/01/2016, os embargantes contestaram o requerimento anterior (entre o mais dizendo que os extractos pedidos estão em poder do exequente que se recusa a entregá-los invocando que os mesmos não existem; num dos emails do exequente diz-se: “as referidas contas empréstimo 000/08 e 000/09 dizem respeito a financiamentos médio/ longo prazo pelo que não existem extractos que vos possam facultar; também queiram tomar boa nota que os movimentos respeitantes aos ditos financiamentos são mencionados nos extractos D/Ordem” – fls. 300 a 307).

              A 03/02/2016 foi proferido o seguinte despacho:

           Fls. 281 e seguintes, 291 e seguintes e 300 e seguintes:

     Os embargantes vieram apresentar um requerimento, em que retomam alguma da matéria de facto alegada como fundamento dos embargos, concluindo pela requisição de documentos em poder da parte contrária.

          Como é bom de ver, toda a matéria alegada apenas pode ser tomada em consideração para a finalidade específica de justificar o pedido de requisição de documentos e não como uma nova alegação em articulado superveniente ou aperfeiçoado, pelo que em nada releva para o efeito da delimitação do objecto do processo.

    Quanto à requisição de documentos propriamente dita, os embargantes fundamentam o seu pedido no art. 429 do CPC.

         No entanto, essa disposição é omissa quanto ao prazo em que a requisição de documentos pode ser feita, pelo que haverá que tomar em consideração o disposto no art. 552/2 do CPC, que apenas admite ao autor apresentar o rol de testemunhas e requerer outros meios de prova na petição inicial, podendo alterar o requerimento probatório no prazo de 10 dias a contar da notificação da contestação.

           Conforme resulta do requerimento apresentado, a matéria de facto a cuja prova se destinariam os documentos foi alegada na própria petição de embargos e não existe qualquer circunstância superveniente que justifique a apresentação do requerimento neste momento.

           Importa, pois, concluir que o requerimento é intempestivo.

         Por outro, a parte também não alega qualquer impossibilidade de obter e apresentar os documentos, pelo que também por esse motivo não existe justificação para onerar a parte contrária com a sua apresentação.

       Deve, pois, indeferir-se o requerimento de requisição de documentos.

      Face ao exposto, decide-se […] indeferir […] o requerimento sob apreciação.

              Os embargantes interpuseram recurso de tal despacho, argumentando que (em síntese numerada feita por este TRL que também colocou em parenteses rectos o nº. de processo dos acórdãos invocados pelos embargantes):

      1. O artigo 429 do CPC não determina o prazo legal para a requisição de documentos em poder da parte contrária, pelo que, conforme acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18/11/2015 [2105/14.1TTLS.A.L1-4], a requisição de documentos pode ser feita “até ao início da audiência de julgamento quanto ao art. 429 do CPC e até ao encerramento da discussão quanto ao art. 436 do CPC”. Como a audiência de discussão e julgamento foi agendada para 26/01/2016 e o requerimento foi feito a 21/12/2015, falece o fundamento da intempestividade do requerimento.
      2. Sem se conceder, seria absurdo que existisse a possibilidade de aditamento ao rol de testemunhas (art. 598/2 do CPC) e de posterior apresentação espontânea de documentos (423/2 do CPC) e não existisse a possibilidade de, posteriormente aos articulados, requerer a junção de documentos em poder de outrem.
      3. O ac. do TR de Coimbra de 21/03/2011 [350/10.8T4AVR-A.C1], considera que as partes têm essa possibilidade na requisição judicial prevista no artigo 436 do CPC, a todo o tempo até ao encerramento da discussão em 1ª instância. [E se] o tribunal […] verificar que [o requerimento] não foi formulado nos articulados, como o impõe o art. 63/1 do Código do Processo de Trabalho, deve apreciá-lo no âmbito do regime da requisição de documentos regulado no art. 535 do CPC e no uso do seu poder-dever ali consignado, deferindo-o ou indeferindo-o em função da sua necessidade para o esclarecimento da verdade.
      4. Os documentos requeridos em poder da parte contrária são essenciais, na medida em que trata-se de extractos bancários que reflectem todos os movimentos dos empréstimos com base nos quais foi instaurada a acção executiva. Mais, tendo a sociedade executada procedido a transferências, por conta dos empréstimos que consubstanciam as livranças, inclusivamente após a data de preenchimento das mesmas, pretendem os embargantes fazer prova se esses valores foram tidos em consideração.
      5. Contrariamente ao referido no despacho recorrido, os embargantes não só alegaram a impossibilidade de apresentar os documentos como provaram tal facto: em 21/01/2016, após o exequente se ter oposto à requisição dos documentos, vieram os embargantes alegar a impossibilidade de apresentar os documentos e, como prova da recusa do exequente em entregar os documentos, juntaram aos autos um email remetido pelo exequente no qual afirma a inexistência dos documentos solicitados. Assim, deveria o tribunal recorrido, providenciar pela remoção do obstáculo, no âmbito do princípio da cooperação disposto no artigo 7/4 do CPC. Neste sentido, para além do já referido ac. do TRC de 2011, ainda o ac. do TR de Guimarães de 20/04/2010 [3316/08.4TBBRG-B.G1]: “Sempre que alguma das partes alegue justificadamente dificuldade séria em obter documento ou informação que condicione o eficaz exercício de faculdade ou o cumprimento de ónus ou dever processual, deve o juiz, sempre que possível, providenciar pela remoção do obstáculo (cfr. arts. 266/4 e 535/1-2 do CPC) e o ac. do TRC de 18/12/2013 [319/12.8T2ILH-A.C1].

              O exequente não contra-alegou.

                                                                 *

              Questão a decidir: se devia ter sido deferido o requerimento dos embargantes.

              Os factos que interessam à decisão desta questão constam do relatório supra.

                                                                 *

              Decidindo:

                                                                  I

              Por uma primeira via – e foi esta que foi usada pelos executados -, são os artigos 552/2 [= No final da petição, o autor deve apresentar o rol de testemunhas e requerer outros meios de prova; caso o réu conteste, o autor é admitido a alterar o requerimento probatório inicialmente apresentado, podendo fazê-lo na réplica, caso haja lugar a esta, ou no prazo de 10 dias a contar da notificação da contestação], 598/1 {O requerimento probatório apresentado pode ser alterado na audiência prévia quando a esta haja lugar nos termos do disposto no artigo 591 […]} e 593/3 {Notificadas as partes [de despacho proferido na sequência da dispensa da audiência prévia], se alguma delas pretender reclamar dos despachos previstos nas alíneas b a d do número anterior, pode requerer, em 10 dias, a realização de audiência prévia; neste caso, a audiência deve realizar-se num dos 20 dias seguintes […]}, todos do CPC, que regulam o momento em que as partes podem fazer requerimentos a pedir que a parte contrária apresente determinados documentos para junção aos autos. O art. 429 do CPC não tem a ver com o momento em que tal deve ser feito.

              E, assim sendo, é manifesto que o requerimento feito pelos embargantes em 21/12/2015 era manifestamente intempestivo, porque, no caso, feito depois de realizada a audiência prévia e sem que tivesse havido algum articulado superveniente.

                                                                 II

         De qualquer modo, o tribunal recorrido ainda deu outra razão para o indeferimento.

              A parte só pode pedir ao tribunal que peça documentos em poder de outrem, quando justifique o facto de não os poder obter por si. É o que resulta do art. 7/4 do CPC: Sempre que alguma das partes alegue justificadamente dificuldade séria em obter documento ou informação que condicione o eficaz exercício de faculdade ou o cumprimento de ónus ou dever processual, deve o juiz, sempre que possível, providenciar pela remoção do obstáculo.

                Ora, os embargantes não invocaram, no requerimento em causa – e não importa que o tenham feito mais tarde (os requerimentos são decididos com base no que neles consta e nas provas logo oferecidas (art. 293/1 do CPC) e não com razões expostas mais tarde em articulados posteriores, de resposta a arguição de nulidades -, qualquer razão para não poderem eles, embargantes, obterem os documentos em causa.

              O que seria, só por si, também fundamento para indeferir o requerimento.

           O ac. do TRC de 2013, invocado pelos embargantes como sustento da sua pretensão, serve, em vez disso, para o efeito contrário, embora por uma via diferente. Diz o acórdão: 2. […] cabe à parte interessada na obtenção do documento, justificar a dificuldade de, ela própria, conseguir obtê-lo […] e […] a razão pela qual o faz. 3. Se assim não fosse, estava encontrada a forma de o requerente lograr inverter o ónus da prova, em caso de recusa de apresentação pela contraparte […]. 4. Não tendo o requerente apresentado qualquer justificação para os requerimentos efectuados, aquando do momento próprio, e tendo-o feito apenas em alegações de recuso, não pode tal justificação ser agora considerada.

              E note-se que este acórdão, ao contrário do de TRC de 2011 (também invocado pelos embargantes), não entendeu, bem e contra o que pretendem agora os embargantes, que o tribunal devia ter apreciado a questão ao abrigo do art. 535 [agora 436] do CPC.       

            No mesmo sentido do ac. do TRC de 2013, também vai o ac. do TRG invocado pelos embargantes como se pudesse dar-lhes razão, acórdão este que no seu sumário diz: A requisição pelo tribunal de documentos em poder de terceiros, a pedido da parte onerada com ónus da prova dos factos, a cuja demonstração aqueles documentos se destinam, está condicionada à alegação e prova da impossibilidade ou da dificuldade séria em a parte requerente os obter por si.

            E também este acórdão, ao contrário do de TRC de 2011, não entendeu, bem, contra o que pretendem agora os embargantes, que o tribunal devia ter apreciado a questão ao abrigo do art. 535 [agora 436] do CPC.           

                                                                 III

              Apesar do que antecede, tendo em conta que o tribunal recorrido também disse algo implicitamente quanto ao art. 436 do CPC e os embargantes argumentam com este artigo, diga-se ainda o seguinte:

              Por uma segunda via – que não foi a usado pelos executados – as partes podem requerer ao juiz que ele requisite documentos em poder da parte contrária. É a prevista no art. 436 do CPC.

               Não está aqui em causa a requisição de documentos, determinada oficiosamente pelo juiz. Este pode-o fazer em qualquer momento em que o julgue necessário.

                Está em causa, sim, o requerimento feito por uma parte.

        Como o artigo não coloca nenhum momento até ao qual pode ser feito tal requerimento, ele pode-o ser feito a qualquer momento.

              Mas como o artigo não pode ser uma forma disfarçada de permitir que a parte faça requerimentos probatórios fora do momento próprio para o fazer nos termos definidos pela primeira via, porque senão a pretensão legal de estabelecer prazos para o efeito não teria nenhum sentido, terá que ter ocorrido algum facto superveniente que explique a necessidade de fazer tal requerimento fora daquele momento normal para o fazer.

              Isto é, se, por regra geral, todos os outros elementos de prova devem ser feitos até um determinado momento, de modo a que o processo possa, depois disso, correr os seus termos normais sem interrupções, não se justificaria que, quanto a este único meio de prova, que não tem, quanto a isto, qualquer particularidade em relação aos outros que justificasse tal diferença de regimes, já se permitisse que, a qualquer momento a parte já pudesse fazer tal requerimento, sem que, ao menos, justificasse o facto de não o ter podido fazer antes.

              Ora, para além de o requerimento em causa não ter sido feito ao abrigo do art. 436 do CPC, os executados não invocaram um único facto que justificasse só ter surgido a necessidade de pedirem os documentos em causa naquele momento, isto é, quando já não podiam formular requerimentos probatórios.

              Contra isto, não vale invocar o art. 598/2 do CPC (para a apresentação de novas testemunhas) e 423/2 do CPC (para a apresentação pela própria parte de novos documentos), pois que, como decorre do que antecede, também se está a admitir, neste acórdão, que uma parte possa, ao abrigo do art. 436 do CPC, fazer um requerimento a pedir documentos em poder da parte contrária fora do prazo normal, desde que justifique e comprove o facto de não o ter feito até então.

              Isto também justificava o indeferimento do requerimento em causa, como o disse o tribunal recorrido (quando refere: “e não existe qualquer circunstância superveniente que justifique a apresentação do requerimento neste momento.”)

                                                                IV

              De qualquer modo, a benefício da discussão, avance-se ainda o seguinte:         

              Os documentos destinam-se a fazer prova das alegações de facto que forem feitas. Ora, os executados não fizeram quaisquer alegações que facto que precisassem de ser provadas por tais documentos.

              Como se vê da síntese que se fez acima do requerimento em causa, eles limitam-se a referências genéricas a quase todo o objecto do litígio (e não o fizeram a todos provavelmente por se terem esquecido deles, já que alguns dos temas de prova se referem aos dois objectos do litígio não referidos) e a todos os temas de prova, sem minimamente concretizarem, em termos de facto, quais as afirmações que tinham feito que poderiam ser provadas com os documentos em causa.

              O que aliás resulta demonstrado, por exemplo, com o facto de eles pedirem o extracto do financiamento referente ao contrato ‘termos de confirmação’, quando esse contrato não financiou nada e não pode ter qualquer extracto de um financiamento que não existe, nem, por isso, os embargantes fizeram, nem podiam ter feito, afirmações que pudessem ser comprovadas por esse extracto.

              Isto tudo com uma única excepção que em vez de aproveitar aos embargantes torna antes clara a inutilidade do requerimento.

              Qual seja: 

              Como se vê no relatório deste acórdão e nos argumentos do recurso, a única afirmação de facto com algum relevo nesta matéria que os embargantes fizeram refere-se a um valor global de 28.850€ que eles não sabem, e por isso não dizem, que não tenham sido considerados no preenchimento das livranças – esclareça-se que se tivessem sido considerados sê-lo-iam como pagamento das dívidas -; daí que, nas alegações de recurso utilizem a expressão de que pretendem “fazer prova se esses valores foram tidos em consideração.”

              A alegação do pagamento de dívidas e a prova dele cabe aos devedores (art. 342/2 do CC). Trata-se de matéria de excepção de pagamento. Assim, aquela deve concretizar-se numa afirmação de que se pagou a dívida ou parte dela. E, no caso, teria de terminar com a afirmação de que, apesar disso, esse pagamento não foi tomado em consideração pela exequente no preenchimento das livranças. E, daí concluir-se-ia que, devendo tal pagamento ser tido em consideração e não o tendo sido, o exequente estava a exigir mais do que o devido.

              Ora, como se viu, os embargantes não fazem tais afirmações. Eles estão na dúvida. E os documentos cuja apresentação pedem destinam-se a tirar tais dúvidas, não a provar afirmações de facto.             

              Numa acção judicial não se realiza uma investigação de factos, mas antes uma investigação da verdade das afirmações de facto que as partes fizeram (ou deviam ter feito) nos articulados respectivos. Ou seja, pressupõe-se que as partes cumpriram com os seus deveres de diligência de investigação de factos (fora do processo) para poderem fundamentar e comprovar as afirmações de factos que viessem a fazer no processo.

              Como diz Castro Mendes: “A investigação processual não é uma actividade de descoberta da verdade sobre certo evento ou complexo de eventos, mas uma actividade de confirmação ou prova de um certo número de afirmações previamente feitas sobre os mesmos eventos; não se destina à aquisição de conhecimentos novos, mas à demonstração da verdade de factos já alegados em juízo, e que só resta confirmar – à prova, em suma. O art. 2404 do Código Civil de 1867, numa definição que se pode considerar basicamente correcta, define prova como a ‘demonstração da verdade dos factos alegados em juízo’” (Direito Processual Civil, AAFDL, III, 1982, pág. 185).

              Posto isto, a questão pode ser agora ligada ao art. 436 do CPC: os documentos que os executados pediam que a exequente apresentasse não eram necessários ao esclarecimento da verdade, isto é, à prova de alegações de factos que tivessem sido feitas e que pudessem confirmar a excepção de pagamento (que formalmente não foi deduzida). E isto porque, como já se disse, os executados não tinham feito tais alegações.

O que seria mais uma outra razão para indeferir o requerido, se este tivesse que ser considerado à luz do art. 436 do CPC.

                                                           *

            Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente.

            Os embargantes perdem as suas custas de parte (não existem outras custas), por terem sido eles quem decaiu no recurso.

            Lisboa, 21/05/2020

            Pedro Martins

            1.º Adjunto

            2.º Adjunto