Processo  do Juízo Central Cível de Loures

              Sumário:

              I – Não se provando a culpa de qualquer dos condutores numa colisão entre dois veículos, a responsabilidade é repartida na proporção com que o risco de cada um deles houver contribuído para os danos, que se considera igual em caso de dúvida (art. 506 do CC).

              II – Os rendimentos do trabalho a ter em conta, na indemnização pela respectiva perda, são os ilíquidos e não os líquidos.

              Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados

              D, residente em S, intentou uma acção com Companhia de Seguros, SA, pedindo a condenação desta a pagar-lhe uma indemnização de 29.562,65€, com juros, mais um montante ilíquido que posteriormente liquidou em 29.255,08€, e depois ampliou em 30.000€, num total de 88.817,73€.

              Alegou para tanto, em síntese, que foi vítima de um acidente de viação, por culpa da condutora de um veículo segurado na ré.

              A ré contestou, impugnando a culpa da condutora do veículo segurado e os danos invocados pelo autor, e excepcionando a culpa do autor no acidente, concluindo pela absolvição do pedido (incluindo da ampliação).

              Realizada a audiência final, foi depois proferida sentença, julgando a acção parcialmente procedente, condenando a ré a pagar ao autor 72.485,58€, acrescidos de juros à taxa legal desde a citação sobre o valor de 47.485,58€, e desde o trânsito em julgado da sentença quanto a 25.000€.

              A ré interpôs recurso desta sentença, impugnando algumas das decisões da matéria de facto (relativas à dinâmica do acidente) e, por aí, impugnando a sua condenação no pedido; em qualquer caso, entende que a indemnização pela perda efectiva de rendimentos estava errada e devia ser calculada com base nos rendimentos líquidos e não ilíquidos.

              O autor contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso.

                                                                 *

              Questões que importa decidir: se as decisões da matéria de facto impugnadas devem ser alteradas e com que consequências; no caso de se concluir pela manutenção da condenação, fica por saber se a indemnização pela perda efectiva de rendimentos deve ser alterada.

                                                                 *

              Foram dados como provados os seguintes factos, com interesse para a decisão destas questões (já se introduziram, por meio de rasuras, as alterações resultantes da decisão da impugnação das decisões da matéria de facto):

         1 – No dia 04/05/2014, pelas 19h20, na Estrada Nacional nº 10, em Sacavém, concelho de Loures, ocorreu um acidente de viação, que consistiu num embate, em que foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros com matrícula XB e o motociclo com matrícula OJ.

           2 – O motociclo era conduzido pelo autor.

           3 – O ligeiro era conduzido por A e propriedade de R.

     4 – A responsabilidade civil decorrente da circulação do ligeiro encontrava-se àquela data transferida para a ré por contrato de seguro titulado pela apólice nº 000000.

          5 – Na parte de trás do motociclo seguia como passageira C.

    6 – A Estrada Nacional 10, no local onde o acidente ocorreu, é constituída por duas vias, com um sentido, sem separador central e com traço contínuo imediatamente antes do local do acidente.

        7 – Aquando do acidente as condições climatéricas eram boas e havia visibilidade.

         8 – O motociclo vinha do IC2 após ter cruzado com a ponte Vasco da Gama, na faixa da esquerda.

         9 – Circulava no sentido Sul-Norte, pretendendo virar à esquerda para Sacavém.

      10 – O ligeiro circulava na mesma faixa da esquerda, atrás do motociclo e pretendia seguir em frente para a Bobadela.

         11 – Ao entrar na curva que dá acesso a Sacavém o motociclo foi embatido na sua traseira pelo ligeiro.

          12 – A colisão deu-se entre a frente direita do ligeiro e a traseira do motociclo, causando a projecção do autor e da passageira e o arrastamento do motociclo.

          13 – O motociclo imobilizou-se a cerca de 37,80 metros à frente, num terreno baldio do lado esquerdo, atento o seu sentido de marcha.

     14 – Foram deixados no pavimento marcas do arrastamento do motociclo em cerca de 8,70 metros, plásticos partidos e sangue.

                                                                       I

                                 Da impugnação das decisões da matéria de facto

              Para fundamentar a decisão quanto aos pontos da matéria de facto relativos à forma como o acidente ocorreu, incluindo pois os factos 10 a 12, a sentença recorrida disse o seguinte:

         Relativamente à dinâmica do acidente – factos provados 8 a 14 e não provados A a F – considerou-se a participação de acidente a fls. 28 ss. e respectivo croqui, analisados à luz do depoimento de CS, agente da PSP que tomou conta da ocorrência no local do acidente; e tudo se ponderou conjugadamente com os depoimentos de C, passageira do motociclo, e A, condutora do ligeiro, porquanto estas são as únicas testemunhas com conhecimento efectivo e directo dos factos relativos à dinâmica do acidente, muito embora tenhamos tido em conta que os acidentes em geral e os de viação em particular decorrem em lapsos temporais muito curtos, durante os quais uma sucessão de pequenos eventos ocorre e culmina no acidente, conduzindo à dificuldade de percepção total dos acontecimentos nomeadamente por parte de quem vivencia o evento traumático.

         De todo o modo, a narrativa feita pela passageira do motociclo, C, foi suficientemente circunstanciada e coerente com o resultado final do acidente expresso no croqui e de acordo com a descrição da testemunha CS (agente da PSP), em termos de nos merecer credibilidade, indo a sua narrativa ao encontro da alegação do autor.

         Por sua vez o depoimento de A mostra-se complementar do de C e não o belisca. Veja-se que a testemunha condutora do ligeiro levava o filho, então com 3 anos, na cadeirinha no banco de trás e apesar de ter dito não ter noção de que se tenha distraído com a criança – expressão que em si encerra a aceitação de que tal possa ter acontecido – apenas essa ou outra distracção explica que apesar da boa visibilidade, que a própria mencionou, a mesma, de acordo com o seu depoimento, não tenha visto o motociclo e só se tenha dado conta dele quando lhe bateu com a parte frontal direita – coerentemente com as fotos de fls. 210v e 211 – quando a mota estava a ir para a esquerda.

         O trânsito fluía, era domingo, destacando-se que a violência do embate, revelada pelo arrastamento do motociclo cerca de 8,70 metros, a imobilização do motociclo a cerca de 37,80 m, e a imobilização do ligeiro a 52,10 m (cf. croqui), é incompatível com a existência de trânsito lento, na alegada cadência de “pára-arranca”.

         Já a versão apresentada pela ré, cuja própria redacção revela sustentar-se em suspeições e deduções, não veio a demonstrar-se por o depoimento da testemunha (comum) A ser no sentido que acima referimos e por o depoimento de JCP se revestir daquelas características de suspeição e dedução: veiculou a sua opinião, sustentada nas suas deduções e conclusões, sem que sequer tenha tido intervenção na averiguação do sinistro em causa, sendo, por isso, tal depoimento insusceptível de debelar o depoimento de quem vivenciou o acidente.

              A alegação que constava de E, dada como não provada, era a seguinte:

         Ao chegar ao local do embate o motociclo tenha inflectido para o desvio à esquerda (para Lisboa/Sacavém), atravessando-se à frente do ligeiro, cortando-lhe a respectiva linha de marcha.

              A ré entende que os factos 10 a 12 não se deviam considerar provados e que o constante de E devia ser considerado provado e, para fundamentar isto, diz o seguinte:

         Sobre as circunstâncias em que ocorreu o sinistro depuseram, a condutora do veículo segurado na ré e a passageira do motociclo,

         Neste desiderato, reproduzem-se as declarações da condutora do veículo segurado na ré, a qual depôs de forma absolutamente imparcial, relatando genuinamente e sem qualquer interesse no desfecho da causa.

         Minuto 19.57

         Mandatário da R. – A Senhora nesse trajecto deslocava-se numa recta, ou havia perda de visibilidade, havia curvas?

         Testemunha: Não. Aquilo é uma recta.

         Mandatário da R. – E essa recta, até ao local do embate, qual é a medida dessa recta, tem 500 m, 100 m?

         Testemunha: Não faço ideia, a medida dessa recta, como…?

         Mandatário da R. – Até ao local do embate, da confluência, em que a via conflui com a Ponte Vasco da Gama, quantos metros distam para esse entroncamento onde se deu o acidente?

         Testemunha: Aquilo não é uma ponte é um viaduto, não tem nada a ver com a Ponte Vasco da Gama, daquele viaduto, da confluência, até à curva são talvez 500 metros, 400.

         Mandatário: O que eu queria especificar é se essa recta era suficientemente longa, e se na altura seguiam viaturas à sua frente?

         Testemunha: Sim, o trânsito normal, eu não ia sozinha na estrada.

         Mandatário: Não ia sozinha na estrada. Olhe esta mota em que embateu ia imediatamente à sua frente?

         Testemunha: Como disse eu não tenho ideia da mota, a não ser até ao momento em que a vi atravessada.

         Mandatário: No momento do embate a mota surgiu-lhe donde?

         Testemunha: É assim, da maneira como estava a mota, penso que estava atravessada para a esquerda, penso que viria da direita.

         Mandatário: A mota surgiu-lhe repentinamente vinda da direita? É isso?

         Testemunha: A ideia que me dá é essa sim, para ir para a esquerda, para virar.

         Mandatário: E esse movimento é repentino? Não é um movimento que a Senhora acompanhe durante o trajecto que a Senhora diz que tem quase 500 metros e que a mota seguisse à sua frente 500 metros?

         Testemunha: Não sei se será repentino ou não, como lhe disse, talvez a mota viesse por trás e que fosse uma coisa repentina, mas eu não tenho ideia de ver a mota, a não ser naquele sítio. Daí eu pensar que a mota vinha do lado direito, porque estaria atravessada, não faria sentido se fosse à minha frente, estar atravessada, é só isso que acho que não faz sentido.

         Mandatário: De qualquer forma a Senhora, na altura do embate seguia desatenta a falar com alguém?

         Testemunha: Não. Não estava a falar com ninguém, se estivesse seria com o meu filho, mas não tenho ideia nenhuma de estar numa conversa e ser interrompida pelo acidente. Não, eu ia normalmente a conduzir e não estava a falar com ninguém.

         Minuto 24:57

         Srª Juíza: Já nos disse que o trânsito fluía e que nesse sentido havia trânsito regular embora fluindo.

         Testemunha: Exacto não havia fila, mas o trânsito fluía sim.

         Srª juíza: E nesse sentido já nos disse que havia viaturas à sua frente e atrás. Concentremo-nos nas viaturas que seguiam à sua frente. Eu pergunto-lhe se tem alguma memória de ver a mota a circular à sua frente, mesmo que não fosse imediatamente à sua frente. Se tem memória de ver esta mota a circular normalmente na mesma faixa por onde a Senhora seguia?

         Testemunha: Não tenho.

         Srª juíza: Não tem. Já nos disse também, e isto faz sentido com o que a senhora já disse, que a 1ª vez que tem a percepção da mota é quando lhe embate. O que lhe pergunto é se consegue dar-nos uma noção de a quantos metros constatou a mota à sua frente?

         Testemunha: Poucos metros.

         Srª juíza: Esses poucos metros, a senhora diria que seriam equivalentes ao tamanho de um carro? ao tamanho de dois? Só para termos uma noção.

         Testemunha: Talvez o tamanho de um carro, carro e meio, mais ou menos.

         Srª juíza: Foi mais ou menos a essa distância que viu pela primeira vez a mota. Pergunto-lhe, entre o seu veículo e a mota circulava algum veículo?

         Testemunha: Não

         Srª juíza: Não. E lembra-se se porventura algum veículo à sua frente se desviou de algum obstáculo, imediatamente antes da senhora se ter confrontado com a mota?

         Testemunha: Não

         Srª juíza: A mota, já nos disse, estava atravessada na sua faixa de rodagem, aparentando querer virar para o lado esquerdo e, portanto, pergunto-lhe se a mota estava imobilizada, ou se estava em marcha lenta?

         Testemunha: Em marcha lenta.

         A dinâmica do acidente considerada provada pelo tribunal a quo não está de acordo com a prova produzida, com os documentos juntos aos autos, nem com as regras da experiência comum.

         De facto, a questão que se colocava quanto à dinâmica do sinistro era a de saber se o embate entre os veículos se verificou quando o motociclo seguia à frente do ligeiro e este lhe embateu na traseira, ou se o motociclo no momento do embate se encontrava, não à frente do automóvel, mas, aparecendo pela direita do ligeiro, pretendeu inverter o sentido de marcha para a sua esquerda, e com essa manobra provocou a colisão.

         As declarações acima reproduzidas deveriam ter sido conjugadas com os outros elementos de prova juntos aos autos, designadamente, o auto de participação de acidente de viação, respectivas declarações, medições efectuadas (doc 5 junto c/ a PI) e documentação fotográfica (docs 2 a 5 junta c/ a contestação).

         De facto, os supra citados elementos documentais, reconhecidos pelas partes como fidedignos deveriam ter sido concatenados com a prova testemunhal.

         Ora, é factual, consta do croqui, que o embate se verificou a 70 cm da linha delimitadora das duas vias, bem como a declaração da condutora do veículo seguro na ré de que: “Vinha na EN10, no sentido Sacavém/Bobadela quando veio uma mota do lado direito, que penso ia virar à esquerda e embateu do lado direito da minha viatura.”

         Acresce que, a documentação fotográfica invocada, atesta que os danos do veículo automóvel ocorrem na parte da frente lateral direita, o que é incompatível com a resposta positiva dada pelo tribunal a quo referente aos factos 10 a 12, na parte que refere que o ligeiro circulava atrás do motociclo e que o embate terá ocorrido na traseira do motociclo.

         Quanto a 10 (: o ligeiro circulava na mesma faixa da esquerda, atrás do motociclo, e pretendia seguir em frente para Bobadela.)

         De facto, o ligeiro circulava na faixa da esquerda e pretendia seguir em frente para Bobadela, no entanto, não circulava atrás do veículo do motociclo.

         O tribunal a quo formou a sua convicção com base na participação de acidente de fls 28 e ss e croquis, bem como nas declarações do agente da PSP que tomou conta da ocorrência e dos depoimentos da passageira do motociclo e da condutora do veículo segurado na ré.

         Ora, de tais declarações, não se pode extrair a conclusão de que o automóvel seguia atrás do motociclo, aliás, se assim fosse, numa recta com cerca de 500 metros, não se compreenderia que durante todo esse trajecto a condutora do ligeiro não tivesse observado a moto em circulação.

         Ao invés declara que só a viu quando lhe embateu, vindo esta da direita (o que se compatibiliza com o facto do embate se ter dado a 70cm da faixa delimitadora esquerda).

         Tenha-se em conta que, a hemifaixa de rodagem tem 3,30m da largura conforme decorre da legenda H do croqui, permitindo a circulação de um veículo automóvel à esquerda e um motociclo à direita.

         Desta forma, o facto 10 deve ser considerado “não provado”.

         Caso assim não se entenda, porquanto o mesmo não enferma de inexactidão em toda a sua extensão, deve ser alterado, eliminando-se a parte que refere: “atrás do motociclo”, passando da sua formulação a constar, tão-somente, o que resulta da prova (testemunhal e documental), ou seja: “O ligeiro circulava na mesma faixa da esquerda, e pretendia seguir em frente para a Bobadela”.

         Quanto a 11 (: ao entrar na curva que dá acesso a Sacavém o motociclo foi embatido na sua traseira pelo ligeiro).

         O embate ocorreu entre a parte frontal e do lado direito do ligeiro e a parte lateral esquerda do motociclo e não na traseira como se realça na redacção do facto provado.

         Acresce que, resulta do croquis que o embate se verificou em plena Estrada Nacional 10, a cerca de 70 cm da linha delimitadora da via, do lado direito, quando o ligeiro pretendia virar à esquerda para o acesso a Sacavém, mas não estava na curva – dirigia-se para a curva. Tal conclusão, resulta da mera análise ao croqui, anexo à participação de acidente de viação.

         Desta forma, o facto 11 deve ser considerado “não provado”.

         Caso assim não se entenda, porquanto o mesmo não enferma de inexactidão em toda a sua extensão, o facto 11 deve ser alterado, passando da sua formulação a constar, tão somente, o que resulta da prova (testemunhal e documental), ou seja: “Ao pretender aceder à curva que dá acesso a Sacavém, mas ainda na Estrada Nacional 10, ocorreu um embate entre a lateral traseira esquerda do motociclo e parte frontal direita do ligeiro.”

         Quanto a 12 (: A colisão deu-se entre a frente direita do ligeiro e a traseira do motociclo, causando a projecção do autor e da passageira e o arrastamento do motociclo)

         O facto 12 deve ser considerado “não provado”.

         Caso assim não se entenda, porquanto o mesmo não enferma de inexactidão em toda a sua extensão, o facto 12, em face das declarações prestadas, bem como dos documentos juntos aos autos, deve ser alterado, do mesmo ficando a constar: “A colisão deu-se entre a frente direita do ligeiro e a lateral traseira esquerda do motociclo, tendo a passageira do motociclo batido no pára-brisas do XB e o condutor sido projectado para o asfalto.”

         Quanto a E:

         Os elementos de prova existentes não permitem sustentar que o sinistro ocorre pelo facto de não ter sido mantida a distância de segurança entre veículos, nem tão-pouco que, pelo facto da condutora do ligeiro ter afirmado só ter visto o motociclo no momento do embate, pode justificar que este seguisse à sua frente. Ao contrário, o sinistro ocorre porque o motociclo apareceu da direita cruzando-se pela frente do ligeiro, o que explica os danos na frente lateral direita deste e os danos na lateral esquerda da roda do motociclo.

         É o que nos diz a prova testemunhal, concatenada com os documentos juntos aos autos e as regras da experiência comum.

         Ademais, as medidas e os elementos constantes do croqui foram apurados pelo agente de autoridade que se deslocou ao local, decorrendo do artigo 371/1 do Código Civil que os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem, como praticados pela autoridade ou oficial público, assim como dos factos que nele são atestados com base nas percepções da entidade documentadora.

         O que significa que o embate ocorreu a cerca de 0,75m do limite direito da faixa de rodagem.

         Pelo que a ré não se conforma com a caracterização do acidente, como tendo na sua base o embate na traseira do motociclo.

         A mera visualização dos danos resultantes em ambos os veículos não é compatível com o alegado embate na traseira do motociclo.

         Decorre dos elementos de prova a que atrás se fez referência (das declarações da testemunha A supra transcritas, do auto de participação de acidente de viação, designadamente do seu croqui e dos documentos), que o facto constante da alínea E foi erradamente considerado não provado.

              O autor contrapõe a isto o seguinte:

V. Do confronto da fundamentação do tribunal a quo para dar como provada a dinâmica do acidente com a fundamentação da ré verificamos que ambas se socorrem do depoimento de A, porém e propositadamente a ré não transcreve o depoimento de C que era ocupante do motociclo e que mereceu total credibilidade e por ser verdadeiro e isento.

VI. Mas mesmo analisando somente o depoimento de A sobressaem dois factos objectivos e preponderantes como realçou e bem o tribunal a quo, primeiro é que aquele depoimento não afasta a versão dos factos trazida pelo autor nem o depoimento de C, o outro é que A confessa não saber como apareceu a moto e admite que poderia estar distraída com o filho que ia atrás!

VII. E decorre da lógica e da experiência comum que, para vingar a tese da ré de que o motociclo seguia atrás e atravessou-se na frente do automóvel, a sua condutora teria que ver este, a não ser que circulasse distraidamente como se verificou!

VIII. Termos em que bem andou o tribunal a quo ao dar como provada a factualidade nos pontos 10 a 12 e uma vez que está de acordo com a prova produzida, designadamente o depoimento imprescindível de C e o depoimento de A que não afasta aquele, bem como, conjugado com os restantes elementos probatórios, designadamente croqui e registos fotográficos.

IX. Sendo de realçar que, como bem fundamenta o tribunal a quo, a testemunha da ré JCP, limitou-se a levantar suspeições e deduções nem sequer tendo tido intervenção no sinistro.

X. Não valendo igualmente o argumento da ré de que o motociclo não circularia à frente pelo facto da zona embatida do automóvel ter sido a frente direita e na medida em que, tal facto não obsta naturalmente ao embate nessas circunstâncias e já que se trata de uma colisão entre um automóvel e um motociclo.

                                                                 *

              Decidindo:

              Quanto a 10:

              O ligeiro vinha atrás do motociclo?

            O depoimento da condutora do ligeiro (A) não aponta minimamente nesse sentido, embora algumas frases dele, descontextualizadas, possam ser invocadas a favor dessa versão. Mas o depoimento dessa condutora, globalmente considerado, é claríssimo de que, na sua versão, o motociclo se atravessou à sua frente, vindo da sua direita, pelo que ela não diz que o motociclo circulava na via por onde ela circulava, à sua frente, mas sim que se atravessou de repente à sua frente, vindo da direita, nunca o tendo visto antes. Descrevendo ela assim o acidente, não tem nada de estranho o facto ela não ter dado conta, antes, do motociclo. Podendo ele ter aparecido de repente, da direita dela, não havia razões para ter reparado nele antes, ou, tendo em conta o que a sentença diz sobre a dificuldade de percepção total dos acidentes principalmente por quem está neles envolvido, não tem nada de estranho que ela não registasse nada de significativo quanto a isso. Se o motociclo tivesse vindo de trás do ligeiro, ultrapassando-a pela direita, de repente, a condutora do ligeiro não tinha necessariamente que se ter dado conta dele, considerando uma condução normal, que não a obriga a estar a contar com manobras irregulares dos outros condutores e portanto a olhar para todos os lados a todo o momento. Tendo isto em conta, afasta-se o argumento da sentença de que este depoimento não belisca a versão da passageira do motociclo e que o complementa, ou de que ela aceita o facto de estar distraída. Também não tem relevo, o facto que está no subconsciente do tribunal, de que a condutora do ligeiro terá pedido desculpa à passageira do motociclo, dizendo que não os viu. Este facto não é referido na sentença, nem nas contra-alegações do autor, o que não pode deixar de ser o reconhecimento de que ele não tem relevo: a condutora do ligeiro, reconhece que não viu o motociclo, e imediatamente depois do embate pode-se ter sentido culpada por ele. Mas o que importa é que logo nas declarações escritas, a seguir ao acidente, no mesmo dia, não mais tarde, logo o descreveu do modo acima referido, e dessa descrição não decorre a sua culpa e é isto o que interessa.

              O auto de participação da PSP, incluindo o croqui, e o depoimento do agente da PSP que o elaborou, também não apontam para que o ligeiro viesse a circular atrás do motociclo: o agente da PSP não presenciou o embate e baseou-se apenas naquilo que viu, no que lhe foi dito pela condutora do ligeiro e pelas declarações escritas dos dois condutores juntas ao auto.

              O único elemento que aponta no sentido de que o ligeiro seguia atrás do motociclo é o depoimento da testemunha C, passageira do motociclo, pois que, negando ela que o motociclo se tivesse atravessado à frente do ligeiro, é porque o motociclo circulava já à frente do ligeiro.

              Mas esta testemunha era autora numa outra acção para obter uma indemnização com base na mesma versão do acidente, pelo que naturalmente teria que, também nesta, manter essa versão (para além de ter sido companheira de facto do autor). Pelo que o seu depoimento teria que ser particularmente claro e inequívoco, para poder convencer do que dizia. Ora, a verdade é que se as coisas se tivessem passado como ela as contou, isto é, com o local de embate entre a indicação da N10 e o ‘x’ que o autor colocou na fotografia de fl. 26 dos autos (quase em cima da linha imaginária que separa a fila de trânsito do separador ajardinado e da faixa em semicírculo destinada ao trânsito que vai para Sacavém à sua esquerda), com o motociclo já a fazer a curva, em parte fora da fila de trânsito onde antes circulava, isto é, com a parte da frente já na faixa em semicírculo destinada apenas ao trânsito com destino a Sacavém, a tombar para a esquerda (como perguntou o advogado do autor e a testemunha aceitou), o ligeiro, para ter embatido no motociclo, teria quase que ter passado para além da margem esquerda da sua fila de trânsito, teria embatido no máximo com a sua esquina esquerda no motociclo (e os danos estariam localizados na frente esquerda do ligeiro, do que não há a mínima prova; anote-se que o próprio autor, nas contra-alegações, alega – em IX – como se aceitasse que o embate se deu na frente direita do ligeiro) e o motociclo dificilmente teria ido parar onde foi (e nesta parte – isto é, quanto ao local onde estavam os veículos, o sangue, marcas de arrastamento, plásticos partidos – o croqui e o depoimento do agente da PSP não deixam dúvidas, por não terem sido postos em causa por nenhuma das partes). Não se está a dizer que fosse impossível suceder, mas o depoimento desta única testemunha não convence, com a segurança necessária, de que as coisas se tenham passado assim.

              Assinale-se ainda, deste depoimento (da passageira), o seguinte: (i) a testemunha aponta, quanto ao local onde foram embatidos, “por aqui assim” [está a depor com base na fotografia de fl. 26] porque diz que tem a memória de estarem a fazer a viragem e de o embate ter sido nesse momento; a Srª juíza pergunta se terá sido mais ou menos no local onde está indicado N10? e a testemunha diz que está a sentir que seria um pouquinho mais à frente; nesta altura o advogado do autor diz “está aqui um x”, o que, por um lado indica que a testemunha não estava a indicar o ‘x’ e, por outro, vícia, como é logo dito pela Sr.ª juíza, a espontaneidade da testemunha, ou melhor, a credibilidade do que a testemunha diz a seguir sobre o assunto, agora já quanto à fotografia de fl. 27 [13:00 a 14:38], ou seja, o embate deu-se no momento em que se começa a desenvolver a curva mas um bocadinho mais à frente [15:15 a 15:51]. (ii) No momento do embate o motociclo já está ‘tombado a curvar’ [na expressão do advogado do autor, seguida pela testemunha: 18:344 a 18:37]. (iii) Primeiro diz que sei que sou projectada, para a frente, e responde que ‘não’ quando lhe é perguntado pelo advogado do autor se caiu para cima do carro, mas logo depois explica que sabe que existe uma mossa no carro, que muito provavelmente terá sido o meu corpo, a ir para trás e que depois foi projectado para a frente [19:27 a 19:57], o que diz concluir pela análise das fotografias… [20:05]. (iv) Quando lhe é perguntado, pelo advogado do autor, se tem a certeza que vinham pela esquerda, diz que sim, que tem memórias do percurso e acrescenta que o autor era muito cuidadoso e estavam a voltar com calma, a fazer tudo como deve ser feito na faixa em que já vinham [21:43 a 22:15]; o trânsito estava lento, avançávamos lentamente; não consegue precisar se naquele momento era um pára-arranca ou um fluir lento; não havia razão para mudarmos para a faixa à direita e seria um contra-senso, nem faria parte do tipo de comportamento que o autor teria. (v) Quanto à parte do ligeiro com a qual se deu o embate diz que foi na parte da frente do carro e que não consegue precisar melhor (se à direita se à esquerda).

              Por outro lado, o depoimento da testemunha condutora do ligeiro põe em causa, decididamente, esta versão do acidente (dada pela passageira do motociclo), pois que coloca o local de embate no lado oposto, isto é, a 70 cm antes da margem direita da sua fila de trânsito, diz que os danos no ligeiro foram no lado direito da parte da frente do mesmo (e não importa que a fl. 34 se tenha enganado e escrito esquerda, porque se tratou de um simples erro, já que assinalou os danos na direita e é isso que está de acordo com a descrição que fez do acidente) e, como já se disse, não viu o motociclo a circular à sua frente.

              Ou seja, à prova, fraca, produzida pelo autor (com o depoimento da então sua companheira de facto e passageira do motociclo) foi contraposta prova que a torna ainda mais duvidosa, pelo que aquela parte do facto 12 posta em causa não podia ser dada como provado (art. 346 do CC).

              De qualquer modo, diga-se que a maior parte dos argumentos da seguradora não convencem, pelo que a convicção a que agora se chegou não está baseada neles. Desde logo, a seguradora toma o local de embate indicado pela condutora do ligeiro como se fosse um facto provado autenticamente com o croqui do agente da PSP, mas não é assim: trata-se só de um elemento ditado pela condutora do ligeiro, que não faz qualquer prova autêntica. Depois, a seguradora fala nos danos do ligeiro como se fossem todos apenas na parte da frente direita do ligeiro, o que tenta demonstrar com fotografias tiradas ao ligeiro, mas as fotografias do ligeiro, apresentadas pela seguradora, não mostram toda a frente do ligeiro (são cirurgicamente tiradas apenas à parte direita), o que leva a ficar a suspeita de haver danos no lado esquerdo ou frente esquerda do ligeiro, que a ré não quis exibir. Por fim, a fotografia da roda de trás do lado esquerdo do motociclo não aponta para um dano na lateral do motociclo, mas sim, embora sem certezas, para um embate na traseira do motociclo. Se fosse na lateral, não se acredita que essa roda só tivesse aquele dano, ao contrário do que facilmente se explica com um embate na traseira: o círculo da roda, levantado, dá a ideia da compressão desse círculo, por uma força aplicada no círculo, que leva ao entortar dele, não de um embate lateral na roda com a frente de um carro (que necessariamente lhe provocaria outros danos; mais ainda: provavelmente o ligeiro embateria também na perna esquerda da passageira). As explicações dadas pela “testemunha”/perito da seguradora, que nada viu, nem sequer investigou, limitando-se a fazer especulações favoráveis ao grupo da seguradora para o qual trabalha, não convencem minimamente. Tal como esta “testemunha” não convence que os danos na parte da frente direita do ligeiro tenham sido provocados por uma imaginária queda do motociclo para cima do capô, sendo mais natural que tenham sido provocados pela queda da testemunha C que com o capacete pode ter quebrado também o pára-brisas.

              Quanto a outras explicações da fundamentação da sentença, elas também não convencem: o facto de o motociclo estar a 37,80m do local de embate indicado pela condutora do ligeiro, não quer dizer que o embate tenha sido violento, como se diz na sentença e dizia o advogado do autor (que até dizia que o motociclo tinha sido projectado em 37,80m), em perguntas insistentes ao agente da PSP, pois que, como este acabou por ser forçado a dizer, o motociclo, depois do embate, pode ter prosseguido a circulação, com o autor a tentar manter o equilíbrio para não cair, e o arrastamento, muito mais curto, só se ter dado depois de ter caído. Tal como é muito possível, tal como o agente da PSP foi forçado a esclarecer, que a condutora do ligeiro, depois de ter ficado em pânico [tanto mais natural quanto leva com ela um filho de 3 anos e na versão do ligeiro o embate dá-se de forma perfeitamente inesperada] com o embate que a apanhasse de surpresa, só tivesse reagido, para parar o ligeiro, um pouco depois, levando a que percorresse os 52,10m até parar, sem deixar quaisquer rastos de travagem.

              Quanto aos argumentos do autor – que no essencial são os da sentença – eles ainda convencem menos, porque a maior parte já foram afastados com os da sentença e os acrescentados não têm valor: diz ele, em IX, que “propositadamente a ré não transcreve o depoimento de C que era ocupante do motociclo e que mereceu total credibilidade e por ser verdadeiro e isento”. Mas depois o autor não transcreve uma linha que seja desse depoimento, apesar de o considerar imprescindível, o que não pode deixar de ser uma confissão da impossibilidade de o aproveitar significativamente a seu favor. E a outro propósito o autor aponta genericamente para os outros elementos de prova, sem os concretizar minimamente.

              Tudo isto apenas põe em causa a parte do ponto 10 que se refere à circulação do ligeiro atrás do motociclo, pelo que é ela que apenas deve ser eliminado e não todo o ponto.

              Quanto a 11:

              A expressão ao entrar na curva que dá acesso a Sacavém é ambígua, já que, por um lado sugere que parte do motociclo, não se sabe qual, já se encontrava na parte da faixa em que já só se pode seguir para Sacavém, e a outra ainda na fila de trânsito em que seguiam ambos os veículos. Ora, quer o local de embate apontado pela testemunha C quer o apontado pela testemunha A, é ainda na fila de trânsito em que os veículos seguiam.

              Quanto ao ponto de embate entre os veículos, já se disse que a fotografia junta pela seguradora, da roda do motociclo aponta mais para que o embate tenha sido na traseira do motociclo. Mas é um indício fraco, já que a fotografia é só da lateral da roda, a preto e branco, sem grande nitidez. Por outro lado, na versão da testemunha passageira do motociclo do autor, este já estaria parcialmente na parte da faixa destinada exclusivamente ao trânsito em direcção a Sacavém, por isso parcialmente na diagonal em relação ao ligeiro e a tombar para a esquerda, pelo que o embate dificilmente se poderia dar na traseira em vez de na roda do lado de trás. E na versão da condutora do ligeiro, o embate dá-se com a parte da frente direita do ligeiro na lateral do motociclo, pelo que o embate não seria na traseira. Em suma, nem o que as testemunhas A e C dizem sugere que o embate tenha sido na traseira, em vez de na lateral traseira do motociclo, nem a fotografia o demonstra de forma suficiente.

              Pelo que nada do que consta de 11 deve ser dado como provado.  

              Quanto a 12:

              Já decorre do que antecede que não se sabe se a parte embatida do motociclo foi a traseira, pois que pode ter sido a lateral. Quanto ao ligeiro, as testemunhas A e C coincidem em dizer que foi a parte da frente, mas já não quanto à parte da frente que foi embatida (a condutora do ligeiro diz que foi a direita, a passageira do motociclo confessa que não sabe). As fotografias juntas pela seguradora não ajudam, porque não mostram toda a parte da frente do ligeiro. O agente da PSP não disse nada, com conhecimento directo, sobre a questão.

              Assim, entende-se que do ponto 12 deve ser retirada a menção à direita da frente do ligeiro e à traseira do motociclo.

              Quanto a E:

              Decorre do que antecede que não há prova suficiente do que constava de E, pelo que a respectiva alegação de facto se mantém como não provada.

              Ou seja, resulta da discussão sobre os pontos 10 a 12 que não se provou que o embate se tenha dado do modo descrito pela seguradora que é o que consta de E dos factos não provados. Nesse sentido apenas aponta o depoimento da testemunha condutora do ligeiro, tendo o autor produzido prova que vai em sentido contrário e que torna duvidosa estava versão. Os elementos que a seguradora toma como inequívocos a corroborar esta versão não o são: o local de embate a 70 cm da linha delimitadora da fila de trânsito foram indicadas pela condutora do ligeiro; a fotografia dos danos no lado direito da frente do direito não prova que não existam outros danos na parte esquerda da frente, nem que os danos não possam ter sido provocados pela queda do corpo da passageira do motociclo no capô do ligeiro; a fotografia da lateral traseira do motociclo até sugere que o embate não se deu na lateral.

                                                                      *

                                 Do recurso sobre matéria de direito

              A alteração introduzida na matéria de facto põe em causa a fundamentação de direito da sentença, pois que esta coloca a culpa, presumida judicialmente, do acidente na condutora do ligeiro por ela não ter deixado, entre o seu veículo e o motociclo, a distância necessária para conseguir evitar o embate em caso de súbita paragem ou diminuição da velocidade deste (art. 18/1 do Código da Estrada de 1994, na redacção decorrente da 17.ª alteração, a decorrente da Lei 72/2013, de 03/09, em vigor à data do acidente – utiliza-se o CE disponibilizado no sítio da Procuradoria-Geral, Distrital de Lisboa).

              É que, não se sabendo como é que o embate se deu, não se pode dizer que a culpa se presume ser da condutora do ligeiro, por não ter deixado entre o ligeiro e o motociclo uma distância adequada, pois que nem sequer se pode dizer que o motociclo estava à sua frente, podendo o embate ter ocorrido como descrito por aquela condutora e pela ré, ou seja, por o motociclo se ter atravessado à sua frente, de repente, inesperadamente, vindo da direita.

              A outra regra de condução estradal prudente, invocada pela sentença recorrida, como também violada, ou seja, a atinente à velocidade (art. 24/1 do CE) não tinha aplicação ao caso, porque nada se tinha provado quanto à velocidade do ligeiro.

              E isto vale também para o condutor do motociclo, pois que não é possível dizer, com base nos factos provados, que a culpa (efectiva ou presumida) do acidente é dele.

              Não se provando a culpa de nenhum dos condutores, está-se perante um caso de colisão entre veículos (um ligeiro e um motociclo), devendo-se distribuir a responsabilidade entre eles em partes iguais, já que nem sequer se sabe como se deu o acidente, não se podendo concretizar nenhum grau de contribuição de qualquer dos veículos para o acidente (art. 506 do Código Civil).

              Assim, 50% da responsabilidade é da proprietária do veículo (art. 503/1 do CC), logo da seguradora para quem aquela foi transferida. Ou seja, a ré deve ser condenada a pagar 50% do valor dos danos apurados.

                                                                 *

Da perda efectiva de rendimentos do trabalho

              A sentença recorrida demonstrou a existência dos seguintes danos e valores dos mesmos: danos patrimoniais nos valores de 681,54€, 4825€, 3820€ e 38.159,04€; dano patrimonial inerente ao dano biológico no valor de 15.000€; e danos não patrimoniais no valor de 10.000€.

              Destes danos, a ré, para a hipótese de não ficar afastada a sua condenação, apenas põe em causa o cálculo do dano patrimonial correspondente ao valor de 38.159,04€ com base no seguinte:

         Esta quantia foi atribuída a título de indemnização decorrente do período de inactividade durante o qual, alegadamente, não terá obtido rendimentos do trabalho, assenta em pressuposto não verificado, já que o valor encontrado excede, até, o valor peticionado pelo autor a este título.

         Valor encontrado é excessivo, por duas ordens de razão:

         i – No requerimento (refª 131768926) apresentado pelo autor, onde este amplia e liquida o seu pedido, no que a este dano patrimonial diz respeito (perda de rendimentos), refere o autor: “Assim, atendendo ao rendimento que o autor vinha a auferir em 2014, 6359,84€, até Maio, ou seja 1271,96/mês (6359,84€/5 meses), e atendendo a que, como consequência do acidente, esteve sem prestar serviços até Junho de 2016, data em que reiniciou a actividade, reclama 1271,96€ x 23 meses (Junho de 2014 a Maio de 2016) ou seja 29.255,08€”

         Ora, a sentença, ao invés daquilo que o próprio autor refere, como rendimento médio (1271,96€), introduz, no cálculo mensal, o valor de 1589,96€, apurando um valor total de 38.159,04€, o qual está para além do valor da liquidação do pedido efectuada pelo próprio autor.

         Acresce que,

         ii – Tratando-se, como se tratam, de rendimentos de trabalho independente, integrados nas declarações fiscais da categoria B (os valores constantes da declaração de rendimentos e restantes documentos que foram tomados em consideração na sentença), no que respeita aos factos provados 51 a 55 (doc. de fls 89 e ss, 231 ss, 235 ss e 241), deveria ter sido considerado o valor correspondente aos rendimentos líquidos já que, doutra forma, se estará a indemnizar o autor por valores que não são seus, havendo que lhes deduzir a parte respeitante a impostos (ac. do STJ de 09/01/2019, proc. 1649/14.14.0T8VCT.G1.S1).

         Desta forma, o valor mensal dos rendimentos, a considerar para efeito do cálculo do valor indemnizatório, deveria ter sido 75% do valor do rendimento ilíquido mensal, 1271,96€, encontrando-se, assim o valor de 953,97€.

         E, a ser assim, a operação matemática, a efectuar segundo o próprio método adoptado na sentença seria: 953,97€ x 23 meses = 21,941,31€, e não o que foi fixado de 38.159,04€.

              O autor limita-se a responder que:

         Alega a ré que o próprio autor peticionou 29.255,08€ e o tribunal a quo fixou tal indemnização em 38.159,04€. Mas fácil está de ver que tal deve-se a um puro lapso de cálculo aritmético, pois na verdade o autor invocou um rendimento médio de 1271,96€ por referência a 5 meses de 2014 quando deveria (como o fez bem o tribunal a quo) ter contabilizado apenas 4, uma vez que cessou a actividade em 04/05/2016.

         E os tribunais não estão vinculados às alegações ou interpretações de Direito mas tão-somente quanto ao valor do pedido.

         Assim, uma vez que se trata de simples lapso de cálculo, bem andou o tribunal a quo ao considerar o rendimento médio mensal de 1589,96€ por referência aos 4 meses de trabalho em 2014 no valor de 6359,84€ e consequentemente fixando correctamente o montante de perda salarial em 38.159,04€ por 24 meses de incapacidade profissional (factos provados 39 a 43).

                                                                 *

              Os factos que interessam à decisão desta questão são os seguintes:

         39 – O autor teve défice funcional temporário parcial desde 05/07/2014 até à data da alta definitiva e da consolidação das lesões em 25/02/2015, num total de 236 dias.

         40 – O autor teve repercussão temporária na actividade profissional total desde a data do acidente em 04/05/2014 até à data da alta definitiva e consolidação das lesões em 25/02/2015, num total de 298 dias.

         41 – As sequelas de que o autor ficou a padecer não são impeditivas do exercício da actividade profissional no segmento da actividade habitual, porém com as limitações físicas referidas nos factos supra e no contexto de novas condições laborais, sendo as sequelas compatíveis com outras actividades dentro da área da sua preparação técnico-profissional.

         42 – Após a alta definitiva o autor não conseguiu voltar a dar aulas de ténis porque a dor no pé não lho permitia.

         43 – Em 01/05/2016 o autor regressou à actividade profissional passando a dar aulas de padle por ser fisicamente menos exigente do que o ténis, e actualmente é coordenador num clube de padle, com funções de organização dos cursos e dos treinos, logística das actividades desportivas e dá alguma aulas de padle indoor em períodos não superiores a 3 horas.

         51 – No ano 2013, o autor auferiu o valor ilíquido de 4032,76€.

         52 – No ano de 2014, o autor auferiu o valor ilíquido de 6359,84€.

         53 – O autor cessou a actividade como trabalhador independente em 04/05/2014.

         54 – No ano fiscal de 2015 o autor não apresentou declaração de rendimentos/IRS não constando na base de dados da autoridade tributária que o autor tenha nesse ano obtido rendimentos sujeitos à obrigação de entrega de tal declaração.

         55 – O autor apresentou declaração fiscal de reinício de actividade reportada a 01/05/2016.

              Relativamente a isto a sentença recorrida disse o seguinte, depois da fundamentação necessária:

         […]

         Em 2014, o autor auferiu o valor ilíquido de 6359,84€ (facto provado 52), certo ser desse pecúlio ilíquido que, atenta a sua qualidade de trabalhador independente, ele mesmo teve de cumprir as inerentes obrigações fiscais, tendo contudo cessado a actividade como trabalhador independente em 04/05/2014 (facto provado 53), precisamente a data em que ocorreu o acidente e que, como acima exposto, teve repercussão negativa total na sua actividade profissional.

         Com base nesses elementos objectivos pode afirmar-se que no período temporal em que desenvolveu a sua actividade profissional em 2014 – de Janeiro a Abril inclusive – auferiu o rendimento mensal médio de 1589,96€, que seria expectável mantivesse daí em diante.

         Assim, não tendo o autor auferido qualquer rendimento do trabalho desde o dia do acidente em 04/05/2014 até que reiniciou a actividade em 01/05/2016 (cfr. decorre da conjugação dos factos provados 52 a 55), sofreu o mesmo perda total do rendimento do trabalho durante 24 meses, o que à razão mensal de 1589,96€ perfaz o total de 38.159,04€ de que a ré deve indemnizá-lo.

              Decidindo:

              Se o autor trabalhou de Janeiro a Abril, inclusive, de 2014, e auferiu o valor ilíquido de 6359,84€, o valor mensal equivalente é de 1589,96€ e não, como por lapso evidente o autor calculou, de 1271,96€.

              Se o autor não trabalhou de Maio de 2014 a Abril de 2016, em ambos os casos inclusive, tal corresponde a 24 meses e não 23, como, por lapso evidente, o autor calculou.

              Assim, a perda efectiva de rendimentos é de 38.159,04€ (= 24 x 1589,96€) como indicado pela sentença recorrida.

              O simples erro de contas do autor não o deve prejudicar, se o que tiver sido pedido nenhuma dúvida puder causar à outra parte, apanhando-a de surpresa.

                                                                 *

              Quanto ao outro fundamento da impugnação do valor pela ré, ela tem razão quanto ao facto de que a maioria da jurisprudência, quando se pronuncia expressamente sobre a questão, entende que os rendimentos perdidos que contam são os líquidos e não os ilíquidos, e isso pelas razões que a ré invoca, já transcritas, com base em igual fundamentação do acórdão do STJ por ela citado. No mesmo sentido, podem-se ver-se, por exemplo, ainda os acórdãos do STJ de 15/01/2013, 21/1998.P1.S1, e do TRP de 15/09/2014, 17/11.0TVPRT.P1.

              A verdade, no entanto, é que a sentença recorrida seguiu, vê-se que de forma consciente, o entendimento defendido por outra parte da jurisprudência e é a sentença que tem razão (neste sentido, os acórdãos, relatados pelo mesmo relator do actual, do TRP de 31/10/2013, proc. 7794/09.6TBMTS.P1, não publicado, e de 23/10/2014, proc. 148/12.9TBVLP.P1 – embora estes acórdãos apenas se refiram ao caso paralelo da indemnização pela perda da capacidade de ganho de rendimentos, a razão de ser da solução é a mesma).

              Aquilo que o lesado perde realmente – a situação que existiria se não fosse o evento (art. 562 do CC) -, é o salário ilíquido e não o líquido. Os impostos são descontados do vencimento do trabalhador por conta de outrem e são, portanto, parte do pagamento do trabalho produzido pelo mesmo. Os impostos respeitam assim às relações entre os lesados e o Estado. Se a entidade patronal pagava 1000 ao trabalhador (dos quais 100 acabavam por ir para o Estado sob a forma de impostos), se a seguradora apenas pagar 900 não está a repor a situação anterior.

              Isto é verdade também em termos globais: uma percentagem de rendimentos nacionais que são do trabalho, são transferidos para o Estado através do pagamento dos impostos, mas parte deles voltam para o trabalho, como sua retribuição indirecta, através das prestações sociais pagas com o dinheiro desses impostos; se as indemnizações não englobarem essa parte, ela continua a ser dos rendimentos do capital, distorcendo a distribuição percentual dos rendimentos nacionais entre o trabalho e o capital.

              Por outro lado, quanto à não dedução de contribuições para a segurança social, mesmo alguns dos que entendem que o cálculo da indemnização deve ter em conta o valor líquido dos impostos, já não o entendem assim relativamente àquelas contribuições.

              É o caso, por exemplo, do acórdão do TRP de 15/09/2014, 17/11.0TVPRT.P1, que defende que o valor daquelas não deve ser descontadas, porque elas “importam um benefício diferido para o lesado”, pois que são “essenciais para assegurar futuramente o direito a uma pensão de reforma”.

              O que tem toda a razão de ser e serve de suporte para o que se disse acima quanto aos impostos, pois que também estes servem, ao menos numa parte, para prestações sociais que são uma forma de remuneração indirecta do trabalho, e portanto são um benefício indirecto para o lesado/trabalhador.

              Mas, para além disso, se elas fossem descontadas no cálculo da indemnização e o trabalhador lesado não as recebesse na indemnização, ele perderia a possibilidade de, com esse montante, ir fazer o desconto respectivo na segurança social para refazer a sua carreira contributiva (quer em número de remunerações registadas, quer em valores dessas remunerações – e em valores reais superiores aos que, de outra forma, poderiam ter de ser considerados), para a base de cálculo do valor da pensão de velhice que o trabalhador tem direito a receber (Bases gerais do sistema de segurança social: Lei n.º 4/2007, de 16/01: art. 62/1: O valor das remunerações registadas constitui a base de cálculo para a determinação do montante das prestações pecuniárias substitutivas dos rendimentos, reais ou presumidos, da actividade profissional. Depois concretizadas no Decreto-Lei 187/2007, de 10/05, tendo relevo, por exemplo, os artigos 10/1, 12, 19, 21, 26 a 35, 49 e 85, no que aqui importa; bem como o art. 16 do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, da Lei 110/2009, de 16/09). Sendo que o instituto da equivalência à entrada de contribuições, referido, por exemplo, nos arts. 17, 23 e 94 deste Código, não tem por efeito pôr a situação do trabalhador lesado no mesmo estado em que estaria se não fosse o facto ilícito, nem haveria razão para que fosse a segurança social a suportar, em vez da seguradora, a perda das contribuições efectivas.

              Neste sentido, por exemplo, Vasco Baptista, O valor da perda salarial nos sinistros de responsabilidade civil automóvel e geral, publicado em Linked in em 22/03/2019 (consultado em 12/03/2020, no link adicionado) em que, entre o mais, diz: “Mais claro ainda é a interrupção da carreira contributiva da Segurança Social. Neste [caso] podemos efectivamente falar num direito ou interesse protegido, pois por via do facto lesivo o sinistrado viu interrompido os seus descontos, pelo menos na parte que lhe cabe (11% de TSU). Neste caso, é pacífico que pagando o ilíquido, que é devido, a Seguradora também se exonera, restituindo ao trabalhador essa faculdade de, recebendo o devido pela Seguradora, voluntariamente repor a sua carreira interrompida.”

              O reconhecimento disto, consta da própria Lei dos acidentes de trabalho, Lei 98/2009, de 04/09, que no seu art. 71/1 diz: “A indemnização por incapacidade temporária e a pensão por morte e por incapacidade permanente, absoluta ou parcial, são calculadas com base na retribuição anual ilíquida normalmente devida ao sinistrado, à data do acidente.” (vejam-se, no mesmo sentido, as normas dos arts. 71/7 e 111/1 da mesma lei).

              Neste sentido, veja-se o sumário do ac. do TRL de 26/05/1999, sob o nº. 0018143 da base de dados do IGFEJ: I. No cálculo da indemnização por danos patrimoniais futuros o rendimento a considerar é o rendimento bruto, ilíquido. II. Assim, não é correcto deduzir-se os impostos pagos ou a pagar ao lesado.”

              É certo que se pode responder que, depois, a indemnização que é paga pela seguradora não corresponde ao valor assim calculado, sendo inferior, como se vê, por exemplo, do art. 48 daquela Lei. Mas, para haver essa redução, tem de haver uma norma que a impunha, o que não se verifica no âmbito das indemnizações civis, nem há razão para tal como se demonstrou acima.

              E não é possível comparar o valor da Lei 98/2009, com o da Portaria 377/2008, de 26/05 (entretanto alterada, mas não neste ponto, pela Portaria 679/2009, de 25/06) e com os nºs. 7 e 9 do art. 64 do DL 291/2007, de 21/08 (na redacção que lhe foi dada pelo DL 153/2008, de 06/08), que vão em sentido contrário. É que o valor normativo daquela portaria (e o DL referido limitou-se a segui-la) é manifestamente inferior ao daquela lei e, para além disso, como reiteradamente vem sentido dito, o que dela consta não vincula os tribunais.

              Por fim, se é certo que a maioria da jurisprudência vai em sentido contrário, na prática os cálculos e a atribuição da indemnização com base na equidade são muitas vezes feitos com base nos valores ilíquidos; assim, por exemplo, os acórdãos do STJ de 10/05/2012, 451/06.7GTBRG.G1.S2; de 16/12/2010, 270/06.0TBLSD.P1.S; de 21/10/2010, 1331/2002.P1.S1; de 07/10/2010, 839/07.6TBPFR.P1.S1; de 30/09/2010, 935/06.7TBPTL.G1.S1; de 05/11/2009, 381-2002.S1; de 24/09/2009, 09B0037; de 22/01/2009, 07B4242; e de 23/09/2008, 07B2469; em alguns casos chega-se a usar expressamente a expressão valor ilíquidos: apenas por exemplo, nos acs. do STJ de 21/03/2013, 565/10.9TBPVL.S1, e de 07/10/2010, 2171/07.6TBCBR.C1.S1.

*

              Assim, como o valor deste dano está correcto e não há razões para pôr em causa os outros, os danos e os valores a considerar são os que constam da sentença.

              Mas a ré só é responsável por 50% deles. Ou seja, danos patrimoniais de 23.742,79€ (= 47.485,58€ : 2), dano patrimonial inerente ao dano biológico no valor de 7500€ (= 15.000€ : 2) e por danos não patrimoniais no valor de 5000€ (= 10.000€ : 2).

                                                    *  

              Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente, diminuindo-se a indemnização para 36.242,79€ (dos quais 23.742,79€ pela perda de rendimentos, 7500€ pelo dano biológico e 5000€ por danos não patrimoniais), acrescidos de juros à taxa legal desde a citação sobre o valor de 23.742,79€ e desde o trânsito em julgado da sentença quanto a 12.500€.

              Custas da acção, na vertente de custas de parte, pelo autor na proporção de 60% e pela ré na de 40%.

              Custas do recurso, na vertente de custas de parte, pelo autor e pela ré em partes iguais.

              Lisboa, 21/05/2020

              Pedro Martins

              1.º Adjunto

              2.º Adjunto – com a seguinte

                                           DECLARAÇÃO DE VOTO

              Voto a decisão, apenas não acompanhando, sem embargo do muito respeito que me merece, a parte da sua fundamentação de direito que considerou, para efeitos de cálculo da indemnização devida pela perda de rendimentos, que o Autor, por não trabalhado de maio de 2014 a abril de 2016, teve uma perda efetiva de rendimentos no valor de 38.159,04€ (24×1.589,96€), atendendo a que nos primeiros 4 meses de 2014 havia auferido o valor ilíquido de 6.358,84€ (6.358,84€ : 4 = 1.589,96 €).

            Em meu entender, não me parece seguro considerar, no contexto fáctico apurado, que o Autor, se não tivesse ficado na situação de ITA, iria auferir no referido lapso temporal uma tal remuneração ilíquida.

       Releva em especial a circunstância de o Autor ser trabalhador independente, exercendo uma atividade profissional na área do desporto (designadamente como instrutor de ténis), o que deixou de poder fazer durante aquele período de tempo (24 meses), por causa da lesão corporal sofrida. A natureza da atividade exercida, ademais no confronto com o valor da remuneração ilíquida auferida no ano de 2013 (muito inferior), torna difícil projetar o que provavelmente viria a ser auferido nos 24 meses seguintes.

           Aliás, a tendência de subida do valor da remuneração em 2014, comparativamente com o valor da auferida em 2013 (que foi de 4032,76 €) poderá estar associada à notória retoma da economia, depois da recessão nos anos 2012-2013, tendência de crescimento que continuou nos anos 2015 e 2016 e que poderia ter reflexos positivos no valor dos rendimentos do Autor.

              Ou seja, não me parece seguro afirmar que, se o Autor não tivesse sofrido a lesão corporal e ficado na situação de ITA para o trabalho habitual, o valor dos seus rendimentos profissionais (ilíquidos) nos 24 meses seguintes seria muito provavelmente de 38.159,04 €, já que até poderia ser superior.

            Não se vislumbrando possível outra prova sobre o valor provável da remuneração líquida do Autor no período temporal, considero ser equitativamente adequado o valor da indemnização fixado, não tendo por decisivas as razões atinentes à natureza líquida ou ilíquida da remuneração.

         Mas, na hipótese de esse elemento fáctico ser conhecido (como seria se o trabalhador auferisse um rendimento mensal fixo, por ex. com uma avença), entendo que, no cálculo a fazer, seria de atender, como corolário da teoria da diferença (cf. art. 566.º, n.º 2, do CC), ao valor da remuneração líquida, na esteira da jurisprudência largamente maioritária, ilustrada, a título meramente exemplificativo, pelos acórdãos do STJ de 12-03-2009, na Revista n.º 1807/08 – 7.ª Secção, 21-06-2011, na Revista n.º 250/07.9TBBGC.P1.S1, e 21-01-2016, na Revista n.º 76/12.8T2AND.P1.S1, cujos sumários estão disponíveis em http://www.stj.pt, e pelos acórdãos de 07-02-2013, na Revista n.º 3557/07.1TVLSB.L1.S1, 19-10-2016, na Revista n.º 1893/14.0TBVNG.P1.S1, 21-03-2019, na Revista n.º 1069/09.8TVLSB,L2.S2, e 19-06-2019, na Revista n.º 80/11.3TBMNC.G2.S1, disponíveis em http://www.dgsi.pt.

              Na verdade, reconhecendo a importância de uma interpretação sistemática da lei, não me parece que possa ser invocado em contrário o disposto no 71.º, n.º 1, da Lei dos Acidentes de Trabalho, tanto mais que, tendo também em conta o disposto no art. 48.º, n.ºs 1 e 3, al. d), dessa Lei, se constata que, destinando-se a indemnização por incapacidade temporária para o trabalho a compensar o sinistrado, durante um período de tempo limitado, pela perda ou redução da capacidade de trabalho ou de ganho resultante de acidente de trabalho, se verifica que, se do acidente resultar uma redução na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado, este terá direito, no caso de incapacidade temporária absoluta, a uma indemnização diária igual a 70 % da retribuição nos primeiros 12 meses e de 75 % no período subsequente; ou seja, é necessário calcular o valor da retribuição diária, considerando para tanto o critério do art. 71.º, mas a indemnização devida não corresponde a 100% da retribuição, antes vem a ser uma percentagem inferior, que varia em função da duração do período de ITA. Assim, a transpor aquele critério normativo para o caso, sempre haveria que fazer uma tal redução, por razões de coerência do sistema jurídico.

              Por outro lado, ainda que as importâncias auferidas a título de indemnização por causa da suspensão da sua atividade profissional possam constituir rendimentos para efeitos do disposto nos artigos 3.º, n.º 2, al. d) do CIRS [ou, se assim não for, do art. 9.º, n.º 1, al. b), desse Código], não me parece (pelo menos quando calculadas da forma propugnada pela jurisprudência maioritária) que devam ser abrangidas pela tributação em sede de IRS, considerando a delimitação negativa prevista no art. 12.º, n.º 1, al. b), do CIRS, precisamente por se tratar de indemnização atribuída por decisão judicial (estando, pois, afastado o risco de fraude fiscal). Nesta conformidade, não sendo devido IRS, não há razão para atribuir ao lesado um valor indemnizatório que o considere.

              Quanto às contribuições para a Segurança Social, não foi invocada pelo Autor, nem me parece que se possa, sem mais, retirar dos factos provados, uma eventual afetação da sua carreira contributiva na Segurança Social.

              Em conclusão, e por economia, remeto para os argumentos expendidos nos acórdãos acima referidos, não acompanhando a parte da fundamentação do presente acórdão em contrário.