Processo do Juízo Local Cível de Lisboa

                Sumário:

            A indemnização do dano da privação do uso de um veículo automóvel, quando não está coberto como risco próprio por um contrato de seguro facultativo de danos, só pode ser posta a cargo da seguradora se se provar que o comportamento desta, no tratamento do pedido do pagamento do capital seguro por um sinistro, foi a causa daquele dano, e não quando se provam, apenas, factos que têm a ver com a recusa, justificada do ponto de vista da seguradora, de aceitar a responsabilização pelo sinistro, acabando apenas por dar origem ao atraso no pagamento, indemnizável com juros de mora.

                     Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados

 

           C-Lda, intentou uma acção declarativa comum contra Seguradora-SA, pedindo, no que ainda importa, a condenação desta a pagar-lhe 5233,82€, a título de cobertura do sinistro, e 9660€, referente aos dias de paralisação do veículo até à presente data, bem como os dias seguintes até ao pagamento do sinistro, tudo acrescido dos respectivos juros legais até integral e efectivo pagamento.

                Alegou, em suma, que celebrou com a ré um contrato de seguro referente ao veículo com a matrícula 00-IU-00, de que a autora é proprietária. Porém, no dia 11/02/2017, enquanto circulava, o veículo começou a arder na parte da frente, o que resultou na destruição parcial do mesmo; participado o sinistro à ré, no âmbito da apólice de seguro facultativo relativo a danos próprios e abrangendo a cobertura de incêndio, raio ou explosão, a ré declinou a responsabilidade civil e não pagou a indemnização correspondente. Quanto ao dano da privação, apesar do que consta do pedido, contabiliza-o apenas desde 30 dias depois do sinistro e até à data da aquisição de outro veículo, 14/12/2017, o que dá 276 dias x 35€ = 9660€.

              A ré contestou, excepcionando (em síntese, na parte que importa): o veículo da autora foi interveniente num acidente de viação no dia anterior ao do incêndio e este resultou de um curto-circuito com origem nos danos decorrentes daquele, situação que não se verificaria caso o veículo não tivesse circulado; entende, pois, que o sinistro participado foi provocado ou agravado por má conservação do veículo imputável à autora; o que subsume em duas cláusulas de exclusão de cobertura prevista no seguro; conclui pela improcedência da acção.

               Depois de realizada a audiência final, foi proferida sentença condenando a ré a pagar à autora 5233,82€ a título de indemnização pela perda total do veículo seguro e 5560€ a título de indemnização pelo dano de privação de uso, tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal de 4 % desde a data da citação e até integral e efectivo pagamento.

             A ré recorre desta sentença – para que seja revogada e a ré seja absolvida do pedido – pondo em causa (i) dois pontos da decisão da matéria de facto, cuja alteração levaria à improcedência da acção, e (ii) o decidido quanto à indemnização pela privação do uso da viatura.

               A autora contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso.

                                                                 *

              Questões que importa decidir: se a decisão dos pontos de factos impugnados deve ser alterada; e se o pedido de condenação da ré com base na violação do contrato de seguro não devia ter sido julgado procedente.

                                                                 *

              Deram-se como provados os seguintes factos:

  1. Em 27/05/2016, a ré e a autora, esta na qualidade de proprietária, declararam por escrito, consubstanciado na apólice n.º 000000, a primeira assumir, mediante prémio a pagar pela última, a responsabilidade civil emergente de acidentes de viação causados pelo veículo automóvel de matrícula 00-IU-00, marca Renault, modelo Megane, incluindo o seguro facultativo relativo a danos próprios que abrangia a cobertura de incêndio, raio ou explosão, com franquia de 750€, com o capital seguro de 9311,25€.
  2. No âmbito da referida apólice, a autora contratou ainda a cobertura de um “veículo de substituição” que, para as situações de incêndio, raio e explosão, ficou previsto para um período máximo de 30 dias e duas ocorrências por ano.
  3. Em Fevereiro de 2017, o capital da referida cobertura de incêndio, raio ou explosão encontrava-se reduzido a 8789,82€.
  4. No dia 10/02/2017, pelas 20h50, na Rua Artilharia 1, em Lisboa, o veículo IU embateu com a sua frente esquerda na frente de um outro veículo automóvel, da marca Mini, sinistro que foi participado à ré.
  5. Em consequência de tal sinistro, o veículo IU sofreu danos de extensão concretamente não apurada na parte frente esquerda do veículo, ficando o outro veículo impossibilitado de circular, tendo sido rebocado.
  6. Após a ocorrência deste sinistro, o veículo IU continuou a circular.
  7. No dia 11/02/2017, pelas 16h15, o IU encontrava-se a circular na Avenida da Índia, frente ao Hospital do Gato, em Algés/Lisboa, quando começou a arder a parte da frente esquerda do veículo.
  8. O condutor do IU imobilizou-o e contactou o 112 que encaminhou a chamada para os Bombeiros.
  9. Em consequência do sinistro, o veículo ficou com a frente esquerda toda queimada.
  10. O IU era um veículo que se encontrava ao serviço da plataforma U, com registo de 2/03/2010 e na altura tinha 250.000 km percorridos.
  11. Após a ocorrência, a autora participou o acidente à ré e posteriormente obteve o relatório de ocorrência do Regimento de Sapadores de Algés, cujo teor contém a seguinte descrição: “Ao chegarmos ao local verificámos que a parte do motor de um veículo de passageiros se encontrava tomada totalmente pelas chamas.
  12. Após a ocorrência, o veículo ficou paralisado nas instalações da D-Lda, onde foi efectuada a peritagem do IU por parte da ré.
  13. C, gerente da autora, é sócia da D-Lda.
  14. A ré, após realizar peritagem ao veículo, remeteu à autora, que recebeu, uma carta, datada de 24/02/2017, com o seguinte teor:

          “No seguimento da vistoria efectuada pelos nossos serviços técnicos à viatura na oficina, informamos que a estimativa de reparação (37.290,17€) se torna excessivamente onerosa face ao valor seguro. (…O) valor seguro à data do sinistro é de 8789,82€ e o veículo com danos foi avaliado em 2806€. Face ao exposto, embora ainda não nos seja possível assumir uma posição quanto a responsabilidades, colocamos condicionalmente à sua disposição a quantia de 5233,82€, já deduzida a franquia contratual de 750€ (…)

  1. Depois do sinistro, a autora, na pessoa do seu sócio J, foi auscultada por um perito da ré para proceder às averiguações sobre o acidente.
  2. O perito averiguador contactou ainda o Sr. A, sócio da D-Lda, que, questionado a esse propósito, afirmou desconhecer onde eram realizadas as revisões do veículo.
  3. Por carta datada de 05/04/2017, remetida pela ré à autora, e por esta recebida, aquela informou o seguinte:

          “Serve o presente para informar V/Exas. que, após análise do processo, verificamos que não é da nossa responsabilidade a regularização do presente sinistro, em virtude do disposto na apólice de seguro automóvel, mais concretamente ao nível da cláusula 40/-g: “Danos provocados ou agravados por defeitos de construção, montagem ou afinação, vício próprio ou má conservação do veículo” bem como do previsto na cláusula 27/1-b, ambas das condições gerais da apólice: “Em caso de sinistro coberto pelo presente contrato o tomador de Seguro sob pena de responder por perdas e danos, obriga-se (…) a tomar as medidas ao seu alcance no sentido de evitar ou limitar as consequências do sinistro.”

  1. Após a ocorrência do sinistro, a pedido a autora, a Europ Assistance disponibilizou-lhe um veículo de substituição, que foi utilizado por aquela.
  2. A autora, por diversas vezes, entre 19/04/2017 e 01/07/2018, contactou a ré, solicitando esclarecimentos sobre os motivos que conduziram à declinação da responsabilidade e não regularização do sinistro por parte da ré e solicitando o envio do relatório de averiguação.
  3. Em resposta a tais contactos, a ré informou sempre que, face aos elementos probatórios obtidos no decorrer da averiguação realizada, entendia não ser da sua responsabilidade a regularização do sinistro em virtude do estabelecido nas cláusulas da apólice de seguro mencionadas na carta de 05/04/2017 e recusou disponibilizar extrajudicialmente o relatório de averiguações por se tratar de documentação interna da companhia.
  4. A ré nunca esclareceu a autora sobre os factos que a levaram a concluir pela declinação da sua responsabilidade na regularização do sinistro, nem nunca lhe disponibilizou o relatório de averiguação do sinistro.
  5. Por documento intitulado “contrato individual de aluguer e administração”, outorgado entre a autora e a L-Lda, datado de 14/12/2017, esta declarou disponibilizar àquela a utilização do veículo de marca Renault, modelo Megane, com a matrícula 00-TU-00 e a autora declarou pagar, em contrapartida, uma mensalidade de 674,71€ pelo período de doze meses.
  6. A autora utilizou a viatura 00-TU-00 para substituir o veículo sinistrado.

                                                                 *

                                 Da impugnação da decisão da matéria de facto

              O tribunal recorreu não deu como provadas, entre outras, as seguintes afirmações de facto que tinham sido feitas pela ré:

C. O Sr. A conhecia o histórico da viatura, encarregando-se das participações da mesma.

D. O Sr. A é pai de C.

E. Em consequência do sinistro ocorrido no dia 10/02/2017, o veículo IU não tinha condições para circular em segurança.

F. O incêndio verificado no dia 11/02/2017 foi resultante de um curto-circuito que teve origem nos danos sofridos em consequência do embate ocorrido no dia 10/02/2017.  

              E a fundamentação para tal – e em relação a outras questões conexas com a impugnação da ré – resulta do seguinte (de que se transcreve o que importa e com simplificações):

         A convicção do tribunal quanto à matéria de facto provada e não provada fundamentou-se nas declarações de parte prestadas pelo legal representante da autora – J – e no depoimento das testemunhas inquiridas em audiência de julgamento, concatenados com a prova documental junta aos autos, cujo teor e valor probatório não foram postos em causa pelas partes, tudo analisado à luz do princípio da livre apreciação da prova.

         No que respeita à prova testemunhal, ouviu-se, da parte da autora: MC, comandante dos Bombeiros Voluntários desde há 9 anos, que elaborou o relatório de ocorrência junto aos autos; BC, tio da mulher do legal representante da autora e que se deslocou ao local da ocorrência no dia em causa nos autos; e MS, averiguador de sinistros automóveis desde há 20 anos, que presta serviços para várias seguradoras, tendo trabalhado na ré vindo da Y, de onde foi dispensado há cerca de três anos. 

         Da parte da ré, ouviu-se: AS, perito averiguador da ré, que teve intervenção directa nas averiguações efectuadas aos factos em causa nos autos; RF, coordenador da equipa de averiguações da ré há cerca de 15 anos; RE, perito avaliador que presta serviços para a ré desde há 22 anos e PF, gestora de sinistros automóveis na ré desde 1/06/2018.

         Ao valorar cada depoimento testemunhal, o tribunal aquilatou do conhecimento pessoal e directo dos factos perguntados, na consistência da aquisição dos conhecimentos, na transparência dos raciocínios, na postura serena e tranquila e na isenção e na imparcialidade denotadas.

         A este propósito, desde já se antecipa que o depoimento de PF, marcado pela evidente falta de conhecimento directo dos factos em discussão nos autos e o depoimento de RF, que apenas coordena a equipa de averiguações e não teve qualquer intervenção directa no exame e peritagem da viatura acidentada, se revelaram de reduzido valor probatório.

         De igual modo, a testemunha MC, manifestou não ter qualquer conhecimento dos contornos do caso concreto, tendo servido apenas para confirmar o teor do documento de fls. 10 a 11, que foi elaborado por si à data da ocorrência do sinistro.

         […]

         Em relação à matéria dos pontos 4 a 6 – concernentes ao sinistro ocorrido no dia 10/02/2017 com intervenção do veículo da autora de matrícula 00-IU-00 – a convicção do tribunal estruturou-se, em primeira linha, nos documentos juntos aos autos que àquele sinistro se reportam – declaração amigável e participação de acidente de viação de fls. 38v e 39 e fotografia de fls. 118 – os quais foram secundados, no seu essencial, pelas declarações de parte produzidas pelo legal representante da autora.

         No que se refere aos danos concretamente sofridos pela viatura da autora, não foi apresentada prova cabal da qual pudesse extrair-se qual a extensão dos danos sofridos na sua dianteira esquerda. A este propósito, o legal representante da autora referiu que o veículo ficou amolgado na sequência do referido embate, mas continuou em condições de circular. Por sua vez, a testemunha BC, que referiu ter visto o veículo apenas após o incêndio, disse ter visto uma amolgadela pequena na parte frontal que se incendiou, uma amolgadela “do tamanho de uma mão, por baixo do farol esquerdo”.

         Da demais prova produzida em audiência final e das fotos juntas a fls. 116 a 123 também não é possível – longe disso – alcançar uma qualquer conclusão segura quanto à natureza e extensão dos danos sofridos pelo IU, sendo certo que todas as testemunhas inquiridas visualizaram o veículo só após o incêndio ocorrido no dia 11/02/2017. Nestes termos, apenas é possível afirmar, com certeza, que, na sequência de tal embate, o veículo IU continuou a circular.

         Já quanto aos factos 7 a 9 e 11 relativos à ocorrência do incêndio no IU e respectivas consequências, para além de admitidos por acordo das partes, resultam ainda análise conjugada dos elementos de prova documentais juntos aos autos, como sejam a declaração amigável de fls. 9 e 9-A, o relatório de ocorrência de fls. 10 a 11, este confirmado por MC, que se deslocou ao local e o relatório de investigação feito para a ré e que se encontra junto a fls. 114 a 118, a que acrescem as fotografias de fls. 120 a 123, que demonstram inequivocamente que o veículo ficou com a frente esquerda queimada.

         No que concerne aos dados do veículo provados em 10, o tribunal teve em consideração o teor de fl. 40 e as declarações prestadas por J, legal representante da autora, que, de forma clara e sem qualquer hesitação, admitiu que o veículo era utilizado para aluguer/transporte de passageiros no âmbito da plataforma U.

         A posição assumida pela ré após a participação do sinistro por parte da autora resulta, por seu turno, expressamente, das cartas remetidas pela mesma e que se encontram juntas aos autos a fls. 11v e 12. Tais documentos, cujo teor e veracidade não foram postos em causa pelas partes, permitiram dar como provados os factos descritos em 14 e 17.

         Relativamente aos factos 12, 15 e 16, o tribunal teve em consideração as declarações prestadas nesse sentido pelo legal representante da autora, as quais resultaram corroboradas pelo depoimento de A, que confirmou que o veículo foi para uma garagem pertencente à D-Lda, onde se encontram viaturas que não estão a trabalhar. Em particular, quanto ao facto 16, o mesmo foi descrito nesses precisos termos por AS, perito averiguador da ré, que se deslocou ao local onde a viatura se encontrava e falou com A, o que foi igualmente confirmado por esta testemunha. Acrescente-se que A, negando conhecer o histórico da viatura, explicou, de forma que nos pareceu lógica, plausível e sincera, a razão pela qual o seu número de telefone consta da participação do acidente e, ainda, o motivo pelo qual o veículo foi para as instalações da sua empresa: aludiu, por um lado, à relação familiar e de proximidade que tem para com o legal representante da autora – por seu tio da sua esposa – e à disponibilidade tida, no dia e hora em causa nos autos, para se deslocar ao local do sinistro e, por outro, à circunstância de ser sócio de uma empresa que também se dedica a transportes de passageiros. Tais circunstâncias, por si só, são, pois, insuficientes para considerar provado o facto alegado pela ré de que era este quem se encarregava das participações da viatura, cujo histórico conhecia, facto esse, que, por essa razão, foi dado como não provado em C.

         O facto 13 resulta, por sua vez, comprovado pelo teor das certidões do registo comercial da autora e da D-Lda, juntas aos autos.

         […]

         Os factos 19 a 21 resultam, por sua vez, dos documentos juntos aos autos pela autora a fls. 13 a 21v, que comprovam o teor das comunicações trocadas entre autora e ré no período temporal entre 19/04/2017 a 1/07/2018, as quais não mereceram impugnação na presente lide.

         […]

         No que toca à matéria de facto dada como não provada, o tribunal fundou a sua decisão na contrariedade, insuficiência ou ausência de prova acerca da mesma.

         Em concreto, quanto ao que consta de A a D, não foi produzida qualquer prova nesse sentido (remetendo-se tudo o quanto acima se disse quanto ao que consta de C).

         […]

         Por último, quanto ao núcleo essencial dos factos alegados pela ré (E e F) que se constituíram como fundamento para a declinação da sua responsabilidade na regularização do sinistro, a prova produzida nos autos foi manifestamente insuficiente para o considerar como provado.

         Com efeito, tendo resultado inequivocamente provado que o IU foi objecto de um acidente de viação no dia anterior ao do incêndio, nos termos do qual embateu com a sua frente esquerda na frente de um outro veículo automóvel, não resultou minimamente demonstrada, de forma segura, a tese da ré de que o IU não tinha, em consequência de tal embate, condições para circular em segurança e de que o incêndio foi resultante de um curto-circuito que teve origem nos danos sofridos em consequência do sinistro do dia anterior.

         Em primeiro lugar, importa sinalizar que a autora produziu a prova que se lhe impunha, e que, acrescente-se, lhe era exigível, acerca da ocorrência do incêndio na sua viatura no dia 11/02/2017, não sendo suficiente a alegação de que ocorreu um embate no dia anterior para, só com base nisso, afirmar o nexo de causalidade entre os danos decorrentes de tal embate e o incêndio que se veio a verificar no dia seguinte.

         E não é manifestamente suficiente por duas ordens de razões: por um lado, o período de tempo que mediou entre o embate no dia anterior e o incêndio no dia 11/02/2017 – mais de 19h – não permite estabelecer uma causalidade segura entre um evento e outro; por outro lado, a viatura ficou efectivamente em condições de circular após o sinistro ocorrido no dia 10/02/2017, tanto mais que circulou até às 16h15 do dia seguinte sem que nenhum elemento de facto tivesse sido trazido ao tribunal que permitisse considerar que o veículo apresentou sinais de que não estariam reunidas as condições de segurança mínimas para continuar a circular.

         Acrescente-se que não é manifestamente suficiente, para demonstrar a existência do alegado nexo causal, a alegação de meras suspeições tendentes à não responsabilização da seguradora, sobretudo quando as mesmas aparecem desprovidas de qualquer suporte factual ou probatório.

         A este propósito, refira-se que as duas testemunhas arroladas pela defesa, AS e RE, ambos peritos, com intervenção directa na averiguação do sinistro subjacente aos autos, mais não fizeram do que apresentar palpites, opiniões ou meras conjecturas para o sucedido, limitando-se a primeira a suscitar estranheza pelo facto de A não responder à pergunta feita sobre o local onde o veículo fazia as revisões e a relatar conclusões sem ter feito mais do que visualizar a olho nu e fotografar o veículo queimado na sua frente esquerda. A propósito da causa do incêndio, a testemunha limitou-se a dizer que “tudo indica que terá sido um problema eléctrico na zona do embate”, sem concretizar que problema terá sido esse. Perante tudo quanto foi descrito pela testemunha e considerando que a mesma não realizou propriamente uma peritagem técnica ao veículo, fácil é concluir pela evidente fragilidade da opinião por si formada quanto às causas do incêndio.

         Também a testemunha RE depôs quanto à matéria do sinistro, revelando não ter conhecimento de ter existido uma perícia técnica ao veículo e limitando-se a emitir a sua opinião para o sucedido dizendo que “se (com o embate ocorrido no dia anterior) descarnou fios, a trepidação pode ter conduzido ao incêndio.”. 

         Houve alguma concertação entre ambos os referidos depoimentos, que não entraram em contradições entre si, o que permitiu dar como demonstrados os factos relativos às diligências de peritagem efectuadas.

         Contudo, deve o tribunal sinalizar, no respeitante aos efeitos a extrair desta prova testemunhal, que se trata de pessoas profissionalmente ligadas à seguradora visada e que trouxeram para a audiência uma versão dos factos pretensamente “destruidora” da alegação do articulado inicial, bastante enraizada na posição dissidente e subjectiva da ré, no sentido de, na orientação da seguradora, o sinistro ter sido catalogado como “suspeito”. Porém, nenhuma das testemunhas concretizou, de forma segura e razoável, a razão pela qual assim foi considerado pela seguradora, limitando-se a avançar meras suspeições opinativas e, ao mesmo tempo, lançar hipóteses possíveis para a ocorrência do sinistro, todas elas ligadas ao sinistro do dia anterior (sendo certo que o ónus da prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pelo autor incumbia exclusivamente à ré – cf. artigo 342/2 do Código Civil).

         Acresce que o relatório de investigação final junto aos autos a fls. 114 a 116 não chega propriamente a conclusões seguras quanto às causas do incêndio (não se podendo as mesmas extrair igualmente da mera visualização das fotografias juntas aos autos), limitando-se a reflectir tudo quanto foi referido em audiência de julgamento por AS. Em tal relatório, de resto, apenas se conclui nos seguintes termos: “…considero que existem diversos elementos que nos levam à convicção que o incêndio não ocorreu de forma súbita, inesperada e alheia à vontade do CVS/empresa segura, razão pela qual propomos a recusa do sinistro.”. Os elementos a que a conclusão citada se refere são, porém, tão só os seguintes: a ocorrência do embate no dia anterior que deixou a viatura com danos na frente esquerda (os quais não identificam ou concretizam); o incêndio ter tido início na frente esquerda do veículo. Ora, tais “elementos” são, por si só, insuficientes e frágeis para fundamentar a conclusão de que o veículo não podia circular em segurança e, ainda, a hipótese de que “o incêndio poderá ter tido início num curto-circuito, com origem nos danos do sinistro anterior.”

         Por último, acrescente-se, que nenhuma das referidas testemunhas viu o veículo antes do incêndio nem constataram o estado em que este se encontrava, apenas tendo sido confrontados com o veículo em data posterior à do incêndio.

         Assim, não se tendo apurado a concreta extensão dos danos verificados na viatura, cumpria que tivesse sido produzida prova no sentido pretendido pela ré, desde logo que o veículo não poderia circular em segurança, o que não aconteceu.

         Por outro lado, há total ausência de prova quanto ao que consta de F, pois que, não se ignorando que o local onde deflagrou o incêndio é o mesmo local onde se verificaram os danos causados pelo embate do dia anterior, tal não é evidentemente suficiente para concluir que ocorreu um curto-circuito com origem nos danos (que não se sabe quais sejam) causados pelo embate.

         Podendo existir outras hipóteses plausíveis, razoáveis e lógicas para o sucedido, que não são afastadas pela prova produzida (por exemplo, um defeito na parte eléctrica ou no motor do veículo), torna-se evidente que o tribunal não pode dar como provado os factos alegados pela ré apenas com base numa mera “coincidência” relativamente ao local onde deflagrou o incêndio.

         A este propósito, refira-se que o depoimento da testemunha MS, também averiguador de sinistros automóveis há 20 anos, foi no sentido de não ser possível atribuir o incêndio ao embate ocorrido no dia anterior tendo em consideração o número de horas decorrido entre os dois eventos.

         Em conclusão, não existindo nos autos elementos probatórios tangíveis, concretos e indubitáveis que se debrucem sobre a questão concreta da origem do incêndio e que permitam aferir do estado do veículo à data do sinistro, não restou outra solução ao tribunal senão a de dar como não provada tal factualidade.

                                                                 *

              Contra a decisão de não dar como provado o que tinha alegado em E e F, que a ré, pelo contrário, entende que devia ter sido dado como provado, a ré diz o seguinte (transcreve-se na parte útil, sem as descrições e algumas das repetições e com algumas simplificações):

d) Para prolação da sentença, o juiz a quo sustentou-se nas declarações de parte do representante legal da autora, no depoimento de MS e na prova documental carreada para os autos.

e/f) Da matéria provada importa salientar o facto 4 “No dia 10/02/2017, pelas 20h50, o IU embateu com a sua frente esquerda na frente de um outro veículo automóvel, da marca Mini, sinistro que foi participado à ré” e o facto 7: “No dia 11/02/2017, pelas 16h15, o IU encontrava-se a circular na Avenida da Índia, quando começou a arder a parte da frente esquerda do veículo”.

g) Como resulta do documento n.º2, junto com a petição inicial, e do n.º3, junto com a contestação, em ambos aos acidentes, o veículo da autora era conduzido por H, que nunca compareceu em julgamento sendo substituído pelo comandante dos bombeiros, facto que devia ser tido em consideração na prolação da sentença ora em crise!

h) Acresce ainda dizer que, confirmado pelas declarações escritas do representante legal da autora, os danos do primeiro sinistro localizaram-se na frente esquerda.

i) Resulta daqui, inquestionavelmente, que tanto num sinistro como no outro, os danos se localizavam na frente esquerda.

j) A presença do condutor do veículo da autora em julgamento é um facto fundamental que o tribunal a quo não podia deixar de ter na devida atenção na prolação da sentença e não sustentar-se, somente, nas declarações de parte do representante legal da autora e ao perito MS.

k/m) Como é sabido e é jurisprudência pacífica, porque parte interessada, não podem ser valoradas as declarações de parte (acs. do TRP de 06/06/2014 e de 20/11/2014). Por isso, as declarações de parte do representante legal da autora nunca deviam ter sido valoradas.

n) Nem, tampouco, com o auxílio às declarações da testemunha MS que conforme resulta do depoimento prestado, nada adiantou em termos técnicos sobre o modo como ocorreram os sinistros e que acabaram no incêndio da viatura da autora na frente esquerda danificada em ambos os acidentes de viação, limitando-se considerações genéricas e eivadas de imprecisões, para além de outras.

o) Sendo que, por outro lado, dos depoimentos das testemunhas arroladas pela ré RE, RF e AS, resultou provado que o incêndio do veículo da autora resultou dos danos provocados pelo sinistro anterior e que o impossibilitavam de circular nas devidas condições técnicas.

p) E, também, da incúria, negligência e irresponsabilidade da autora que circulou com o veículo sem condições, com a agravante de ser para transporte de passageiros.

q) Para além de lograr provar testemunhalmente as circunstâncias e consequências da ocorrência, a ré também através da prova documental junta aos autos, nomeadamente, as fotos a cores, fundamentou, inequivocamente, as causas do incêndio da viatura da autora.

r) Ficando provado que a autora violou a cl.ª 40/-g – “Danos provocados ou agravados por defeitos de construção, montagem ou afinação, vício próprio ou má conservação do veículo”, bem como o previsto na cl.ª 27/1-b, ambas das condições gerais da apólice.

              Decidindo:

              Diga-se desde já que esta impugnação é manifestamente improcedente.

              A ré esforça-se por desconsiderar completamente toda a extensa fundamentação da decisão da matéria de facto – e ela foi acima transcrita, de forma extensa, para se poder confirmar o que se diz dela -, entre o mais treslendo-a. Neste sentido, e como exemplo esclarecedor, veja-se que, quando a fundamentação da decisão recorrida refere, em relação ao depoimento de duas testemunhas da ré, que “Houve alguma concertação entre ambos os referidos depoimentos, que não entraram em contradições entre si, o que permitiu dar como demonstrados os factos relativos às diligências de peritagem efectuadas”, a ré critica a sentença dizendo que “XXVI – Por isso, e em abono da verdade se diga, não se compreende que tais depoimentos não tenham sido valorados, só porque apontavam todos no mesmo sentido, com a alegação de que estavam concertados!!!”

              De qualquer modo, vejam-se as conclusões da ré:

             A conclusão (d) é uma descrição particularmente incorrecta da fundamentação da decisão da matéria de facto, pois que, como se vê da transcrição feita de tal fundamentação, a decisão baseou-se em muitos outros elementos de prova.

           As conclusões (e), (f), (h) e (i) são apenas a descrição, com várias repetições daquilo que foi dado como provado em 4 e 7 e, registe-se (para o que se dirá a seguir), o aproveitamento pela ré das declarações de parte prestadas pela autora.

           O que consta das conclusões (k) a (m) é um manifesto erro de direito e nenhum dos dois acórdãos referidos pela ré diz o que lhes é imputado. O que eles dizem é que as declarações de parte, para terem algum valor probatório, têm que ter um mínimo de corroboração por outros elementos de prova, caso contrário não podem, só por si, servir de prova de factos favoráveis à própria parte que presta as declarações.

            E isto torna evidente um outro manifesto erro de direito do recurso da ré. É que uma impugnação da decisão da matéria de facto não se destina a discutir o valor probatório de um dado elemento de prova, mas sim o valor probatório para a precisa decisão impugnada. Ora, a ré faz a discussão do valor probatório das declarações de parte, em abstracto, sem ter em conta a ligação delas com as decisões dos pontos de facto que impugnou, quais sejam, os das alíneas E e F. Por fim, a argumentação da ré é contraditória: se a sentença não pode, em abstracto, valorar as declarações de parte, a ré também não o poderia fazer, e no entanto serve-se delas para o efeito (para factos dados como provados…), como se viu acima. De qualquer modo, diga-se que as declarações de parte da autora serviram apenas muito lateralmente para a fundamentação da decisão de não dar como provadas as alegações que a ré fazia em E e F, tanto que nem vêm referidas nessa parte. A decisão desses pontos fundamentou-se, no essencial, no facto das testemunhas da ré não terem convencido do que afirmavam sobre a matéria.

              O que antecede vale também para as conclusões (g) e (j) – sendo a última, aliás, no essencial, uma repetição da anterior – pois que se trata da análise de elementos de prova que a ré não liga aos pontos de facto cuja decisão impugnou.

              Quanto à conclusão (r) diz respeito a matéria de direito: se ficassem provados as alegações de factos constantes de E e de F, poder-se-ia concluir (era uma questão a ver) que se preenchiam duas previsões de exclusão da cobertura; isto apesar de a ré dar à conclusão uma aparência de discussão da matéria de facto, dizendo que “ficando provado [equivalente a: deste modo ficou provado] que a autora violou a cl.ª 40/-g, bem como o previsto na cl.ª 27/1-b, ambas das condições gerais da apólice.” Ora, não se prova o preenchimento de previsões normativas.

              Da multiplicidade de conclusões do recurso, resta pois a matéria das conclusões (n) a (q), sendo que na (n) a ré se limita a dizer que um depoimento de uma testemunha da autora não pode servir para contrariar a prova por ela produzida, e nas outras 3 se limita a dizer – sem que as conclusões sejam a síntese de argumentos válidos para o efeito -, que do depoimento de três das suas testemunhas resultou provado aquilo que ela afirmou.

              Posto isto,

              A fundamentação da decisão recorrida é particularmente esclarecedora de que a prova produzida pela ré não pode convencer de que o acidente do dia anterior tenha provocado danos no IU que fossem de molde a tirar-lhe condições para circular em segurança e que o incêndio dos autos teve origem nos danos sofridos no dia anterior.

              A fundamentação da decisão recorrida não deixa dúvidas que assim seja, sendo que o depoimento da testemunha da autora, Jorge Simões, nem sequer foi, ao contrário do que pretende a ré, um fundamento para o efeito, pois que a sentença se o limita a referir como confirmação das conclusões a que já tinha chegado sem necessidade de o invocar antes. O que aliás corresponde ao que dispõe o art. 346 do CC: “Salvo o disposto no artigo seguinte, à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos; se o conseguir, é a questão decidida contra a parte onerada com a prova.” Assim, não tendo a prova produzida pela ré conseguido criar uma convicção segura, sem dúvidas, dos factos, é supérflua, embora possa ser servir como adjuvante, a referência à prova produzida pela contraparte para tornar esses factos duvidosos, pois que eles já o eram.

              Assim, este tribunal, chegando à mesma convicção da decisão recorrida, segue a fundamentação dela, acrescentando o seguinte:

              Quanto a E: a ré, baseada no depoimento de três das suas testemunhas (deixou cair o de uma delas: PF; mas pelas razões adiantadas pela sentença recorrida também podia ter deixado cair o da testemunha RF), diz que se o outro veículo embatido no dia anterior, um Mini, sofreu danos que o teriam impedido de circular, então também o IU os teria sofrido e ficado impossibilitado de circular, isto com base nas regras da experiência das coisas: se o Mini ficou sem poder circular, também o IU ficou sem poder circular. Ora, não há nenhuma regra da experiência das coisas que tenha o conteúdo pretendido pela ré; ou seja, para se saber das consequências, para cada um deles, de um embate entre dois veículos, precisa-se de saber a forma como se deu o embate, o estado anterior dos dois veículos, o peso e a velocidade de cada um deles, etc.; o resto é pura especulação [por exemplo: um veículo maior, mais pesado e mais alto, que embatesse com a frente, de lado, na roda do lado esquerdo do Mini, danificando-a, ficaria necessariamente também sem poder circular em condições de segurança?] Pelo que fica logo afastada a hipótese de se ter como certo/provado que o IU não ficou em condições para circular em segurança.

              Quanto a F: sendo possível que possa ter acontecido o que as testemunhas da ré concluem que aconteceu – que o incêndio foi resultante de um curto-circuito que teve origem nos danos sofridos no dia anterior -, a verdade é que é fácil formular hipótese contrária igualmente possível de ter ocorrido, como o faz a sentença, pelo que as conclusões tiradas pelas testemunhas da ré não passam de hipóteses, convicções delas, baseadas de resto, em pressupostos insuficientes como se acabou de ver para E.

      Por fim, não deixe de se dizer que o comportamento da ré, ao recusar sistematicamente o acesso da autora ao relatório de peritagem, sem qualquer justificação válida para o efeito, não deixa de ser uma admissão implícita da falta de confiança da ré na força do que aí consta (e do que a sua testemunha diz), pois que, se não, não teria problemas em permitir que, com base no conhecimento do que ali constasse, a autora fizesse as averiguações necessárias para aceitar ou contradizer as conclusões da ré. E o possível argumento da ré, qual seja, que a obrigação legal de fazer isso – art. 36/1d do DL 291/07, de 21/08: Sempre que lhe seja comunicada pelo tomador do seguro, pelo segurado ou pelo terceiro lesado a ocorrência de um sinistro automóvel coberto por um contrato de seguro, a empresa de seguros deve: […] Disponibilizar os relatórios das peritagens no prazo dos quatro dias úteis após a conclusão destas, bem como dos relatórios de averiguação indispensáveis à sua compreensão” – só vale no âmbito do seguro obrigatório, não no do seguro voluntário, não convence: se o tem de fazer naquele, mesmo em relação ao segurado, porque é que não o teria de fazer neste em relação ao seu segurado? O facto daquela norma apenas vigorar no seguro obrigatório, não afasta a aplicação analógica dela no seguro facultativo, por ser evidente a identidade de situações e por também no seguro facultativo existir a obrigação legal de “as empresas de seguros […] actuar[em] de forma diligente, equitativa e transparente no seu relacionamento com os tomadores de seguros, segurados, beneficiários ou terceiros lesados.” (artigo 131-C do DL 94-B/98, citado pela sentença recorrida ≈ art. 153 da Lei 147/2015, de 09/09).

                                                                 *

         Do recurso sobre matéria de direito

              Segundo a ré,

s) [… Dad(o)] como provado o que consta das alíneas (e) e (f) a ré [deve] ser absolvida do pedido […] [pois que, poderia concluir-se que r) […] a autora [teria] viol[ado] a cl.ª 40/-g, bem como o previsto na cl.ª 27/1-b, ambas das condições gerais da apólice.]

t) […] sem conceder, porque estamos no âmbito da responsabilidade civil contratual, sempre se dirá que não há lugar ao pagamento do valor a que ré foi condenada a título de privação de uso da viatura segura, uma vez que não contratou qualquer cobertura neste âmbito [no corpo das alegações a ré invoca o decidido no ac. do TRG de 02/11/2017, proc. 2936/15.5T8BRG.G1].

              Decidindo:

              A principal argumentação da ré contra a sentença recorrida, a nível do Direito, é a de que, alterando-se os factos discriminados como provados, tal bastaria para a improcedência da acção. E retrocedendo a uma conclusão anterior, tal decorreria de que, com essa alteração, estariam preenchidas as previsões das cláusulas da exclusão da cobertura pela seguradora, constantes das condições gerais da apólice.

              Não se tendo alterado a decisão da matéria de facto, mantendo-se, pois, provados os factos que preenchem a previsão da responsabilidade assumida pela ré com a celebração do contrato de seguro, isto é, o sinistro, ou seja, o risco coberto com o contrato, e não se provando os factos que permitiriam a exclusão da cobertura da ré, conclui-se, como a sentença recorrida, que a ré deve atribuir o capital seguro, remetendo-se para a sentença a melhor fundamentação disto.  

        Nenhuma das partes levantou dúvidas, nas alegações de recurso, quanto ao primeiro dano invocado – perda do veículo – e ao cálculo do capital que devia ser entregue em consequência dele, pelo que a questão não merece desenvolvimentos, sendo que a sentença seguiu as regras legais aplicáveis ao caso, fundamentando devidamente a decisão.

              Assim fica só por apurar a questão da indemnização do dano da privação do uso, sendo certo que:

            – dos factos provados resulta que o dano da privação do uso não foi objecto de cobertura no contrato de seguro facultativo celebrado entre as partes, pelo que não é pela via daquilo que a ré se obrigou a prestar pelo contrato que ela poderá ser responsabilizada (art. 130/2-3 da LCS).

            – o dano da privação do uso, como a sentença demonstra, é hoje considerado ressarcível, quase sem discussão neste tipo de casos, como, acrescente-se aqui apenas por exemplo, o diz o acórdão do STJ de 25/09/2018, proc. 2172/14.8TBBRG.G1.S1: III – A jurisprudência do STJ, depois de algumas divergências, passou a reconhecer, sem qualquer espécie de hesitação, o direito de indemnização relativamente a situações de privação do uso do veículo em que este é usado habitualmente para deslocações, sem necessidade de o lesado alegar e provar que a falta do mesmo foi causa de despesas acrescidas.

                                                                *

                 Da responsabilidade da seguradora pelo dano invocado?

              Seguindo, em parte a sentença recorrida, pode-se entender, que “relativamente ao atraso injustificado no pagamento da indemnização garantida pela cobertura do risco por perda total, necessária para compra de outro veículo”, a jurisprudência está dividida em duas posições: 

              – “A que defende que estando em causa uma obrigação pecuniária, e porque se trata de responsabilidade contratual, a indemnização pela mora corresponde aos juros legais, salvo convenção em contrário, pelo que em caso de mora do devedor na realização da prestação indemnizatória, não há lugar à indemnização de outros danos, nomeadamente, o dano da privação do uso do bem, a não ser que o credor prove que a mora lhe causou dano superior aos juros mas [apenas] quando se trate de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco.”        Acrescente-se que esta corrente diz que se não for assim, então não teria sentido a cobertura do risco da privação do uso (art. 130/2-3 da LCS), pois que este estaria sempre coberto: ou seja, seria o mesmo, para um segurado, cobrir aquele risco ou não.

              Neste sentido, por exemplo, os acórdãos do TRC de 23/05/2006, proc. 1323/06; do TRL de 25/06/2009, proc. 1515/05.0TBMTJ.L1-2; do TRP de 15/05/2012, proc. 1900/10.5TBVFR.P1; do TRP de 13/06/2013, proc. 4438/11.0TBVNG.P1; do TRG de 10/10/2013, proc. 598/12.0TBVCT.G1 (com voto de vencido); do TRP de 23/6/2015, proc. 4393/13.1TBMAI.P1; do TRG de 15/12/2016, proc. 291/15.2T8FAF.G1; do TRP de 07/02/2017, proc. 842/14.0TJPRT.P1; do TRG de 09/02/2017, proc. 104/15.5T8PTL.G1.do TRG de 30/03/2017, proc. 122/15.3T8VRM.G1; do STJ de 13/07/2017, 188/14.3T8PBL.C1.S1 (acabou por atribuir a indemnização pelo dano em causa, mas com outra fundamentação, isto é, porque no caso estava prevista a cobertura de um veículo de substituição sem limite de tempo); do TRP de 06/02/2018, proc. 446/15.0T8AMT.P1; e do TRP de 21/02/2018, proc. 32/17.0T8GDM.P1

              – “Outra que fundamenta a ressarcibilidade destes danos com base na violação de um dever secundário ou acessório da obrigação. O inexplicá-vel atraso no andamento do processo de pagamento da indemnização ao segurado, traduz-se, na violação de um dever acessório da prestação, que, não resultando do contrato de seguro, resulta do princípio da boa-fé, consubstanciado na violação de um dever de diligência e lealdade. Assim, o segurador que venha a incorrer em responsabilidade contratual, por esta via, está obrigado a indemnizar o dano que resultou para a contraparte, o segurado.”

        Neste sentido, vão, entre outros, os acórdãos do TRP de 25/01/2011, proc. 3322/07.6TJVNF.P1; do TRG de 05/12/2013, proc. 607/10.8TBFLG.G1; do TRC de 19/05/2015, proc. 127/14.1TBSCD.C1 (que, no entanto, não concedeu a indemnização por entender que, “segundo a alegação mesma do recorrente […], não estava em causa a ofensa de um dever daquela espécie – mas a violação do dever principal ou primário de prestar, ele mesmo); do TRP de 14/03/2016, proc. 4876/12.0TBSTS.P1 (admite a hipótese da condenação – por exemplo, se tivesse havido uma aceitação incondicional e sem reservas da responsabilidade (nomea-damente quanto à quantificação da indemnização) por parte da seguradora e o posterior e incoerente adiamento da realização da prestação, com manobras e argumentos dilatórios, mas não no caso em concreto; e diz que a tese do recorrente, levada às últimas consequências, assumiria contornos fundamentalis-tas, traduzidos na seguinte asserção: sempre que um contraente recusasse o incumprimento, vindo a ser condenado em acção intentada com esse fim, estaria a violar deveres acessórios de conduta); do TRL de 13/10/2016, proc. 716/14.4TJLSB.L1-2; do TRG de 20/10/2016, proc. 2884/11.8TBBCL.G1; do STJ de 14/12/2016, proc. 2604/13.2TBBCL.G1.S1; do TRG de 09/03/2017, proc. 4076/15.8T8BRG.G1; do TRC de 07/11/2017, proc. 131/16.5T8SAT.C1; do STJ de 23/11/2017, proc. 2884/11.8TBBCL.G1; do STJ de 23/11/2017, proc. 4076/15.8T8BRG.G1.S2; do TRP de 21/02/2018, 1069/16.1T8PVZ.P1; do TRL de 15/03/2018, proc. 20028/15.5T8LSB.L1-8; do STJ de 08/11/2018, proc. 1069/16.1T8PVZ.P1.S1 (com voto de vencido); do TRP de 11/11/2018, proc. 2528/15.9T8PRD.P1; do STJ de 27/11/2018, proc. 78/13.7PVPRT.P2.S1; do TRC de 28/05/2019, proc. 1442/18.0T8CBR.C1; do TRL de 22/10/2019, proc. 115/18.8T8FAR.L1-7 (mas não concedeu a indemnização por ter entendido que o dano, no caso, não se verificava); do TRG de 05/12/2019, proc. 2949/18.5T8BRG.G1; e do TRG de 07/12/2019, proc. 72/18.1T8CMN.G1.

        (A sentença recorrida fala numa terceira corrente, “que entende que a indemnização é devida, por a mesma ser um corolário lógico da contraprestação inerente ao risco assumido pelo segurador, pois de outro modo ficaria esvaziada de conteúdo a contraprestação do segurador nestes casos ou, pelo menos, a correspectividade das prestações mostrar-se-ia desequilibrada, em prejuízo do tomador do seguro.”, mas trata-se apenas de uma posição isolada – não se encontrou outro acórdão no mesmo sentido – de um ac do TRG de 12/03/2009, proc. 634/04.4TBBCL.G1. Contra esta posição, pode-se responder com aquele argumento da primeira corrente: o que o segurado contrata não é, nestes casos, a cobertura do risco da privação do uso, pelo que indemnizar este dano, sem mais, equivale a acrescentar, sem contrapartida de um prémio para a seguradora, a cobertura de um risco)

         Ora, parece indesmentível que se o comportamento da seguradora, no processamento da reclamação do pagamento do capital seguro, devido pela verificação do sinistro, vier a provocar danos na esfera jurídica ou pessoal do segurado, por violação daquilo que se chamam os deveres acessórios da conduta, esses danos devem ser indemnizados, pois que, se não, estaria a violar-se o disposto nos arts. 798, 562, 564/1 e 566, todos do CC.

              O ponto é que se demonstre que os danos invocados foram provocados pela violação daqueles deveres acessórios de conduta.

              Segue-se, por isso, tal como a sentença recorrida e ao contrário da ré, esta segunda corrente, sendo que, vários dos acórdãos da primeira corrente têm argumentos que levam a pensar que, nos casos concretos em que se prove que realmente o comportamento da seguradora causou aqueles danos, eles também aceitariam que a seguradora fosse condenada a ressarci–los.

              A aceitação desta segunda corrente não corresponde, já se vê, como decorre do que se expôs, que sempre que a seguradora não entregue o capital seguro na sequência do sinistro verificado, se imponha, só por isso, a sua condenação numa indemnização pelos danos invocados. Pois, caso contrário, como sugere o ac. do TRP de 14/03/2016, citado acima, teria que se entender que sempre que um contraente – todos eles, não só as seguradoras – recusasse, bem ou mal não interessa, o cumprimento, vindo a ser condenado em acção intentada com esse fim, deveria ser condenado não só nas consequências normais do incumprimento das correspondentes obriga-ções, como, por exemplo, no caso de obrigações pecuniárias, nos juros de mora (art. 806/1 do CC), mas ainda numa série de outras indemnizações.

              Posto isto, o que interessa é, então, que se possa dizer que o comportamento da seguradora é, por si, causador de outros danos que não aqueles que já decorrem da mora no cumprimento da obrigação; sendo que se tem de admitir, como sempre, que as seguradoras, como qualquer outro contraente, possa ter um entendimento diverso daquele que foi atingido pelo tribunal sobre a verificação dos pressupostos da obrigação cujo cumprimento lhe é pedido e que, por isso, a simples assunção desse entendimento – como a recusa em pagar a indemnização por entender que não se verifica a hipótese coberta ou que se verificam as cláusulas de exclusão – não é nem fonte daqueles outros danos, nem poderia, só por si, ser fonte da obrigação de os indemnizar.

              A sentença recorrida, depois de expor, de forma muito mais desenvolvida, com o apoio de alguns dos acórdãos da segunda corrente, tudo o que antecede, disse, para considerar que se verificaram esses outros danos – da privação do uso – e que a seguradora deve responder por eles, o seguinte sobre o comportamento concreto desta seguradora, neste caso, aqui apenas por tópicos:

         A ré estava obrigada a solucionar a questão tão depressa quanto possível e com a diligência devida (para a situação análoga do seguro automóvel obrigatório é o que decorre dos artigos 31 e seguintes, especialmente art. 36/1-a-e do DL 291/2007).

         Não obstante se tratar aqui de um seguro facultativo, não estando em causa o relevante interesse de terceiros tutelado no seguro obrigatório, a celeridade e a colaboração honesta e leal na resolução do sinistro, que se impõem entre o segurador e o tomador, o segurado ou o beneficiário, são deveres que se justificam também neste tipo de contrato por só assim se poderem tomar as medidas necessárias a minorar os prejuízos e a cumprir adequadamente os fins contratuais. Quanto mais depressa se encontre uma solução justa para o caso, tanto melhor.

         De acordo com o regime especial decorrente das disposições conjugadas dos artigos 102 e 104 da LCS, a obrigação do segurador vence-se 30 dias após a confirmação da ocorrência do sinistro e das suas causas, circunstâncias e consequências, que, como sabemos, poderá variar em conformidade com a maior ou menor complexidade das averiguações necessárias para esse efeito.

              Ora,

         O incêndio ocorreu no dia 11/02/2017. Em 24/02/2017, a ré remeteu uma carta à autora a dar conta da ocorrência da “perda total” da viatura e a informar do quantum indemnizatório a atribuir em consequência do incêndio.

         No dia 05/04/2017, remeteu uma carta à autora a declinar a responsabilidade pela regularização do sinistro limitando-se a referir que tal decisão é tomada “em virtude do disposto na apólice de seguro automóvel, mais concretamente ao nível da cl.ª 40/-g – “Danos provocados ou agravados por defeitos de construção, montagem ou afinação, vício próprio ou má conservação do veículo” – bem como da cl.ª 27/1b, ambas das condições gerais da apólice, que estatui que “Em caso de sinistro coberto pelo presente contrato o tomador de seguro sob pena de responder por perdas e danos, obriga-se (…) a tomar as medidas ao seu alcance no sentido de evitar ou limitar as consequências do sinistro.”.

         Resultou ainda provado que a autora, por diversas vezes, entre 19/04/2017 e 01/07/2018, contactou a ré, solicitando esclarecimentos sobre os motivos que conduziram à declinação da responsabilidade e não regularização do sinistro por parte da ré e solicitando o envio do relatório de averiguação.

         Em resposta a tais contactos, a ré informou sempre que, face aos elementos probatórios obtidos no decorrer da averiguação realizada, entendia não ser da sua responsabilidade a regularização do sinistro em virtude do estabelecido nas cláusulas da apólice de seguro mencionadas na carta de 05/04/2017 e recusou disponibilizar extrajudicialmente o relatório de averiguações por se tratar de documentação interna da companhia.

         A avaliar pelo relatório que apresentou, a averiguação instrutória não revestiu para a seguradora complexidade alguma, sendo certo que não foi sequer efectuada qualquer peritagem técnica ao veículo.

         A seguradora deve diligenciar pela rápida realização das perícias (art. 36/1 da LSO).

         A seguradora deve também proporcionar àqueles mesmos interessados informação regular sobre o andamento do processo de regularização do sinistro.

     No caso, não existiu da parte da seguradora qualquer suspeita de fraude relativamente ao conteúdo da participação do acidente, pelo que não é de admitir a suspensão do aludido prazo de 30 dias no caso concreto, prazo esse que foi claramente ultrapassado pela seguradora, pois que só em 05/04/2017 comunica à autora que não vai assumir a responsabilidade pela regularização do sinistro.

         Por outro lado, a ré não deu qualquer explicação à autora, nem antes, nem depois do envio daquela missiva, sobre as circunstâncias de facto que estiveram na origem da sua decisão. E não o fez mesmo após várias insistências feitas pela autora durante um período de tempo considerável (mais de um ano).

         De resto, considerando as conclusões constantes do relatório de averiguações juntas aos autos e os fundamentos aí expendidos, conclui-se ter a ré procedido com violação dos deveres de boa-fé e de actuação com diligência e consideração pelos interesses do segurado ao proferir decisão manifestamente infundada de recusa da realização da prestação que lhe era devida, sem que para tanto, através de prévia investigação e peritagem que a lei com autonomia lhe faculta, tenha procurado adequadamente habilitar-se.

         Deve, assim, além do que antes ficou dito, concluir-se ainda, relativamente ao exercício do direito de recusa da realização da prestação, em vista dos limites da boa-fé, pelo seu ilegítimo exercício (artigo 334 do CC), este, consequentemente, originador do dever de indemnizar a autora pelos danos causados (veja-se no mesmo sentido, os acórdãos do STJ de 23/11/2017 e 27/11/2018.

       Tal situação de facto acarretou efectivamente um dano concomitante: o não pagamento de uma indemnização que a autora integraria, no devido tempo, no preço de aquisição de outro veículo automóvel. Note-se que está em causa a substituição de um veículo (totalmente perdido) por outro que a autora poderia ter adquirido em momento anterior a Dezembro de 2017, aproximando-se assim, o mais breve possível da situação em que se encontraria se não tivesse ocorrido o dano.

         Com efeito, por causa da conduta esquiva da ré, a autora não recebeu 5233,82€ e não teve a possibilidade de adquirir um veículo substitutivo mais cedo, tendo ficado privado do respectivo uso desde o dia do sinistro até 14/12/2017, data em que logrou adquirir outro para substituir o sinistrado (sendo esta a data a partir do qual deixou de existir o dano de privação do uso alegado pela Autora).

         É essa a privação do uso, alegada pela autora, que importa ressarcir nos autos, existindo claro nexo causal entre a apontada conduta ilícita da ré e o dano invocado pela Autora, nos termos estabelecidos pelo artigo 563 do CC.

              Antes de mais, esclareça-se que, ao contrário do que diz a sentença, não há a ultrapassagem de qualquer prazo. Repare-se que o art. 102/1 da LCS dispõe que “o segurador obriga-se a satisfazer a prestação contratual a quem for devida, após a confirmação da ocorrência do sinistro e das suas causas, circunstâncias e consequências.” O art. 102/2 da LCS acrescenta: “para efeito do disposto no número anterior, dependendo das circunstâncias, pode ser necessária a prévia quantificação das consequências do sinistro.” E o art. 104 da LCS termina: “A obrigação do segurador vence-se decorridos 30 dias sobre o apuramento dos factos a que se refere o artigo 102.” O prazo de 30 dias não se começa a contar do sinistro, mas sim da data do apuramento dos factos. E não há nenhum prazo fixado para o apuramento dos factos. Sendo que na carta do ponto 14, de 24/02/2017, a seguradora, para além do que foi acima referido pela sentença recorrida, ainda escrevia: “[…] Face ao exposto, embora ainda não nos seja possível assumir uma posição quanto a responsabilidades […].” Pelo que, a 24/02/2017, ainda a ré estava a fazer investigações, o que não tem nada de especialmente censurável, dado que o acidente tinha ocorrido a 11/02/2017. Pelo que uma resposta definitiva, a declinar a responsabilidade, a 05/04/2017, não corresponde, só por si, à ultrapassagem do prazo de 30 dias previsto no art. 104 da LCS.

              Seja como for, o que decorre dos factos é que a seguradora nunca aceitou ter a obrigação de pagar o capital pela verificação do sinistro; e, 53 dias sobre o sinistro, já a ré tinha esclarecido a autora de que não aceitava a responsabilidade e porquê, enquadrando a situação em duas cláusulas de exclusão da cobertura. A ré nunca mudou de posição. O comportamento da ré não pode ter influenciado negativamente a situação da autora que, querendo, podia ter logo intentado esta acção; se não o fez, só dela se pode queixar. Designadamente, se a autora resolveu insistir com sucessivas cartas para a ré, durante um enorme período de tempo (mais de um ano), com o fim de obter dela respostas diversas, sem o conseguir, tal é imputável apenas a ela, autora, não resultando do comportamento da ré que esta tenha sugerido que essas cartas, e o protelar do assunto, fossem alterar a sua posição ou ajudassem a resolver o problema. Assim sendo, ao contrário do que diz a sentença, não há danos que possam ser imputados à ré pelo tratamento do pedido de pagamento do capital seguro depois do sinistro.

              É certo que a ré não disponibilizou o relatório da averiguação que fez, que a subsunção das cláusulas de exclusão da cobertura não estava explicada/fundamentada em factos concretos e que a decisão de declinar a aceitação da responsabilidade, sabe-se agora, estava errada. Mas isto tudo até aponta noutro sentido: perante todo este comportamento, errado, a autora não podia deixar de saber que não tinha quaisquer razões para esperar da ré uma mudança de posição e, por isso, tudo isto era um bom motivo para a acção ter sido logo intentada.

              Em suma: o relatado comportamento da ré consubstancia o incumprimento da prestação principal do contrato e também de deveres acessórios de conduta, a possibilitar desde logo a exigência judicial do cumprimento (art. 817 do CC), com pedido de indemnização moratória. Mas não é, por si, causador de outros danos que não sejam aqueles, precisamente, que decorrem do incumprimento do contrato.

              Assim, considera-se que, nesta parte, a sentença não tem razão e que o recurso da ré deve proceder.

                                                                 *

                 Quanto a custas:

              O pedido do autor corresponde à soma de 14.893,82€. Afinal só recebe 5233,82€. Pelo que o decaimento na acção é de 64,86%

            A sentença condenou em 5233,82€ + 5560€ = 10.793,82€. A ré pôs em causa a sentença. Perdeu em 5233,82€. Pelo que o decaimento no recurso é de 48,49%.

                                                                 *

         Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso da ré, revogando-se a sentença recorrida no que se refere à condenação da ré a pagar à autora 5560€ a título de indemnização pelo dano de privação de uso e absolve-se a ré desse pedido, mantendo-se, no resto, a sentença recorrida.

             Custas da acção, na vertente de custas de parte, em 64,86% para a autora e 35,14% para a ré.

          Custas do recurso, na vertente de custas de parte, em 51,51% para a autora e 48,49% para a ré.

              Lisboa, 04/06/2020

              Pedro Martins

              1.º Adjunto

              2.º Adjunto