Processo do Juízo Local Cível de Oeiras – Juiz 1

              Sumário: “A conjugação entre o art. 566/3 [do CC] e o art. 609/2 do CPC”, revela “a natureza subsidiária da apreciação equitativa dos danos a respeito da averiguação desse valor em liquidação ulterior, pressupondo que os factos provados indiciem a possibilidade de uma quantificação certa dos prejuízos.”

              Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

              Em 08/01/2018, A intentou uma acção contra Seguradora-SA, pedindo, no que ainda importa, que a ré seja condenada a pagar-lhe 21.434,15€ a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo autor até à presente data, acrescida de juros de mora no dobro da taxa legal (ver artigos 38, 39 e 43 do DL 291/2007), desde o dia do acidente até efectivo e integral pagamento; bem como a pagar-lhe os danos patrimoniais e morais que o autor vier a suportar ainda em consequência do acidente sofrido, a liquidar em sede de execução de sentença.

            Alega para tanto que em 01/07/2017 foi vítima de um acidente de viação causado por culpa exclusiva de um condutor cuja eventual responsabilidade civil decorrente da circulação de um veículo automóvel se encontrava coberta por contrato celebrado com a ré, que lhe provocou danos patrimoniais e não patrimoniais, correspondentes ao valor do pedido, ou seja: perda de ordenados entre 03/07/2017 e 12/09/2017: 1563,74€ (651,56 + 651,56 + 260,62); perda de 133,74€ de subsídio de natal [a soma dos dois dá 1697,48€]; perda de horas ou dias de trabalho por fora, durante aquele período: 80€ + 50€ + 100€ + 250€ + 80€ + 575€ + 545€ + 140€; perda do motociclo: 2250€; perda de computador portátil, de tablet e de telemóvel 763,80€; despesas suportadas de 181,43€ + 226,44€ + 85€; dano da privação do uso do motociclo desde o dia do acidente até ao dia em que venha a ser efectivamente ressarcido do respectivo no montante mínimo de 10€ diários, o que perfazia até à data da propositura da acção 1910€; e danos não patrimoniais: 12.500€.

            A ré contestou, impugnando o essencial dos factos alegados pelo autor, incluindo quanto à culpa do acidente que imputa ao autor.

              Depois de realizada a audiência final, foi proferida sentença condenando a ré a pagar ao autor o seguinte e absolvendo-a do demais:

         (a) 8384,65€, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal civil, desde a citação da ré para a presente acção até integral e efectivo pagamento.

         (b) 10€ diários desde a interposição da presente acção e até ao dia do pagamento da indemnização de 2250€, devida pela perda total do motociclo, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal civil, desde a citação da ré para a presente acção até integral e efectivo pagamento. 

         (c) a quantia a liquidar em execução de sentença referente aos lucros cessantes referentes aos serviços não prestados entre 03/07/2017 e 12/09/2017, por referência a dias e horas, não concretamente apurados e em quantia não concretamente apurada, a qual não pode exceder os valores peticionados na presente acção, nos artigos 58, 59, 60, 62, 65, 66, 67 e 68, da petição inicial [ou seja, horas e dias de trabalho por fora: 80€ + 50€ + 575€ + 545€ + 100€ + 140€ + 250€ + 80€ = 1820€]

         (d) a quantia a liquidar em execução de sentença referente à indemnização do telemóvel danificado, não podendo ultrapassar o valor peticionado de 172€.

              A ré recorre desta sentença, invocando erros de cálculo e arguindo nulidades da sentença; entendendo que o valor diário da indemnização pela privação deve ser metade do fixado; e que devia ser absolvida dos danos em relação aos quais o tribunal não julgou provados factos que permitissem a sua quantificação.

              O autor contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso.

                                                                 *

            Questões que importa decidir: se se verificam os erros e as nulidades apontadas e arguidas; se a ré não devia ter sido condenada nas indemnizações dos danos invocados.

                                                                 *

              Foram dados como provados os seguintes factos:

      1. O autor é proprietário do motociclo com a marca Honda, modelo CB Seven Fifty (RC42) de cor vermelha e cilindrada de 750 cm3, com a matrícula 00-00-GC.
      2. Sendo o único veículo de que dispõe para efectuar as suas deslocações pessoais e profissionais.
      3. Na tarde do dia 01/07/2017, o autor e a sua mulher circulavam com o referido motociclo na auto-estrada A5, em direcção a Lisboa, tendo entrado na estação de serviço da Galp em Porto Salvo para se dirigirem ao Hotel Ibis, que ali pensavam existir.
      4. O autor circulava na artéria que circundava o parque de estacionamento de pesados, a qual possui duas faixas de rodagem com uma largura total de cerca de 10 metros, desenvolve-se em linha recta e permite seguir pela esquerda para a auto estrada e pela direita para acesso ao parque de estacionamento dos veículos ligeiros.
      5. A meio dessa artéria existe um arruamento à direita de onde vêm os veículos oriundos da área de serviço onde se encontra um restaurante Macdonald´s e também zona de parque de estacionamento de ligeiros, que no ponto onde vai entroncar com a via por onde circulava o motociclo do autor, apresenta sinalização vertical, D1, de sentido obrigatório, para virar à direita.
      6. E, por volta das 18h30m, do dia 02/07/2017 [é lógico que se quis escrever 1 e não 2 – TRL], quando o motociclo do autor circulava na faixa mais à esquerda da artéria junto ao estacionamento dos veículos pesados e que permite aceder directamente à AE no sentido de Lisboa, foi embatido na sua parte lateral direita pela parte frontal do veículo ligeiro de passageiros de marca Volkswagen UP, com a matrícula 00-QE-00.
      7. O qual era conduzido por B e pertencia a C.
      8. A qual havia transferido a responsabilidade civil da circulação automóvel daquele, perante terceiros, para a ré, mediante a apólice nº 0000.
      9. O veículo provinha da área da estação de serviço onde se encontrava um restaurante e uma zona de parque de estacionamento destinado a veículos ligeiros.
      10. O qual, não tendo virado à direita, seguiu em frente, atravessou o arruamento e embateu com a sua parte frontal na parte lateral direita do motociclo do autor.
      11. O qual circulava no sentido que permitia aceder à AE no sentido de Lisboa.
      12. Vindo, com o embate, a ser projectado em direcção ao espaço destinado ao estacionamento de veículos pesados, ficando imobilizado a cerca de 90 cm do mesmo.
      13. O condutor do veículo seguro declarou que vinha distraído a olhar para o colega que seguia consigo no veículo no lugar do pendura e a olhar para o manual de instruções do veículo para verificar uma questão sobre pneus, quando se deu o embate.
      14. A largura total das duas faixas de rodagem ali existente é de 10 metros – facto complementar e concretizador.
      15. E o veículo ficou imobilizado a 5,5m da berma do lado direito da estrada – facto complementar e concretizador.
      16. Na sequência do acidente o autor sofreu ferimentos no seu corpo e foi transportado para o Hospital de S. Francisco de Xavier, onde lhe foi diagnosticado traumatismo por esmagamento do pé direito, edema dorso do pé e fractura da 3ª cunha do pé, que foi imobilizada com tala suropodálica.
      17. Foi dada alta ao autor no próprio dia, e no dia 03/07/2017 foi ao centro de saúde tendo sido mantida a baixa médica por o considerar incapaz para o exercício da sua actividade profissional.
      18. No dia 12/07/2017 por sentir dores no pé consultou médico ortopedista que lhe prescreveu a colocação de bota engessada usada até ao dia 16/08/2017.
      19. Em 14/07 e 14/08/2017 foram prorrogados os períodos de baixa médica do autor por força da sua incapacidade para o exercício das suas funções profissionais.
      20. Tendo o autor permanecido de baixa médica até ao dia 12/09/2017.
      21. O motociclo do autor, em consequência do acidente, foi considerado pela ré como perda total, porquanto o seu valor venal era de 3250€ e o valor estimado da reparação de 3977,43€, sendo o valor do salvado de 1000€.
      22. Em 27/07/2017, a ré comunicou ao autor que tendo em conta a documentação em seu poder entendia que a responsabilidade pelo sinistro era imputável ao veículo GC, propriedade do autor e que como tal declinava a responsabilidade no sinistro.
      23. Posição que reiterou a 08/09/2017, com base no art. 30 do Código da Estrada.
      24. À data do acidente o autor exercia a profissão de vigilante ao serviço da empresa D.
      25. Auferindo o vencimento mensal de 651,56€.
      26. Por força do acidente esteve de baixa médica desde 03/07 a 12/09/2017, data em que pôde regressar ao trabalho, mas com a condição de “evitar cargas físicas, ortostatismo prolongado e marcha, tanto no trabalho como em casa e cumprir as indicações de MFR”.
      27. Durante o período da baixa médica a entidade patronal do autor não lhe pagou qualquer remuneração.
      28. E a Segurança Social veio apenas a pagar-lhe 1030,05€, correspondendo a 55% da remuneração de referência, quanto aos primeiros 30 dias, e não pagando os três primeiros dias de baixa.
      29. Tendo sido descontado ao autor 133,74€ no subsídio de Natal por via do período de baixa médica.
      30. Para além, da actividade que presta como vigilante no mercado abastecedor de C, o autor fazia, e faz, vigilância também em alguns eventos, relacionados com recintos desportivos e recintos de espectáculos, tais como jogos de futebol, festas da cidade de C, Feira em J.
      31. Para os quais possuía os cartões denominados RDC e RDE (recintos desportivos e de espectáculos) – facto complementar.
      32. Dada a insuficiência de vigilantes da empresa 000 habilitados a exercer a vigilância nos recintos identificados, o autor costumava ser escalado para fazer vigilância nos seguintes eventos, os quais ocorreram no verão de 2017:

         – Jogos da temporada do S;

         – Festas da cidade de C;

         – Feira J;

         – Futebol de praia da N;

         – O clube de remo – facto concretizador. 

      1. Os jogos do S entre 03/07 e 12/09/2017, foram em número não concretamente apurado.
      2. As festas da cidade de C iniciaram a 04/07/2017 e tinham a duração de uma semana, sendo que o autor não faria a semana toda, mas apenas em alguns dias, e por turno de horas não concretamente apurados.
      3. Quanto à Feira, ao Futebol de praia da N e ao clube de remo, não se apurou quantos dias e horas o autor costumava, e poderia, fazer.
      4. Os jogos do S eram pagos a 50€ cada, valor bruto e os espectáculos, a 5€ à hora.
      5. No dia do acidente o autor transportava no seu motociclo um computador portátil, de marca Asus, um tablet Samsung e um telemóvel, de marca não identificada, os quais ficaram danificados, em virtude do acidente.
      6. Importando a sua substituição, por não ser possível a reparação, com o custo, à data, e quanto ao portátil Asus 1001 PX Sn 0000, a quantia de 319,80€.
      7. E, quanto ao tablet Sansumg P8110, igualmente impossível de reparar, importando o custo de um tablet equivalente, Samsumg Galaxy 10.1, a quantia de 245€.
      8. O autor pagou 15,38€ quanto à retirada do salvado do concessionário e foi orçamentado em 166,05€ a compra de uns alforges equivalentes.
      9. Entre 03/07 e 19/09/2017 o autor despendeu em consultas médicas, idas ao serviço de urgência do serviço hospitalar e colocação de gesso no pé direito, a quantia total de 226,44€.
      10. Após a retirada do gesso em 16/08/2017, e por sentir ainda dores, e por recomendação médica, iniciou sessões de fisioterapia tendo despendido o montante de 85€.
      11. Em virtude de não poder utilizar o motociclo teve de passar a efectuar as suas deslocações pessoais e profissionais com recurso a boleia de amigos ou de ser transportado pela sua esposa no veículo por esta utilizado, o que impunha reajuste, alteração das rotinas diárias.
      12. O autor sofreu dores, mal-estar, ansiedade e angústia com o acidente e no período em que esteve de baixa, por não poder trabalhar, sendo que ainda hoje, com as mudanças do tempo, sente algum desconforto no pé direito.
      13. Por referência ao período da baixa médica, a Segurança Social pagou ao autor a quantia global de 1030,05€, pelo período de 03/07 a 12/09/2017 e subsídio de Natal de 2017, na percentagem de 55% do valor diário da remuneração de referência durante os primeiros 30 dias, e não sendo pagos os três primeiros dias da doença.
      14. O processo de contra-ordenação instaurado contra B, com base na inobservância do Sinal de sentido obrigatório D1, foi arquivado por pagamento voluntário da coima.

                                                                 *

            Na sentença recorrida, o condutor do veículo seguro foi considerado único culpado (efectivo) do acidente e a seguradora não pôs em causa – por realmente não haver razões para isso tendo em conta os factos 3 a 6 e 9 a 15 – tal conclusão de direito.

              O que a ré faz é levantar as questões que se seguem relativamente aos segmentos decisórios da sentença.

                                                                  I

              Em (a) da sentença, condena-se a ré a pagar ao autor 8384,65€ que é o resultado da soma das seguintes parcelas:

              2250€ = perda do motociclo +

              1910€ = 10€ diários pela privação do uso do motociclo desde a data do acidente até à data da interposição da acção +

              666,98€ = perda de ordenados + subsídio de natal (= 1563,74€, e de 133,74€ = 1697,48€€) descontada dos 1030,50€ já pagos pela segurança social + 

              319,80€ + 245€ – pela perda de um computador portátil e de um tablet – danificados sem possibilidade de reparação, importando o custo de substituição as quantias provadas sob os factos 37 a 39 +

              181,43€ – para a reparação dos alforges danificados e para a retirada do salvado do concessionário (facto 40) +

              226,44€ + 85€ – de despesas médicas (factos 41 e 42) +

              2500€ = danos não patrimoniais.

              A ré diz que há um erro material de cálculo, de que pede a rectificação ao abrigo do artigo 614/1-2 do CPC. Segundo ela as parcelas seriam de 2250€ + 666,98€ + 181,43€ + 226,44€ + 85€ + 2500€ + 2250€, pelo que o resultado seria de 8159,85€ e não de 8384,65€.

              Mas o erro é da ré que, por um lado, esquece os 1910€ pela privação do uso (do acidente até à interposição da acção) + 319,80€ + 245€ (do computador e da tablet) e, por outro lado, duplica o valor da perda do motociclo.

              É também isto o que o autor, embora mais desenvolvidamente, diz em defesa da decisão recorrida.

                                                                 II

              Em (b) da sentença condena-se a ré a pagar ao autor 10€ diários desde a interposição da presente acção até ao dia do pagamento da indemnização de 2250€, devida pela perda total do motociclo, acrescida de juros de mora.

              A ré diz que: o tribunal condenou a pagar 2250€ a título de privação do uso e o mesmo montante a título de perda total; o lesado não pode ficar em situação melhor à que estaria se não fosse a lesão; o montante arbitrado deve ser reduzido para 1125€, face à ausência de prova para o aluguer de um motociclo com as características do veículo dos autos, que não deverá ser superior a 5€ a contar da data da citação.

              Ora, por um lado, é evidente o erro de leitura que a ré faz da sentença: o valor de 2250€ é o da perda do motociclo, com o qual, pagando-o, a ré colocará o autor em condições de comprar novo motociclo e a partir de então o autor deixará de ter o dano da privação do uso do motociclo.

              Por outro lado, o valor de 10€ diários, pedido pelo autor é, apesar da falta de prova do custo do aluguer diário de um motociclo com idênticas características do motociclo, tão manifestamente razoável que, compreende-se que a sentença o tenha aceitado pra a fixação do mesmo a título de equidade (art. 566/3 do CC). Basta pô-lo em confronto com o valor dado pela ré: quem é que pode sequer imaginar que o aluguer diário de um motociclo com as características de um motociclo da marca Honda, modelo CB Seven Fifty (RC42), cilindrada de 750 cm3, com a matrícula 00-00-GC, custaria apenas 5€? 

              Assim, entende-se inequivocamente correcta a sentença recorrida ao atribuir 10€ diários, desde o sinistro até à entrega, pela ré ao autor, do montante necessário para a compra de um outro motociclo com características idênticas, e não os 5€ diários que a ré quer que sejam atribuídos, notando-se, entretanto, que este dano da privação foi repartido por duas alíneas da decisão condenatória, a primeira relativamente ao dano já verificado até à data da propositura da acção, e a segunda relativamente ao período que decorrerá até ao momento do pagamento do valor da indemnização pela perda. Tudo como era pedido oportunamente pelo autor, pelo que não há qualquer nulidade na sentença por ter condenado – que não condenou – em quantidade superior ao pedido.

              Nem, por isso, há qualquer obscuridade da sentença, designadamente a assinalada pela ré, que resulta apenas do erro da ré na interpretação: a ré não percebeu que o dano da privação do uso do motociclo pelo autor existe desde a data do acidente até à data em que seja posta à disposição dele a quantia necessária à aquisição de um novo motociclo e, daí, a condenação da ré na indemnização por tal dano nos termos que constam da sentença: (a) da data do acidente até à propositura da acção; (b) da propositura da acção até ao momento em que ocorra o pagamento da indemnização.

              É também isto o que o autor, embora mais desenvolvidamente, diz em defesa da decisão recorrida.

                                                                 III

              Em (c), a sentença condena a ré a pagar ao autor a quantia a liquidar em execução de sentença referente aos lucros cessantes referentes aos serviços não prestados entre 03/07/2017 e 12/09/2017, por referência a dias e horas, não concretamente apurados e em quantia não concretamente apurada, a qual não pode exceder os valores peticionados na presente acção, nos artigos 58, 59, 60, 62, 65, 66, 67 e 68, da petição inicial, ou seja, e tendo em conta estes artigos da petição, até ao valor máximo, de 1820€ [ou seja: 80€ + 50€ + 575€ + 545€ + 100€ + 140€ + 250€ + 80€], pelo que, necessariamente, tal condenação está dentro do valor pedido.

              Na fundamentação da decisão, o tribunal explicou: perante o conjunto dos factos assentes sob os nºs 30 a 36, concluímos que ao autor é ainda devida indemnização por este dano, o qual abarca os eventos que tiveram lugar entre o referido período, por referência a dias e horas, não concretamente apurados e em quantia não concretamente apurada.

              A ré diz que não tendo sido oportunamente formulado nenhum pedido de condenação de montantes já liquidáveis em liquidação de sentença, não pode condenar-se nesse pedido; mesmo que tivesse sido peticionado, cabia ao autor o ónus da prova de quais os jogos a que compareceria caso não tivesse o acidente; o que não veio a fazer, conforme consta dos factos provados sob 33, 34 e 35; a condenação para liquidação em momento posterior excede o pedido formulado pelo autor, sendo inclusivamente uma decisão surpresa e com excesso de pronúncia; o tribunal tem de considerar e apreciar o pedido formulado pelo autor da acção e não pode basear a sua sentença de mérito em pedido não formulado pelo autor ou em termos diferentes, quando já tem elementos para decidir, ainda que pela improcedência; pelo que a sentença violou os critérios do artigo 615/1-d-e do CPC, o que é causa da sua nulidade, o que se alega.

              O autor responde que na medida em que a sentença, nos factos provados, reconhece que o autor, caso não fossem as sequelas causadas pelo acidente, teria prestado determinados serviços em dias e horas não concretamente apurados e em quantia igualmente não concretamente apurada, não tendo, no entanto, logrado provar em concreto em que dias e horas o prestaria, mais não restava ao tribunal a quo do que aplicar o art. 609/1 do CPC – não condenar em quantia superior do que se pedir – e o art. 609/2 do CPC: “Se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado…”; por seu turno, o art. 358/2 do CPC, permite que o incidente de liquidação pode ser deduzido depois de proferida sentença de condenação genérica, nos termos do art. 609/2 e, caso seja admitido, a instância extinta considera-se renovada.

              E no corpo das alegações desenvolve:

           Ensina Alberto dos Reis (CPC Anotado, volume I, págs 614 e 615 e volume V, pág. 70, 71) que: O tribunal encontra-se perante esta situação: verifica-se que o réu deixou de cumprir determinada obrigação ou praticou certo facto ilícito; quer dizer, reconhece que tem de o condenar; mas o processo não lhe fornece elementos para determinar o objeto ou a quantidade da condenação. Em face desses factos, nem seria admissível que a sentença absolvesse o réu, nem seria tolerável que o condenasse à toa, naquilo que ao juiz apetecesse. A única solução jurídica é a que o texto consagra: proferir condenação ilíquida. O juiz condenará o réu no que se liquidar em execução de sentença.

          Mais refere este Professor que a condenação ilíquida tanto é possível no caso de se ter formulado pedido genérico, como no de se ter formulado pedido específico, mas não se ter conseguido fazer prova da especificação.

         Imprescindível para tal, é que o tribunal tenha como provado o dano, mas constate que não tem elementos que lhe permitam fixar o seu valor. Terá, então de relegar a determinação do montante indemnizatório, na parte que não considere ainda não provada, para posterior liquidação.

              E mais à frente:

         Como se infere do já exposto, entendemos, na esteira da jurisprudência mais recente — acs do STJ de 26/09/2013, CJ, Ano XXI, Tomo 3, pág.79 e de 30/04/2014, Rec. n.º 593/09.7TTLSB.L1.S1 e citando Salvador da Costa (Os Incidentes da Instância, 2017, 9ª edição, pág. 234) que é “…pressuposto da relegação da liquidação para o incidente a inexistência de elementos necessários à quantificação pretendida, independentemente de isso ter ou não resultado do défice da prova de factos na acção.”

         […]

         No sentido do exposto, vai a melhor doutrina e jurisprudência, cfr Alberto dos Reis, CPC Anotado, I, 641; Vaz Serra, in RL, ano 1142, 31; Rodrigues Bastos, in Notas ao CPCivil, III, 232/233 e acórdãos do STJ de 21/01/1998, in BMJ 473, pág. 445, de 23/09/1998, in BMJ, 479, pág. 498, de 07/10/1999, in BMJ 4902, 212, de 19/04/2001, in CJ, STJII, 33, de 11/05/2005, de 20/09/2005, de 21/11/2006 e de 19/05/2009.

         […]

         O próprio Tribunal Constitucional decidiu já no longínquo acórdão 1009/96 de 08/10/1996 que tal interpretação não colide nem, com o artigo 132 da CRP, que consagra o princípio da igualdade de armas no processo, nem com os artigos 22 e 282/3 da CRP, que consagram o princípio da intangibilidade do caso julgado.

         Refira-se, por último que a sentença cumpriu com os limites da condenação, fazendo referência aos valores máximos dos pedidos específicos formulados pelo autor na acção declarativa, na sua petição inicial (artigos 58 a 60, 62 e 65 a 68).

              Decidindo:

           O art. 566/3 do CC dispõe que se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.

              O art. 609/2 do CPC dispõe que se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida.

              A conjugação destas normas faz-se assim: se os factos dados como provados não permitem averiguar o valor exacto dos danos e não é previsível que a situação se altere se se relegar para liquidação a fixação deles, os danos terão que ser fixados equitativamente dentro dos limites que o tribunal tiver por provados (a aplicação desta norma vem amplamente discutida no ac. do STJ de 20/11/2012, 176/06.3TBMTJ.L1.S2).

              Dito de outro modo: “A conjugação entre o art. 566/3 [do CC] e o art. 609/2 do CPC, parece revelar a natureza subsidiária da apreciação equitativa dos danos a respeito da averiguação desse valor em liquidação ulterior, pressupondo que os factos provados indiciem a possibilidade de uma quantificação certa dos prejuízos. Neste sentido, por exemplo, os acs. do STJ de 20/11/2012, e do TRL de 06/04/2017 [proc. 519/10.5TYLSB-H.L1-2]. Lê-se no último: “Com efeito, sempre que carecerem os autos de elementos para fixar a exacta quantia que uma das partes deveria ser condenada a responder perante a outra e, a considerar o Tribunal que havia possibilidade de averiguar em momento ulterior, o montante dos prejuízos alegadamente sofridos, teria, por certo, de relegar o seu apuramento para liquidação ulterior, fixando como limite máximo desses prejuízos o valor peticionado.” (Henrique Sousa Antunes, Comentário ao CC, Dtº das Obrigações, UCP, 2018, págs. 571-572).

              Por outro lado, como explica Lebre de Freitas (CPC anotado, com Isabel Alexandre, vol. 2.º, Almedina, 3.ª edição, 2017, pág. 716: “O STJ perfilhou, no acórdão de 17/01/19995 […], BMJ 443, pág. 395, tirado por maioria, uma interpretação restritiva do preceito do n.º2, julgado apenas aplicável quando, embora se tenha deduzido pedido líquido, ainda não for possível, no momento da sentença, conhecer todos os factos necessários à liquidação […], mas não já quando eles já tiverem todos ocorrido e, muito menos, quando, como ocorria no caso concreto, tiverem sido alegados mas não provados […] Mas a jurisprudência dominante é no sentido inicialmente referido (por todos: ac. do STJ de 29/01/1998, BMJ 473, pág. 445, com boa citação de doutrina e jurisprudência […]) […]”.  

              Ora, no caso destes danos, provados – e que, por isso, têm de ser indemnizados: art. 562/1 do CC -, considera-se como correcta a consideração implícita de que ainda será possível liquidá-los ulteriormente, não devendo, por isso, ser fixados já com recurso à equidade e, menos ainda, como pretende a ré, absolvê-la dessa parte do pedido.

                                                                IV

              Em (d) da sentença, condena-se a ré a pagar ao autor a quantia a liquidar referente à indemnização do telemóvel danificado, não podendo ultrapassar o valor peticionado de 172€.

              O autor dizia na petição inicial que no dia do sinistro transportava no seu motociclo diverso material informático, designadamente um computador portátil, um tablet e um telemóvel que ficaram completamente destruídos e em cuja substituição gastou 763,80€ (v. docs. nos 26, 27 e 28). Tendo em conta esses documentos, o valor do telemóvel seria de 172€.

              Relativamente a isto o tribunal disse: logrou provar-se que o computador portátil, tablet e telemóvel, ficaram danificados, sendo os dois primeiros sem possibilidade de reparação, importando o custo de substituição as quantias provadas sob os factos 37 a 39.

              Já o telemóvel, apenas se provou que ficou danificado, mas sem se ter apurado qual o valor da sua reparação ou substituição, pelo que o concreto valor desta indemnização será a liquidar em execução de sentença, não podendo ultrapassar o valor peticionado de 172€. 

              A ré diz que o tribunal a quo, condenando a ré em quantias em sede de liquidação de sentença quanto a valores já apurados [sic] viola o previsto no artigo 609 do CPC, nomeadamente, o previsto no seu n.ºs 1 e 2, a contrario; além, de esta decisão ser surpresa, para a ré, pois que, o processo já continha todos os elementos para ser proferida sentença quanto a esta rubrica; deveria ter sido improcedente por não provado o peticionado quanto a este dano.

              O autor responde que o exposto em III igualmente se reporta quanto à condenação na indemnização do telemóvel, o qual ficou danificado em virtude do acidente, importando a sua substituição, por não ser possível a reparação, com o custo, à data.

              Decidindo

              Estando provado que o telemóvel do autor ficou estragado, sem se saber, no entanto, qual o valor da sua reparação ou substituição, deve ser deixado para momento posterior, por ser possível, essa liquidação em conjunto com os danos em causa na parte III deste acórdão. Tendo-se provado que o telemóvel ficou danificado, a posição da ré, de que o pedido relativamente a este telemóvel devia improceder não faz sentido, pois que tal levaria a que um dano não fosse reparado, contra o disposto no art. 562 do CC.

                                                                 *

              Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente.

           Custas, na vertente de custas de parte (não existem outras), pela ré (que é quem decai no recurso).

              Lisboa, 04/06/2020

              Pedro Martins

              1.º Adjunto

              2.º Adjunto