Processo do Juízo Local Cível de Lisboa – Juiz 15

              Sumário:

          Também no contrato de locação [tal como nos contratos de crédito ao consumo, nos contratos de locação financeira, nos contratos de aluguer de longa duração, nos contratos de fornecimento de bens, nos contratos de prestação de serviços e nos contratos de manutenção de elevadores, entre outros, com as devidas adaptações] é proibida, por abusiva (art. 19/-c do RJCCG) e por isso nula, a cláusula contratual geral (16/1 do contrato da GR-SA com a autora, dito de “locação clássica”) que prevê, a título de cláusula penal, que, “no caso de cessação antecipada do contrato, a locadora poderá exigir um montante equivalente a todos os alugueres que fossem devidos até ao termo do contrato”, pois que, no fundo, se prevê uma prestação sem contraprestação, pondo em causa o sinalagma existente entre elas.

              Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

              GR-SA, instaurou a presente acção comum contra A-Lda, pedindo a condenação desta no pagamento de indemnização/cláusula penal (de 5279,73€ (IVA incluído) ou de 4292,46€ (sem IVA, caso o tribunal entenda que o mesmo não é devido), devida pelo incumprimento contratual pela ré/locatária, vencida com a resolução do contrato, julgada válida em processo judicial autónomo, transitado em julgado, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento, melhor especificando no seu petitório os diversos montantes reclamados.

              Alegou, para tanto, e em síntese, que alugou à ré um equipamento impressora multifunções, por esta escolhido e, com vista a tal fim, adquirido pela autora a fornecedor entidade terceira. Tendo tal bem sido entregue à ré, a 25/02/2013, a ré não pagou os alugueres de Abril a Setembro de 2017, os custos de aviso e os juros de mora. Face a tal, comunicou à ré a resolução do contrato, tendo reclamado todos os valores em dívida. Por tal, e tendo havido um processo judicial anterior [uma injunção em que, por decisão judicial, se considerou que a cláusula penal não podia ser exigida na injunção], vem no presente processo peticionar o montante devido a título de cláusula penal, de 5279,73€, que equivale aos alugueres de 01/10/2017 a 31/03/2018, vencidos antecipadamente com a resolução do contrato pelo incumprimento da locatária, ora ré, acrescido dos respectivos juros de mora, liquidados à taxa de 15% convencionada no contrato de locação. Invoca 14 acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, proferidos entre Out/2011 e Jan/2013.

                A ré contestou, excepcionando a nulidade da cláusula penal por abusiva (art. 19/-c do RJCCG).

         A autora respondeu à excepção, pugnando pela validade de tal cláusula, reiterando ter a ré vinculado validamente à mesma aquando da celebração do contrato, mais se tendo verificado a cessação antecipada do mesmo em virtude de incumprimento desta.

              A acção foi decidida no saneador, que a julgou improcedente e absolveu a ré do pedido, declarando nula a cláusula penal estabelecida na cláusula 16.º, n.º 1, das condições gerais do contrato de locação celebrado nos presentes autos entre as partes.

               A GR recorre deste saneador sentença, para que seja revogado e substituído por outro que condene a ré.

          A ré contra-alegou defendendo a improcedência do recurso, no essencial pelas razões que constam do saneador sentença.

                                                                 *

              Questões a decidir: se a ré devia ter sido condenada a pagar à autora a cláusula penal.

                                                                 *

              Para a decisão desta questão importam os seguintes factos dados como provados:

1. A autora é uma sociedade comercial que tem por objecto, designadamente, a actividade comercial de aluguer de equipamentos informáticos.

2. A ré é uma sociedade comercial que tem por objecto o diagnóstico médico por imagem.

3. Do documento intitulado factura n.º FT 2013/1, de 26/02/2013, com data de vencimento no mesmo dia, emitido pela fornecedora M-Lda, em nome da autora, consta a descrição do seguinte produto: uma “solução print xerov v_t 550 com finalizador pro”, pelo valor de 44.218,50 €.

4. Por documento intitulado Locação Clássica – Contrato de Locação para Clientes Empresariais – Corporate Clients, n.º 000-010898, autora e ré acordaram o “aluguer” do produto referido supra, acordando o pagamento de 60 prestações mensais, no valor de 879,95€ cada (com o valor do IVA incluído, à taxa legar em vigor).

5. Do documento intitulado de “contrato” em cima referido, fazem parte integrante as Condições Gerais de Locação e os Termos e Condições Gerais Relativas ao Seguro de Propriedade da GR, mais se prevendo nesse documento a identificação da fornecedora do equipamento como sendo a M-Lda.

6. A modalidade de pagamento acordada entre as partes foi o pagamento trimestral, por débito directo.

7. A ré assinou o documento em causa, tendo conhecimento do seu teor.

8. Do documento referenciado, constam, entre outras a cláusula 14, que prevê, sob a epígrafe “Consequências de atrasos, cessação sem aviso prévio”:

1. Caso o Locatário esteja em mora com o pagamento de quaisquer montantes devidos de acordo com o contrato, serão devidos juros à taxa legal para operações comerciais acrescidos de 8% pelos alugueres em divida e juros à taxa legal para operações comerciais acrescidos de 5% por quaisquer outros montantes em divida (taxa de serviço, prémio de seguros, despesas administrativas).

2. No caso de cessação pelo Locador, a Secção 16 será aplicável. O Locador terá o direito de fazer cessar o contrato de locação sem aviso prévio caso o Locatário esteja em mora com o pagamento dos alugueres.

3. O Locatário poderá evitar a cessação do contrato através do pagamento dos alugueres em mora acrescidos de uma penalização de 50% do valor dos alugueres em mora.

4. O Locador poderá avisar o Locatário da falta de pagamento das facturas, implicando os avisos custos que serão imputados ao Locatário. Os custos de aviso e gestão de cobrança poderão variar entre os EUR 10 e EUR 120 (acrescidos de IVA), consoante sejam efectuados pelo Locador ou também por terceiras entidades”.

9. E a cláusula 16, que prevê, sob a epígrafe “Consequências de cessação prematura extraordinária”:

1. Tendo em consideração que o Locador adquiriu o bem locado para benefício do Locatário e tendo em conta a necessidade de compensar os danos emergentes, nomeadamente, com o investimento patrimonial perdido pelo Locador como resultado da perda de valor do equipamento, custos financeiros com o investimento em equipamento novo objecto da locação e custos administrativos com a celebração e manutenção deste contrato, entre outros, caso o Locador exerça o seu direito de cessação sem aviso prévio ou caso o Locatário cesse o contrato de acordo com a secção 12, o Locador poderá exigir a título de cláusula penal um montante equivalente a todos os alugueres que fossem devidos até ao termo do contrato. A compensação com a poupança de custos ou a obtenção de benefícios relacionados com a cessação antecipada – incluindo indemnizações pagas pelo seguro e outras indemnizações, se existirem (confrontar secção 11 nºs 2 e a secção 13 números 7 e 8) recebidas pelo Locatário estarão sujeitas às disposições legais. Os direitos do Locador tornam-se exigíveis com a recepção da notificação de cessação. O Locatário deverá ser considerado em incumprimento caso não realize o pagamento devido nos 30 dias subsequentes à recepção da notificação da cessação e dos danos enumerados.

[…]

9-A\ E a cláusula [ou secção] 18:

Fim do contrato, cessação, renovação, devolução do bem locado, inexistência de direito de aquisição do Locatário:

1. Ambas as partes podem impedir a renovação do contrato e fazê-lo cessar por denúncia, na data do respectivo termo, se comunicarem por escrito e com um aviso prévio de 3 meses, antes do fim do termo inicial base, a sua decisão de não renovação do contrato.

2. No caso de o direito de cessação não ser exercido, o contrato será renovado por sucessivos períodos de 6 meses, até ser denunciado por escrito por uma das partes, com um período de aviso prévio de 3 meses relativamente ao termo de cada renovação.

Esta cláusula foi invocada pela autora na PI (artigos 24, 36 e 78) e constando do contrato, não impugnado pela ré,  é agora acrescentada por este TRL, ao abrigo dos arts. 663/2 e 607/4 do CPC, tendo em conta o que é alegado pela autora nas alegações de recurso.

10. A ré procedeu ao pagamento dos alugueres até 31/03/2017, não tendo pago os correspondentes do mês de abril a setembro de 2017.

11. A empresa L-SA, e a autora, comunicaram à ré, quanto ao “contrato” supra mencionado, encontrarem-se montantes em dívida à autora, por missivas datadas de 20/04/2017, 10/05/2017, 20/06/2017, e 10/07/2017.

12. Por missiva de 10/08/2017, a autora comunicou à ré a “resolução do contrato por falta de pagamento de alugueres – incumprimento definitivo do contrato de locação”.

                                                                 *

              A fundamentação da sentença foi a seguinte, em síntese:

         Por força do art. 1022 do CC, que trata do contrato de locação, que foi o contrato celebrado entre as partes, há um nexo sinalagmático entre o pagamento das específicas prestações acordadas e a obrigação de proporcionar o gozo de uma coisa.

         As partes podem, no âmbito da liberdade contratual (artigo 405 do Código Civil), fixar livremente o conteúdo dos contratos, estabelecendo, nomeadamente, uma cláusula penal. Segundo o artigo 810/1 isso significa que podem fixar por acordo o montante da indemnização exigível, em caso de incumprimento.

         O contrato de locação em apreciação enquadra-se nos designados contratos de adesão por conter cláusulas elaboradas sem prévia negociação individual, destinadas a uma pluralidade indeterminada de contraentes, artigo 1 do DL 446/85, de 25/10 (LCCG – na sua versão actualizada).

         Nos termos do artigo 19/-c da LCCG, são relativamente proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, as cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir, o que é, além do mais, de conhecimento oficioso.

         A pretensão da autora de ser indemnizada pelo valor correspondente às rendas que se venceriam até ao final do contrato só poderia ter acolhimento no caso de a mesma, ante o incumprimento contratual, tivesse optado pela subsistência e integral realização do contrato em causa, o que pressuporia o cumprimento da sinalagmática obrigação contratual sobre si impendente e consubstanciada na cedência ao locatário do gozo e fruição do veículo locado, pelo período de duração do contrato, que não sucedeu visto que a autora optou pela resolução do contrato.

         Caso contrário, a autora ficaria na situação privilegiada de obter os benefícios decorrentes do cumprimento do contrato pelo locatário, sem que da sua parte tivesse a correspondente obrigação de facultar ao locatário o gozo e fruição dos bens locados, o que se traduziria num injustificado desequilíbrio da estrutura das obrigações sinalagmáticas de cada um dos sujeitos contratuais.

         E, se é certo que a cláusula 16 se tenta justificar a si mesma, fazendo-a decorrer de várias circunstâncias como o facto de a autora ter adquirido o equipamento no exclusivo interesse da locatária, o custo financeiro com a aquisição e a perda de valor do equipamento bem como os custos administrativos com a celebração do contrato, também é certo que a autora terá calculado o valor da renda em função desse custo, bem como do lucro planeado com a operação e que terá igualmente ponderado o valor da desvalorização do bem que depende do seu uso ao longo do tempo de duração do contrato.

         O incumprimento por parte do locatário do pagamento dos alugueres permite ao locador optar entre resolver o contrato ou exigir o cumprimento dele mediante o pagamento coercitivo, imediato, do valor total das rendas não pagas, vencidas e vincendas.

         Não pode é obter a recuperação do equipamento locado, a perda das prestações pagas (artigo 432/2 do CC), as prestações vencidas e vir exigir ainda o pagamento das prestações vincendas, sob pena de arrecadar um benefício desproporcionado ao seu prejuízo.

         Assim, afigura-se que a cláusula penal estabelecida é desproporcional e deve ser declarada nula ao abrigo do disposto nos artigos 12 e 19/-c da LCCG, não sendo passível de redução.

         Sendo a referida cláusula penal nula, e em consonância, não serão devidos os juros peticionados com referência exclusiva a esta cláusula que se julga ferida de nulidade.

              Contra isto, a autora apresentou as seguintes conclusões das alegações do seu recurso, que se transcrevem, na parte que importa, com simplificações:

         4.º Para o exercício da sua actividade, a ré procurou dotar o(a) seu(s) estabelecimento(s) com 1 fotocopiadora/impressora […], cujo valor comercial, em Fevereiro de 2013, ascendia 44.218,50€.

         5.º Para conseguir utilizar o equipamento pretendido, a ré celebrou um contrato de locação com a autora, […] e nos termos do qual [a autora] cedeu o gozo do equipamento, pelo período de 60 meses, ficando a ré obrigada ao pagamento mensal de 715.41€ (acrescido de IVA), a pagar trimestralmente […].

         6.º Todas as cláusulas contratuais foram disponibilizadas previamente à ré, que não tinha qualquer dever de assinar o contrato, sendo que se o fez foi porque concordou com os termos contratuais.

         7.º O contrato de locação foi resolvido [pela autora – TRL] em 10/08/2017, tendo a autora, na referida comunicação, reclamado o pagamento das facturas vencidas, os juros de mora às taxas convencionadas no contrato e os alugueres de Outubro de 2017 a Março de 2018, vencidos antecipadamente e devidos pelo incumprimento contratual e ainda solicitado a restituição do bem locado.

         8.º A indemnização reclamada, na carta de resolução, corresponde ao valor dos alugueres que se venceram antecipadamente, de Outubro de 2017 a Março de 2018, cujo montante ascendia à data da comunicação, a 5279,73€, correspondente ao valor líquido (s/iva) de 4292,46€.

         9.º A ré procedeu à restituição do bem locado apenas em 04/05/2018, ou seja, só após nove meses da data fixada para entrega na comunicação de resolução.

         10.º Atendendo à data prevista para termo inicial [sic – a autora quer-se referir ao termo do contrato – TRL] do contrato, em Março de 2018 e a data em que a ré procedeu à entrega do bem locado, facilmente se conclui que a ré utilizou o equipamento locado para além da data de vigência do contrato de locação, não obstante ter deixado de proceder ao pagamento dos alugueres em Abril de 2017.

         11.º A cláusula penal prevista no contrato de locação (cláusula 16, n.º 1 das Condições Gerais de Locação), considerando o preço pago para aquisição do bem locado (44.218,44€), não é desproporcionada aos danos a ressarcir, antes justa e equilibrada.

         12.º Em concreto ou abstracto, a cláusula penal convencionada não é excessiva, nem arbitrária, nem desproporcionada, nem contrária à boa fé, correspondendo à vontade livre e esclarecida das partes contratantes, sendo a mesma fonte de equilíbrio entre o valor que a autora pagou, de 44.218,50€ para disponibilizar o bem à ré, que se obrigou a pagar o global de 42.924,60€ (acrescido de IVA) como contrapartida ou retribuição pela utilização.

         13.º Obter a restituição do bem locado, já após o termo inicial [sic – TRL] do contrato e, em simultâneo receber os alugueres vincendos ajustados não se trata de arrecadar um benefício desproporcionado ao seu prejuízo, e esse raciocínio parte de factos hipotéticos de que o bem locado quando foi restituído teria um valor comercial, o que não corresponde à realidade, até mesmo nada resulta dos autos nesse sentido.

         14.º A sentença recorrida não teve em consideração todos os factos, nem respeita as obrigações ajustadas e aceites pelas partes contratantes, já que a locadora não se limita a disponibilizar a utilização à locatária do bem móvel de que é proprietária. A locadora adquiriu o bem locado escolhido pela locatária, e assumiu ad initio a responsabilidade de pagamento do preço do bem escolhido pela locatária, no montante de 44.218,50€, na condição da locatária pagar, respectivamente, 60 alugueres ajustados.

         15.º O pagamento dos alugueres não foi cumprido. A ré só pagou os alugueres até Março, num total de 34.339,69€, por um equipamento de 44.218,50€, que apenas foi entregue à autora em maio de 2018, destituído de valor comercial.

         16.º Deste modo, é evidente que, caso não seja aplicável a cláusula penal estipulada, o montante do prejuízo da autora é de, pelo menos, 5279,73€ (IVA incluído), correspondente aos alugueres vincendos, os quais traduzem o valor efectivamente pago pela autora pelo equipamento, bem como as despesas de execução do contrato e o lucro que a autora deixou de auferir caso o contrato tivesse sido integralmente cumprido pela ré.

         […]

         18.º A previsão do artigo 19/-c do DL 446/86, de 25/10, pressupõe sempre uma desproporção sensível, não se bastando com uma simples violação, antes uma violação manifesta.

         19.º No caso sub judice, contempla-se, basicamente, através da fixação da dita cláusula penal, o ressarcimento dos montantes gastos com o investimento realizado pela autora, que corresponde ao montante de 44.218,50€.

         20.º É evidente que a utilização daquele equipamento, durante o longo período de utilização – 60 meses – traduzir-se-ia, como não podia deixar de ser, numa acentuada desvalorização comercial, inaproveitável no final da locação.

         21.º O gasto/investimento realizado pela autora está em relação directa com o integral cumprimento do acordado pela locatária.

         22.º Assim, a recuperação do equipamento locado não pode ser configurada como uma situação que coloca a autora numa situação privilegiada, carecendo, antes de mais, a sentença recorrida da devida fundamentação.

         23.º A autora exerceu legal e validamente o direito à resolução do contrato, em função do incumprimento culposa da locatária, tendo direito à restituição do bem locado e ao pagamento dos alugueres até ao final do contrato.

         […]

         26.º Não obstante o carácter acessório da cláusula penal, a conduta ilícita da incumpridora reveste a autonomia necessária ao vencimento dos respectivos juros de mora, à taxa convencionada no contrato de locação.

              A ré responde, no essencial, que:

         G – A pretensão da autora só poderia merecer acolhimento se a tivesse optado pela subsistência e integral realização do contrato em causa nos autos, o que pressuponha o cumprimento da sinalagmática obrigação contratual que sobre si impendente e consubstanciada na cedência ao locatário do gozo e fruição do bem locado pelo período da duração do contrato, o que efectivamente não sucedeu, uma vez que a autora optou pela resolução do contrato e a consequente restituição do bem.

         H – O valor da renda acordada foi calculado em função do custo do bem, do lucro planeado com a operação e com o valor da desvalorização do bem que depende do seu uso ao longo do tempo de duração do contrato.

         I – A autora/locadora não pode obter a recuperação do equipamento locado, a perda a seu favor das prestações pagas, o pagamento das prestações vencidas até à resolução do contrato e vir exigir, ainda, o pagamento das prestações vincendas, sob pena de arrecadar um benefício desproporcionado ao seu prejuízo.

         J – Tendo a locadora optado pela resolução do contrato, pondo-lhe dessa forma fim e viabilizando a restituição ou retoma do bem locado, não pode simultaneamente pedir o pagamento de todos os alugueres vincendos, como se o negócio subsistisse.

              Decidindo:

                                                                (I)

Exigência do cumprimento ou resolução do contrato mais indemnização pelos danos derivados do incumprimento

           Regra geral, o incumprimento de um contrato bilateral, com obrigações pecuniárias para uma das partes, dá ao credor (da obrigação pecuniária) o direito de exigir o cumprimento do contrato (artigo 817 do CC) ou, verificados que sejam os respectivos pressupostos, o direito de resolver o contrato com uma indemnização pelos danos causados com o incumprimento (artigos 798, 801 e 808 do CC).

            Quando o incumprimento (com determinados pressupostos) se verifica em relação a uma obrigação pecuniária dividida em prestações, dá lugar à perda do benefício do prazo, isto é, à exigibilidade antecipada das prestações que ainda estiverem em dívida (arts. 780 e 781 do CC). Ou seja, perante esse incumprimento, o credor pode exigir logo todas as prestações – interpelando o devedor -, e as prestações vincendas ficam também em dívida.

              Se o devedor continuar a não pagar, o credor fica com a seguinte alternativa: ou intenta uma acção para obter o cumprimento de todas as prestações em dívida (art. 817 do CC), incluindo as vencidas antecipadamente, ou, se se verificarem os pressupostos da resolução (por exemplo, com a conversão da mora em incumprimento definitivo) pode resolver o contrato, exigindo então uma indemnização por incumprimento do contrato (artigos 801 e 808 do CC).

              Em relação ao contrato de compra e venda a prestações, por exemplo, o art. 934 do CC, que é uma norma especial em relação ao art. 781 do CC, concretiza isto assim: Vendida a coisa a prestações, com reserva de propriedade, e feita a sua entrega ao comprador, a falta de pagamento de uma só prestação que não exceda a oitava parte do preço não dá lugar à resolução do contrato, nem sequer, haja ou não reserva de propriedade, importa a perda do benefício do prazo relativamente às prestações seguintes, sem embargo de convenção em contrário.

              Vê-se pois, pela negativa, a alternativa do direito à resolução ou a exigir o cumprimento (subsequente à perda do benefício do prazo). Pela positiva, a falta de pagamento de duas prestações, ou de uma superior a 1/8 do preço, dá lugar à perda do benefício do prazo, possibilitando a exigência imediata do pagamento de todas as prestações, ou, quando se verificarem os pressupostos da resolução, que podem ser provocados por uma interpelação admonitória do credor, à resolução do contrato (assim, por exemplo, Vasco Xavier, Venda a prestações, citado por Antunes Varela, CC anotado, vol. II, 4.ª edição, 1997, Coimbra Editora, págs. 228-229, anotações 1 e 6).

              O mesmo se verifica, no essencial, no contrato de crédito aos consumidores (DL 133/2009), pois que o art. 20 prevê aquela alternativa: ‘não cumprimento do contrato de crédito pelo consumidor’: 1 – Em caso de incumprimento do contrato de crédito pelo consumidor, o credor só pode invocar a perda do benefício do prazo ou a resolução do contrato se, cumulativamente, ocorrerem as circunstâncias seguintes: (a) A falta de pagamento de duas prestações sucessivas que exceda 10% do montante total do crédito; (b) Ter o credor, sem sucesso, concedido ao consumidor um prazo suplementar mínimo de 15 dias para proceder ao pagamento das prestações em atraso, acrescidas da eventual indemnização devida, com a expressa advertência dos efeitos da perda do benefício do prazo ou da resolução do contrato. 2 – A resolução do contrato de crédito pelo credor não obsta a que este possa exigir o pagamento de eventual sanção contratual ou a indemnização, nos termos gerais.

              A variante mais relevante, neste caso, é a necessidade de interpelação prévia para se verificar a perda do benefício do prazo.

              O mesmo (regime geral) resulta do regime da locação financeira, quer na redacção original do art. 16/1 do DL 149/95 – “Mora no pagamento das rendas 1. A mora no pagamento de uma prestação de renda por um prazo superior a 60 dias permite ao locador resolver o contrato, salvo convenção em contrário a favor do locatário” – pois que, naturalmente, o locador financeiro, em vez de resolver o contrato, pode exigir o cumprimento do mesmo, ou seja, as prestações fraccionadas em divida e das que se vencerem, com a subsequente interpelação, devido à perda do benefício do prazo, continuando o contrato em vigor, isto é com o locatário a utilizar o bem; quer depois da revogação do art. 16 pelo DL 285/2001, de 03/11, pois que, agora, a situação se rege pelas regras gerais do direito (Gravato Morais, Manual da Locação Financeira, 2011, 2.ª edição, Almedina, págs. 246-247 e 107-111).

                                                                (II)

                                      No caso do contrato de locação

              O contrato de locação [‘clássico’] não é um contrato em que as prestações tenham sido divididas (um valor certo a dividir por x número de meses), mas antes um contrato duradouro com prestações periódicas: o valor total da obrigação do devedor vai aumentando com a sucessão dos períodos, normalmente de meses).                       

              O incumprimento, pelo locatário, nestes contratos – de prestações periódicas, repete-se, não de prestações fraccionadas -, para além de possibilitar a exigência do cumprimento das prestações em dívida, dá direito ou a uma indemnização pela mora, continuando o contrato em vigor com potenciais novas exigências de pagamento de prestações que voltem a estar em dívida, ou à resolução do contrato (art. 1041/1 do CC).

              Embora com variantes, continua a ter-se a alternativa do cumprimento ou resolução. A variante principal é que o locador não tem direito à perda do benefício do prazo, não podendo, pois, exigir todas as rendas posteriores, precisamente porque, no caso, não há prestações fraccionadas, mas novas prestações, periódicas (neste sentido, Vaz Serra, citado por Antunes Varela, obra citada, págs. 31-32, anotação 1 ao art. 781).

              Mas aqui, menos ainda do que nos contratos referidos acima, não faz, naturalmente, sentido falar-se na possibilidade de resolver o contrato e, mesmo assim, continuar a exigir-se o cumprimento. Resolvido o contrato o que existe é o direito a uma indemnização pelos danos derivados do incumprimento.

                                                               (III)

O tipo de danos que estão em causa para o locador

              Os danos derivados do incumprimento podem ser a perda do valor do bem correspondente ao valor dos alugueres pelo período subsequente à resolução se já não for possível voltar a locá-lo e o bem não tiver nenhum interesse para o locador; mas trata-se apenas de um risco, não o que acontece necessariamente. E risco que é diminuto, porque o bem, como bem comercial e objecto normal da actividade de aluguer do locador, é, por norma, susceptível de ser alugado de novo. E risco que, como já diz o acórdão do STJ de 1994, citado abaixo, está sempre incluído no valor das rendas.

              O prejuízo não é, assim, igual, de modo algum, a todo o capital investido, nem igual ao valor dos alugueres vincendos depois da data da resolução, mas apenas, repete-se o risco de este último se verificar e que já está coberto.

              Admitindo-se, no entanto, que ainda assim esse risco, já coberto, possa ser coberto de novo por uma cláusula penal, o valor dela, pelos 20% dos alugueres vincendos, seria mais do que suficiente.

                                                               (IV)

                                 Do carácter abusivo de cláusula penal

              A indemnização pelo incumprimento do contrato pode ser pré-fixada numa cláusula penal (art. 811 do CC), mas não pode ser igual ao valor de todas as prestações vincendas, desde logo porque equivaleria, na prática, a exigir o cumprimento do contrato, o que é logicamente incompatível com o facto de o credor ter optado por o resolver, como se viu acima; depois, porque, como se viu, seria ostensivamente superior aos prejuízos a ressarcir. Por fim, mas o mais importante, porque seria materialmente incompatível devido à signalamaticidade que liga as duas obrigações respectivas.

              Grosso modo, se A empresta onerosamente 5000 a B por 5 anos, espera vir a receber, ao fim desses cinco anos, 5000 + 5% ao ano x 5 anos = 6250, ou seja, 104,16 (100 de amortização + 4,16 de juros) por mês durante 60 meses. Os juros por cada um deles 60 meses são devidos porque B tem, em cada um desses meses, a disponibilidade do capital de A e este, apesar do dinheiro ser seu, não a tem. Se o contrato for resolvido por A (que podia optar por em vez disso exigir o cumprimento), ao fim de 2 anos, regressando o dinheiro à disponibilidade de A, B já não terá, naturalmente, de compensar o A pela perda da disponibilidade do dinheiro durante os 3 anos restantes (as coisas são diferentes no caso da cessação do contrato por iniciativa de B: aí haverá lugar ao pagamento do juros vincendos: art. 1147 do CC). É esta a razão de ser da jurisprudência do STJ e das relações, consagrada no AUJ de 25/03/2009, publicado no DR 86 1.ª série de 05/05/2009 (= 08A1992): No contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redacção conforme ao artigo 781 do Código Civil não implica a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios nelas incorporados -, e reiterada depois disso, apesar de modificação legislativa posterior do DL 133/2009 (o que é desenvolvido, por exemplo, no ac. do TRL de 07/02/2013, proc. 10/11.2TBAGH.L1, onde entre o mais se refere a obra de Maria de Lurdes Pereira e Pedro Múrias, embora por lapso sem se mencionar o respectivo título, Sobre o conceito e a extensão do sinalagma, Estudos em Honra de Oliveira Ascensão, vol. I, Almedina, 2008, título esse que é significativo do acabado de dizer, sendo também particularmente clara uma das frases dessa obra: “Haveria contraprestação sem prestação”: pág. 388, ou, noutra parte, repetida por várias vezes: “A razão profunda da inaplicabilidade do ‘vencimento antecipado’ à obrigação de juros está, assim, em o mútuo oneroso ser um contrato sinalagmático”: página 389, mas antes também na página 387; outros acórdãos, no mesmo sentido, serão citados mais à frente).

              Tudo isto é assim, com as necessárias adaptações, se em vez de um empréstimo de dinheiro, se estiver perante a locação financeira de um bem de A por 5 anos, como também está consagrado por uma abundante jurisprudência do STJ e das relações, hoje sem qualquer discussão, como se demonstrou no ac. do TRL de 11/12/2019, proc. 127735/16.7YIPRT.L1, com citação de doutrina que a acompanha.

              Vale também para os contratos de prestação de serviços, como por exemplo, o da manutenção de elevadores, onde, apesar de algumas vozes discordantes, a maioria da jurisprudência, quer do STJ quer das relações, assim o tem entendido (veja-se a jurisprudência citada abaixo).

              Vale também para os contratos de compra e venda e para os contratos de fornecimento de bens, como o demonstram, respectivamente, os acs. do TRP de 10/01/2019 e do STJ de 28/03/2017, citados abaixo.

              E, grosso modo, também vale, mutatis mutandis, perante a locação [‘clássica’] de um bem. É que o que importa é que a disponibilidade do uso de um bem que devia ser paga ao proprietário do mesmo para compensar a sua correspectiva perda dessa disponibilidade da coisa, deixa de se justificar a partir do momento em que este a readquire.

              Não releva, pois, a diferença de tipo de contrato.

              O que também (em relação à locação) já foi repetido várias vezes pela jurisprudência, mas aqui com algumas divergências que não se justificam minimamente.

                                                               (V)

              Argumentos contra a aplicação do que antecede aos contratos de locação

              Uma divergência parte da referida diferença de tipo do contrato em causa, que não seria uma locação financeira, mas isto na base de um puro conceitualismo, sem procurar a justificação na substância das coisas.

              Ora, se o que importa é que, como há uma sinalagma entre as obrigações, destinando-se a prestação pecuniária a compensar a disponibilidade do bem ou a contrapartida de serviços, essa compensação/contrapartida só deve existir enquanto houver a disponibilidade ou os serviços forem prestados, já não a partir da resolução do contrato, quando eles deixam de existir.

              Quando se tenta fugir da fundamentação conceitualista, diz-se – por exemplo no ac. do STJ de 2020, proc. 127735/16.7YIPRT.L1 citando o ac. do STJ de 21/03/2006, “…o que se conhece, no quadro genérico deste ramo negocial e empresarial, é que o seu objecto são equipamentos mobiliários normalmente sujeitos a significativo desgaste e rápidas desactualização e desvalorização, não raramente sem possibilidade de rendibilização, situação que faz recair sobre a locadora avultados riscos, desde o volume de capital investido na aquisição dos bens à dificuldade em recolocação no mercado, através de novos contratos de aluguer, de bens usados, de sorte que terá muito mais interesse no cumprimento do contrato que na sua resolução, com as conhecidas consequências – que o caso dos autos sobejamente confirma – de retardamento da entrega das coisas locadas e inerente agravamento dos falados riscos.”

              Antes de mais diga-se que este acórdão do STJ de 21/03/2006 [Revista n.º 396/06 – publicado na página 190 dos sumários do STJ de 2006] conclui o seguinte na parte que importa para o caso dos autos: “Daí que não se possa considerar desproporcionada – para efeitos dos arts. 12 e 19- c do DL 446/85, de 25/10 – a cláusula geral em que se estipula que, no caso de não pagamento das rendas pelo locatário, pode a locadora, para além do direito à restituição das coisas locadas e ao recebimento das rendas vencidas e não pagas, exigir indemnização igual a metade do valor das rendas vincendas.” (isto no sumário que consta da publicação no sítio do STJ; o ac. também está publicado na CJ.2006.STJ.I .145-147, que curiosamente também omite, no sumário, esta parte do acórdão).

              Portanto, o acórdão do STJ de 2006 admite a cláusula penal de metade do valor e não da totalidade do valor das rendas vincendas, pelo que não devia servir minimamente de apoio para os acórdãos que se servem desta argumentação da natureza dos bens, pois que o que está em causa para o tipo dos contratos com esta CCG é a cláusula relativa à totalidade das rendas vincendas.

              Admitindo o ac. do STJ de 2006 que não é excessivo pedir 50% das rendas vincendas, não será difícil concluir que ele, no caso da cláusula dos 100% das rendas vincendas já não a admitiria, ou seja, que se insere antes na corrente que não as admite, mas apenas aquelas que estabelecem uma percentagem dessas rendas vincendas, pelo que a divergência deste acórdão de 2006 do STJ com a corrente nessa data quase unânime será apenas quanto à percentagem (não 20% mas 50%).

              Por outro lado, demonstrando que o argumento não tem a ver com o facto de o contrato ser de locação ou não, o argumento foi utilizado nos contratos de locação financeira e foi afastado, e depois utilizou-se, com adaptações, no contrato de manutenção de elevadores (num ac. do STJ de 2017 e num do TRL de 2018), sem que tenha convencido a maioria da jurisprudência (como se verá mais à frente, com a referência a dois acórdãos do STJ de 2019).

              Seja como for, o argumento da natureza dos bens, aplicado em abstracto para os contratos de locação, esquece que normalmente na locação financeira de bens móveis, os bens têm essa mesma natureza e os prazos de duração dos contratos, conexos com os prazos de duração da vida útil dos bens, são até, regra geral, mais curtos (18 meses, em vez dos 60 que estão em causa no tipo de contratos dos autos [artigo 6 (na redacção original) – Prazo: 1 – A locação financeira de coisas móveis não pode ser celebrada por prazo inferior a 18 meses (…) 2 – O prazo de locação financeira de coisas móveis não deve ultrapassar o que corresponder ao período presumível de utilização económica da coisa. (…) 4 – Não havendo estipulação de prazo, aplicam-se os prazos previstos no n.º 1; ainda mais claro no art. 6 na redacção dada pelo DL 285/2001, de 03/11: 1 – O prazo de locação financeira de coisas móveis não deve ultrapassar o que corresponde ao período presumível de utilização económica da coisa. (…). 3 – Não havendo estipulação de prazo, o contrato de locação financeira (de bens móveis) considera-se celebrado pelo prazo de 18 meses (…).]

              Por isso, o argumento da natureza dos bens (e do conexo do prazo de duração dos contratos) logicamente, já é considerado na locação financeira e aí tido em conta precisamente para admitir a validade das cláusulas dos 20% do valor das rendas vincendas. Veja-se, por exemplo, o que é dito por Menezes Cordeiro: “Como foi referido, tal incumprimento tende de colocar o locador numa situação melindrosa: sendo uma instituição de crédito, ele pouco proveito poderá tirar do objecto locado; além disso, haverá dificuldades em colocá-lo no mercado, visto tratar-se dum bem usado e, normal­mente, em mau estado de conservação. […] a mera restituição do bem não é ressarcitória: como tem sido reconhecido na jurisprudência, o locador suporta múltiplos inves­timentos, que devem ser compensados. A sua actividade e puramente financeira: ele não colhe as vantagens reais, quando receba, de volta, o bem locado. A solução do pagamento duma percentagem das rendas vincendas e do valor residual parece razoável.” (Direito bancário, 6.ª edição, Almedina, 2016/2018, págs. 740-743).

              Ainda, como o valor da obrigação pecuniária global foi calculado tendo em conta a natureza dos bens e curta duração do período presumível da utilização do bem, o valor global corresponde ao valor do bem alugado e cada uma das prestações mensais corresponde a cada um dos períodos de disponibilidade, pelo que a sinalagmaticidade continua a existir exactamente nos mesmos termos e, por isso, também aqui, cessando o contrato e deixando a disponibilidade da coisa de ter de estar no locatário, não se justifica de modo algum que ele tenha de pagar por algo que já não tem, para compensar uma disponibilidade que o dono não teve até então, mas readquiriu a partir da cessação do contrato.

              Mais, a demonstração do prejuízo, para o locatário, no quadro negocial padronizado é evidente: o tipo de contrato em causa, tal como predisposto pela autora, permite, que, por exemplo, se o locatário deixasse de pagar a renda logo ao fim de 6 meses, o dono da coisa pudesse pôr fim ao contrato, obter a restituição dela e voltar a locar a coisa a terceiro pelo mesmo valor mensal, e, mesmo assim, exigir, a título de cláusula penal, o pagamento dos 54 meses de renda que faltavam, ou seja, a autora poderá quase que duplicar (ou triplicar se o incumprimento voltar a acontecer no outro contrato, passado pouco tempo) o valor que esperava receber naquele período de tempo, se a locatária, por alguma razão, faltar ao pagamento de uma prestação e a locadora resolver o contrato com esse fundamento. Ou seja, da condição geral em causa, resulta uma grave desvantagem para o cliente (que, por exemplo, podendo ter usado do bem apenas por 6 meses, poderá ter de pagar, mesmo assim, 60 meses de rendas, em contraponto com a excessivo benefício para o utilizador (parafraseou-se Almeno de Sá, Cláusula penal e cláusulas contratuais gerais – Anotação ao ac. do TRL de 19/03/2015, Revista da Faculdade de Direito e Ciência Política da Universidade Lusófona do Porto, n.º 11 (2018) páginas 180-213, especificamente pág. 197 – no caso estava em causa um contrato de manutenção de elevadores) nos termos acabados concretizar.

              Isto só por si é mais do que suficiente para demonstrar a manifesta desproporção do tipo de cláusula penal em causa face “aos danos tipicamente previsíveis no quadro de um contrato do tipo considerado” (as expressões entre aspas são de Almeno de Sá, obra citada, pág. 196). Ou seja, pode-se concluir, como a maior parte da jurisprudência tem considerado relativamente a tal tipo de cláusula penal, que ela é uma cláusula contratual geral que deve ser considerada uma cláusula proibida, por, neste tipo de quadro negocial, ser desproporcionada aos danos a ressarcir (art. 19/-c do RJCCG).

              Por fim, o caso do tipo de contrato dos autos até demonstra que o argumento da natureza dos bens, sua desvalorização e impossibilidade de rendibilização findo o prazo, não tem qualquer aplicação: como uma das cláusulas contratuais previa a renovação dele, não se pode dizer que o tipo de contrato pressupõe que o decurso do tempo da sua duração vá retirar o valor comercial do bem. E a autora, que na PI o referia repetidamente, nas alegações de recurso, face à evidência das coisas, faz por esquecer a renovabilidade do contrato, e argumenta como se o contrário é que fosse verdade.

                                                               (VI)

                             Quanto à natureza do contrato dos autos

              Grosso modo, e utilizando o Manual da Locação financeira de Gravato Morais, 2011, 2.ª edição, Almedina, págs. 61 e 62, a locação financeira distingue-se da locação clássica porque (i) a obri­gação de proporcionar o gozo da coisa (art. 1022 do CC) tem um con­teúdo diverso do dever de conceder o gozo do bem (art. 1 do DL 149/ /95); (ii) a duração do contrato envolve contornos peculiares na locação financeira (art. 6/1 do DL 149/95: o prazo da locação financeira de coisas móveis não deve ultrapassar o que corresponde ao período presumível de utilização económica da coisa); (iii) a retribuição tem funções diversas numa e noutra hipótese: na locação corresponde a mera contrapartida do gozo que é proporcio­nado, ao passo que na locação financeira engloba outras vertentes; (iv) as rendas são prestações periódicas na locação, mas prestações fraccionadas na locação financeira; (v) o conteúdo do direito de propriedade é substancial­mente diverso: o locador financeiro, por exemplo, não suporta os riscos inerentes a um verdadeiro proprietário, designadamente o da perda ou o de deterioração da coisa (art. 15 do DL 149/95); (vi) a coisa a adquirir ou a construir é indicada ou é esco­lhida pelo locatário financeiro; (vii) no termo do prazo contratual, existe a possibilidade de este comprar a coisa locada, mediante o pagamento de um valor residual (art. 1 do DL 149/95).

              Ora, tendo isto presente, nota-se que a duração do tipo de contrato em causa se justifica do mesmo modo que na locação financeira, já que, pela lógica da possibilidade da renovação, o prazo não deve ultrapassar o que corresponde ao período presumível de utilização económica da coisa; a retribuição é típica da locação financeira pois que logicamente engloba outras vertentes; as rendas, já se viu, são, no caso, fraccionadas como na locação financeira e não periódica; a coisa foi esco­lhida pelo locatário e o locador nunca esteve em contacto com a coisa.

              Ora, tendo isto presente, dir-se-ia que, no caso dos autos, se está muito mais próximo de contrato de locação financeira do que da locação; só se pode dizer que o contrato dos autos se afasta da locação financeira na questão da opção da compra que no caso não existe.

              Seja como for, esta diferença específica da opção da compra, que no caso não existe, não tem qualquer valor favorável à autora na discussão que está em causa nos autos: daí que a inexistência de opção de compra nem sequer tenha sido argumento usado pela autora para dizer que, perante isso, a cl.ª 16/1 já se justificaria. É que na locação financeira ainda se chega a colocar a hipótese de, na situação decorrente da resolução do contrato, o locatário ficar com o bem, enquanto na locação ele nunca ficará com o bem. Ou seja, a situação do aderente deste tipo de contrato é ainda pior que o do aderente de um contrato de locação financeira.

                                                              (VII)

                                 O efeito da mudança de um nome

              As restantes razões invocadas pela tese da admissibilidade da cláusula dos 100% do valor das rendas vincendas, todas elas já estiveram na base da jurisprudência e da doutrina que afasta a validade da cláusula na locação financeira, pelo que não basta à tese da admissibilidade invocá-las, sem qualquer justificação, para dizer o contrário quanto ao tipo de contrato em causa nos autos.

            Nota-se assim que essas razões limitam-se a ser a transplantação daquilo que era dito para a locação financeira (e antes para os contratos de crédito para consumo e agora para os contratos de manutenção de elevadores), aproveitando uma mudança de nome do contrato, como um passe de mágica, para três fins diferentes para os predisponentes deste tipo de CCG: (i) para poderem exercer materialmente a actividade de locação financeira que se não fosse isso lhes estaria proibida (como decorre dos artigos 8/2 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, DL 298/92, de 31/12, na versão consolidada publicada no sítio do Banco de Portugal ‐ “Só as instituições de crédito e as sociedades financeiras podem exercer, a título profissional, as actividades referidas nas alíneas b) a i) e q) a s) do n.º 1 do artigo 4.º, com excepção da consultoria referida na alínea i)” e art. 4/1-b: “1 ‐ Os bancos podem efectuar as operações seguintes:[…] b) Operações de crédito, incluindo concessão de garantias e outros compromissos, locação financeira e factoring, e do artigo 23 do regime jurídico da locação financeira: Operações de natureza similar – Nenhuma entidade pode realizar, de forma habitual, operações de natureza similar ou com resultados económicos equivalentes aos dos contratos de locação financeira.) (ii) para excluírem a opção de compra mantendo o essencial do contrato de locação financeira, piorando com isso a posição do aderente do contrato e (iii) para evitarem a aplicação da jurisprudência que já tinha estabelecido que, sem a prestação, não tinham direito à contraprestação (situação paralela a esta, levou à criação, pela Lei 32/2021, de 27/05, no seu artigo 3, “de um sistema administrativo de controlo e prevenção de cláusulas abusivas, garantindo que as cláusulas consideradas proibidas por decisão judicial não são aplicadas por outras entidades.”)

              Note-se que esta mudança de nome já se verificou no caso dos contratos de aluguer de longa duração, que nada mais eram, na prática, do que contratos de locação financeira (como o demonstra Paulo Duarte, referido através de Araújo de Barros, obra citada, págs. 246-247, que conclui: “no que toca à problemática em análise, porque os interesses a preservar são os mesmos, inserindo-se em idêntico quadro negocial, não colhe diferenciar o ALD do contrato de locação financeira, para feito de ponderação da desproporcionalidade de eventuais cláusulas penais conexas com a resolução do contrato por incumprimento – são o mesmo “quadro negocial padronizado.”

                                               (VIII)

A fundamentação da qualificação da cláusula como abusiva na locação financeira

              Veja-se então, para comparação, aquilo que de há muito é dito quanto à locação financeira.

              Januário Gomes escreve que – aceitando implicitamente o resultado – “após uma tormentosa evolução, a jurisprudência veio a fixar-se, grosso modo, no entendimento de que, em caso de resolução – situação em que o locador fica “em definitivo” com o bem locado – não é possível exigir o pagamento das rendas vincendas, mas é admissível a fixação de uma cláusula penal correspondente a 20% do valor das rendas vincendas.” (Contratos comerciais, 2013, Almedina, pág. 364).

              Essa “tormentosa evolução” é relatada por Menezes Cordeiro, obra e local citado, no essencial com base em jurisprudência que não vai para além de 1998 (o que demonstra que em 1998 já estas conclusões eram lineares):

         III. […]

         […O] incumprimento [do locatário] tende de colocar o locador numa situação melindrosa: sendo uma instituição de crédito, ele pouco proveito poderá tirar do objecto locado; além disso, haverá dificuldades em colocá-lo no mercado, visto tratar-se dum bem usado e, normal­mente, em mau estado de conservação. O locador financeiro, através das suas cláusulas contratuais gerais, tende, assim, a rodear-se de garan­tias pesadas, gizando, ainda, cláusulas penais de grande extensão. A jurisprudência tem actuado no sentido de moderar tais esquemas de protecção.

         Uma vez resolvido o contrato por incumprimento, a jurisprudência tem entendido, dum modo geral, que não pode haver lugar a cobrança das prestações vincendas: [….]. Bem se compreende: se o locador recebe o bem locado, não se compreenderia que recebesse, também, as rendas subsequentes a essa recepção. A resolução – que deve ser pactuada – é incompatível com a cláusula penal de recepção das rendas vincendas.

         Assente esse ponto, a jurisprudência encaminhou-se para admitir a inclusão de cláusulas penais. Começou-se por julgar nula a cláusula que, perante a resolução, considerasse uma indemnização pelo interesse positivo: apenas o negativo seria ressarcível. Seriam admitidas cláusulas que, perante um incumprimento, pelo locatário, seguido de resolução, consignassem a perda das rendas vencidas e pagas, e o dever de pagar as que se fossem vencendo antes da efectiva restituição, com juros de mora. No passo seguinte, seriam admitidas cláusulas que consignassem o pagamento, pelo locatário inadimplente, de um quinto das rendas vincendas e do valor residual; com hesitações, essa orientação veio a sedimentar-se na jurisprudência, a qual acrescentaria, ainda, mais 20% do valor residual e os juros vencidos desde a resolução até ao efectivo pagamento.

      IV. As referências a indemnizações pelo interesse negativo ou pelo interesse positivo prestam-se a confusões. Efectivamente, quando, em vez da resolução o locador opte por uma acção de cumprimento, ele verá contemplado o seu interesse positivo, isto é, o interesse que tem no acatamento do contrato. Mas quando recorra à resolução, nenhuma norma limita a indemnização ao chamado interesse negativo, isto é, ao interesse que teria na não celebração dum contrato que seria incumprido e que é, em regra, substancialmente menor

        […]

       V. Havendo resolução, há uma limitação da indemnização, mas por via diferente: recebendo o bem de volta, o locador não poderá fac­turar, simultaneamente, o valor deste e o das rendas vincendas: haveria uma duplicação.

         Contudo, a mera restituição do bem não é ressarcitória: como tem sido reconhecido na jurisprudência, o locador suporta múltiplos inves­timentos, que devem ser compensados. A sua actividade e puramente financeira: ele não colhe as vantagens reais, quando receba, de volta, o bem locado. A solução do pagamento duma percentagem das rendas vincendas e do valor residual parece razoável.

         […]”

              Antes disto, Menezes Cordeiro, na pág. 526 da referida obra, a propósito do art. 19/-c do RJCCG já lembrava que o ac. do STJ de 05/07/1994, proc. 085274, considerou que “É nula a cláusula geral de contrato de locação financeira que estabelece, para caso de incumprimento do contrato por falta de pagamento de rendas pelo locatário, o pagamento das rendas vencidas e vincendas e do valor residual dos equipamentos locados, e respectivos juros moratórios, face ao disposto nos artigos 12 e 19/-c do DL 446/85.

              Para fundamentar a desproporcionalidade, já dizia este acórdão (de 1994, já com quase de 27 anos):

         Basta pensar em que o uso dos equipamentos locados, mesmo por prazo diminuto, como aliás sucede neste caso, faz logo deflagrar o pagamento de todas as rendas vencidas e vincendas e respectivos juros, o que exorbita, desmedidamente, o preço de tais equipamentos e quaisquer possíveis danos decorrentes do incumprimento, para já não falar na injustificada e aberrante exigência de juros das rendas vincendas.

         E não se diga, em contrário, que a validade da cláusula em apreço, sempre se justificaria tendo em consideração o risco assumido pela locadora, derivada do facto de ter que aceitar o bem locado, se o locatário decorrido o prazo do contrato, o não adquirir, como produto sem valor ou de reduzido valor comercial, mercê do desgaste nele verificado, em consequência do uso prolongado […]. É que esse risco está sempre incluído no valor das rendas[,] não constitui um elemento a valorar autonomamente (cfr. Maria Teresa Veiga de Faria, Leasing e Locação Financeira, in Cadernos de Ciências e Técnica Fiscal, página n. 480, ac. do TRL de 19/06/1992, CJ92, Tomo III, página 178 e seguintes).

              E mais à frente:

         Interessa agora realçar que se a lei elege como critério para a determinação da excessividade da pena a sua desproporção em face dos danos a ressarcir (artigo 19/-c do DL 446/85) o que tem como subjacente a noção de que pretende medir pelo valor do dano o montante da pena, então, perante isto e tendo em conta as demais premissas postas, forçoso é considerar que tal desproporção se verifica neste caso, de modo particularmente chocante, inculcando a ideia de que a cláusula em apreço tem aqui uma função meramente coercitiva e não indemnizatória – que é obviamente a pensada naquele preceito – sendo, portanto nula de acordo com as disposições combinadas do artigo enfocado é do preceituado no artigo 12 do mesmo diploma.

              É também esta a posição de Gravato Morais, Manual da locação financeira, 2011, 2.ª edição, Almedina, págs. 251 a 261, que entre o mais diz:

         “[A]ctualmente pode falar-se de uma tendencial uniformização dos contratos no tocante à estipulação que fixa em 20% a soma indemnizatória a pagar pelo locatário, calculado por referência às rendas vincendas e ainda o pagamento, por inteiro, do valor residual. Mas nem sempre assim sucedeu.

         […] Assim, previa-se que “em alternativa [à cláusula mencionada no § anterior] pode o locador optar por exigir o pagamento de todas as rendas vincendas, acrescidas dos juros moratórios, desde as datas dos vencimentos dessas rendas até às da sua efectiva cobrança, e do valor residual.”

              E nas páginas seguintes o autor fundamenta, extensamente (e com referência a inúmera jurisprudência), a sua resposta negativa à admissibilidade de tal cláusula, como se vê na página 253, já que a sua resposta positiva da pág. 260 tem a ver com a cláusula dos 20%.

              No mesmo sentido, vai também Pestana de Vasconcelos, no Direito Bancário, Almedina, 2017, págs. 295 a 304, que começa assim o estudo da questão: “Começaram por ser impostas (são cláusulas contratuais gerais) cláusulas nos termos das quais, incumprido e resolvido o contrato, o locador poderia exigir ao locatário o conjunto das rendas vencidas e não pagas, as rendas vincendas, assim como o valor residual. Elas foram, em geral, consideradas, e bem, abusivas pela jurisprudência.”

              À mesma conclusão, da inadmissibilidade de tal cláusula, chega também José Manuel de Araújo Barros, que, no entanto, vai muito mais longe, pondo em causa também e dir-se-ia com toda a razão (porque o risco/prejuízo do locador já está coberto porque incluído no valor das rendas) mas no caso não interessa desenvolver a questão, os termos em que tem sido admitida a cláusula que prevê o recebimento de 20% das rendas vincendas (Clausulas Contratuais Gerais, Coimbra Editora, 2010, págs. 231 a 249).

              Com efeito, diz este autor, pág. 244:

         “[…] tendo em atenção o quadro negocial típico, o recebimento por parte do locador do que quer que seja para além do bem locado e das rendas vencidas até à devolução, excederá o que contratualmente lhe é legítimo esperar. Pelo que podemos concluir que, no momento em que o contrato é pactuado, face à natureza da relação contratual encetada, dispor que o locatário se obriga a qualquer outra prestação para além da devolução do bem locado e do pagamento das rendas vencidas até esse momento constitui a estipulação do ressarcimento de um dano inexistente. O que, portanto, consubstanciará a predisposição de cláusula penal desproporcionada aos danos a ressarcir (a mesma lógica que na simples locação, onde não corresponderia a nenhum dano a cláusula que impusesse ao locador o pagamento de mais rendas do que as relativas ao período em que utilizou o bem locado – confrontar, nesse aspecto, o paralelismo entre os preceitos dos artigos 1041. do Código Civil e 16.° do DL n.° 149/95, ambos relativos à mora do locatário).”

              A posição do Prof. Pinto Monteiro (O duplo controle de penas manifestamente excessivas em contratos de adesão – Diálogos com a jurisprudência, conferência proferida no STJ em 18/05/2017), não contradiz nada disto, pois que se limita, na parte que importa, a chamar a atenção de que o argumento de que a locadora tem “mais a ganhar com o incumprimento do contrato do que com o cumprimento do mesmo, não pode ser utilizado assim, já que, ele “choca frontalmente contra a essência da cláusula penal — e contra a própria lei: art. 812º, precisamente. […].”. Que é só isto que este Professor pretende, nesta parte, resulta logo da passagem em itálico, usada no estudo: “A este respeito, independentemente do acerto da decisão, aquilo com que não concordo é com […]” (págs. 10-12).

                                                               (IX)

                                 Independência das circunstâncias concretas

              Registe-se que tudo isto é independente do que se passou depois da cessação do contrato. A validade da cláusula penal deve ser discutida perante o tipo de contrato em causa e não perante a circunstância eventual de o devedor, no caso concreto, ter ou não entregue o bem. A cláusula penal tem de valer em abstracto, não perante o que tiver acontecido depois da cessação do contrato. Por isso é que a autora requereu o pagamento da cláusula penal na declaração de resolução do contrato e antes mesmo de esta ter produzido efeito e com referência a um período em que o contrato ainda ia estar em vigor.

              Ou seja, não importa, pois, saber, se a coisa foi ou não restituída ao dono dela ou se, enquanto não foi restituída, esteve em funcionamento. Isto pode, ou não, permitir que o dono da coisa peça uma indemnização pela demora na restituição ou uma restituição do enriquecimento do locatário pelo uso da coisa depois de ela deve ser restituída. Mas isto nada a ver com a cláusula penal que pode e tem de funcionar independentemente destas vicissitudes.

              Nos termos de Araújo Barros, obra citada, pág. 237 (com desenvolvimento nas págs. 238-240, onde se referem vários acórdãos no mesmo sentido):

         “[…] a censura que subjaz à proibição de cláusulas desproporcionadas aos danos a ressarcir, pela própria natureza do que se deseja combater (o abuso por parte do predisponente), tem de ter por base uma previsão (a que se faz aquando da formulação da cláusula) e não eventuais danos que se venham a concretizar. Pelo que esse juízo de valor sobre a desproporção deverá ser reportado ao momento em que a cláusula é concebida (aos danos típica e previsivelmente a ressarcir, dentro do quadro negocial padronizado), sendo incorrecto relacioná-lo com as vicissitudes que o contrato em que se integra sofreu, nomeadamente com os termos em que foi resolvido (nesse sentido, Sousa Ribeiro, Responsabilidade e Garantia em Cláusulas Contratuais Gerais, págs. 139 e segs.).” 

              Em suma, as razões invocadas pelos defensores da admissibilidade da cláusula dos 100% podem levar a admitir uma cláusula de indemnização dos prejuízos sofridos fixada antecipadamente de forma razoável, como, à primeira vista, a dos 20% [mas aqui remete-se de novo para as observações contrárias a ela de Araújo Barros], o que é diferente de admitir uma cláusula em que se imponha o pagamento de todo o preço e a locadora ainda fique com o bem (como acontece necessariamente na locação, mas pode não acontecer na locação financeira).

                                                               (X)

                                 Aplicação expressa ao caso dos autos

              A questão dos autos é tão simples quanto isto: o saneador sentença diz que a autora, ao optar pela resolução do contrato não pode, ao mesmo tempo, exigir o cumprimento dele pela via sucedânea de uma cláusula penal igual ao valor desse cumprimento. A autora, pelo contrário, entende que apesar de ter resolvido o contrato tem direito ao pagamento de todas as prestações que se venceriam depois da resolução (como diz expressamente na conclusão 23), pagamento esse sob a forma de uma cláusula penal que é igual ao valor delas.

              Como decorre do que antecede, o saneador sentença tem razão: a autora apenas teria direito a uma cláusula penal que não podia ser igual ao valor das prestações vincendas, sendo que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a admitir que o valor da cláusula penal poderá ser, quando muito, o de 20% do valor das prestações vincendas.

                                                               (XI)

              No sentido que se acabou de defender, no âmbito dos contratos de crédito ao consumo, vejam-se os acórdãos:

              – do TRP de 10/11/2015, proc. 1060/15.5T8PVZ.P1

         I – A doutrina do acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 7/09 continua válida e em vigor.

         […]

         IV – Os juros remuneratórios, exprimindo o rendimento financeiro do capital mutuado, não podem ser incluídos nas prestações do capital cujo vencimento é antecipado pelo credor, por incumprimento do mutuário consumidor, mas apenas nas prestações vencidas.

– do TRG de 14/04/2016, proc. 20/14.8T8FAF.G1

         1 – A doutrina do acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 7/09 mantém-se actual, apesar da entrada em vigor do DL 133/2009, de 02/06.

      1. Os juros remuneratórios, exprimindo o rendimento financeiro do capital mutuado, não podem ser incluídos nas prestações do capital cujo vencimento é antecipado pelo credor, por incumprimento do mutuário consumidor, mas apenas nas prestações vencidas.

            do TRE de 08/09/2016, proc. 431/12.3TBBJA.E1 [no mesmo sentido, ainda, o ac. do TRE de 12/02/2015, proc. 341/13.7TBVV.E1]:

          1. O Decreto-Lei nº 133/2009, de 2 de Junho, veda que num contrato de crédito ao consumo, mormente num contrato de mútuo, estabelecido entre uma entidade que tem como atividade profissional a concessão de crédito e um consumidor, se estabeleçam cláusulas que permitam ao credor, em caso de, por sua iniciativa, e em face do incumprimento do devedor, acionar os mecanismos a que alude o artigo 20º do diploma, invocando a perda do benefício do prazo, poder exigir à contraparte juros remuneratórios sobre as prestações que se venceram imediatamente por via dessa invocação.

              – do TRP de 25/10/2016, proc. 455/16.1T8VFR.P1

         I – Mantém a sua actualidade e pertinência a solução resultante do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 7/2009, de 25/3/2009, que fixou jurisprudência nos seguintes termos: “No contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redacção conforme ao art.º 781º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios nelas incorporados.”

         II – Tal solução não resulta afastada, mas antes reafirmada, em face do disposto nos arts. 19º e 20º do DL. 133/2009, não sendo admissível, como efeito do vencimento imediato das prestações vincendas ao tempo do incumprimento, a inclusão nas mesmas de juros remuneratórios e encargos inerentes.

              – do TRE de 23/02/2017, proc. 10/14.0T8ALR.E1

I – Não resulta da interpretação do art. 20 do DL 133/2009, de 02/06, por mais abrangente que seja, que é permitido às partes, por sua livre iniciativa, e dentro do quadro da sua liberdade contratual, estabelecer que no caso de perda do benefício do prazo ou da resolução do contrato, se vençam juros remuneratórios sobre as prestações vincendas, que se vencem imediatamente por via da perda do benefício do prazo ou da resolução do contrato.

II – Comparando o Regime dos Contratos de Crédito ao Consumo definido pelo DL 359/91, de 21/09, com o do diploma aplicável ao caso em apreço, que o revogou (DL 133/2009), verifica-se uma preocupação do legislador de defender o consumidor, estabelecendo, “na linha do disposto nos artigos 934.º a 936.º do Código Civil, …novas regras aplicáveis ao incumprimento do consumidor no pagamento de prestações, impedindo-se que, de imediato, o credor possa invocar a perda do benefício do prazo ou a resolução do contrato” (Preâmbulo do DL 133/2009), no sentido de, como se retira do disposto no art. 20, impor uma maior exigência para o credor que pretenda deitar mão da perda do benefício do prazo ou da resolução do contrato, obrigando-o a proceder a uma interpelação admonitória do mutuário para a conversão da mora em incumprimento definitivo.

III – Protecção essa que é reforçada pelo disposto no art. 19º do mesmo diploma, que abre a possibilidade do mutuário efectuar o reembolso, total ou parcial, do capital mutuado, “com a correspondente redução do custo total do crédito, por via da redução dos juros e dos custos encargos do período remanescente do contrato”, mediante o pagamento pelo mutuário ao mutuante, nos casos em que o reembolso ocorra num período de taxa nominal fixa, uma compensação fixada em função do período em falta para o termo do contrato.

IV – Na verdade, estabelecendo art. 19º do diploma, uma compensação perfeitamente equilibrada para o caso do reembolso, por parte do mutuário, da totalidade ou de parte do capital mutuado (0,5% do capital reembolsado no caso de falta um ano ou menos para o termo do contrato, e de 0,25% desse capital, se o prazo superior, desde a taxa nominal aplicável seja fixa), não se compreenderia que no caso de incumprimento do mutuário, com a consequente perda do benefício do prazo de que resulta o vencimento imediato das prestações vincendas, as sanções fossem de tal forma violentas e desproporcionadas que obrigassem o mutuário a pagar juros remuneratórios sobre as prestações vincendas, remunerando assim um capital a que já não tem direito.

V – Assim, atendendo à interpretação teleológica do diploma, que tem por fito estabelecer os mecanismos que permitam assegurar, de forma imperativa, a protecção do consumidor, e à coerência sistemática e racional que deve ser tida em conta na interpretação harmoniosa dos artigos 19 e 20 do diploma, ao que já acima aludimos, somos levados a perfilhar a tese (vide tb Jorge Morais de Carvalho, Manual do Direito do Consumo, 2013, a págs. 285 a 290), de que o diploma em apreço, veda, imperativamente, que num Contrato de Crédito ao Consumo, mormente num Contrato de Mútuo, estabelecido entre uma entidade que tem como actividade profissional a concessão de crédito e um consumidor, se estabeleçam cláusulas que permitam ao credor, em caso de, por sua iniciativa, e em face do incumprimento do devedor, accionar os mecanismos a que alude o art.º 20º do diploma, invocando a perda do benefício do prazo, poder exigir à contraparte juros remuneratórios sobre as prestações que se venceram imediatamente por via dessa invocação.

VI – Assim, são nulas as cláusulas contratuais que contrariem a interpretação dessa norma, na parte em que facultam ao credor exigir juros remuneratórios sobre as prestações que se venceram imediatamente por via da invocação da perda do benefício do prazo.

VII – Mas mesmo que assim não se entendesse, e se adoptasse a tese, em termos gerais, de que é admissível a estipulação de uma cláusula, por iniciativa de ambas as partes, de que são devidos juros remuneratórios sobre as prestações vencidas por via da invocação, pelo credor, da perda do benefício do prazo, sempre a mesma, seria nula “ao menos nos contratos de adesão celebrados com consumidores finais, nula por permitir ao Banco exigir a antecipação de uma contraprestação de uma prestação que ele não vai realizar [aplicando as ideias dos tipos de cláusulas abusivas previstas nas als. f) e o) do anexo à Directiva 93/13/CEE do Conselho de 05/04/1993, com concretização na al. l) do nº. 1 do art. 22 da LCCG do Dec.-Lei 446/85]. “

              – do TRE de 09/03/2017, proc. 6589/15.2T8STB.E1

         Não é permitido às partes, por sua livre iniciativa, e dentro do quadro da sua liberdade contratual, estabelecer que no caso de perda do benefício do prazo ou da resolução do contrato, se vençam juros remuneratórios sobre as prestações vincendas, que se vencem imediatamente por via da perda do benefício do prazo ou da resolução do contrato.

              – do TRL de 22/06/2017, proc. 71/15.5T8MFR.L1-2:

         É nula, por violação do disposto nos artigos 15 e 19/-c da LCCG, a cláusula contratual geral, inserida num contrato de crédito ao consumo, que reconheça ao mutuante o direito, no caso de mora do devedor no pagamento das prestações acordadas, de exigir do mutuário o pagamento antecipado (a par do capital mutuado) dos juros remuneratórios futuros.

            – do TRG de 19/04/2018, proc. 13/14.5T8PTL.G1

         VI – No caso dos autos, as partes expressamente estabeleceram, além do acordado na cláusula 8-b, que seria devida em caso de mora, sobre o montante em débito, a título de cláusula penal, uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual acrescida de 4 pontos percentuais (cláusula 8ª alínea c).

         VII – A possibilidade de cumulação destes juros com os juros remuneratórios, leva-nos a concluir que a 1ª parte da cláusula 8-b impõe uma antecipação de cumprimento exagerada, permitindo ao apelado exigir a antecipação de uma contraprestação de uma prestação que ele não vai realizar, num quadro em que já estão também previstos juros de mora, mais cláusula penal e mais os juros de mora sobre os juros remuneratórios vincendos (para além do imposto de selo), pelo que a cláusula 8-b é nula.

              – do TRG de 04/10/2018, proc. 2131/15.3T8MTS.G1

         I- Mantém a sua atualidade e pertinência a solução resultante do AUJ 7/2009, de 25/03/2009.

         II- Tal solução não resulta afastada pela entrada em vigor do DL 133/2009, de 02/06, mas antes reafirmada, em face do disposto nos arts. 19 e 20 do mesmo diploma; não sendo portanto admissível, como efeito do vencimento imediato das prestações vincendas ao tempo do incumprimento, a inclusão nas mesmas de juros remuneratórios e encargos inerentes.

         III- É nula, por violação do disposto nos arts. 15 e 19/-c da LCCG, a cláusula contratual geral, inserida num contrato de crédito ao consumo, que reconheça ao mutuante o direito, no caso de mora no pagamento das prestações acordadas, de exigir do mutuário o pagamento antecipado (a par do capital mutuado) dos juros remuneratórios futuros.

              No âmbito de um contrato de mútuo, aplicando o AUJ supra referido, embora para uma situação algo diferente, mas com a mesma razão de ser, diz o ac. do STJ de 12/01/2021, proc. 602/18.9T8PTG.E1.S1:

            IV – Num contrato de mútuo a cumprir em prestações, uma clausula que permitisse cobrar juros de mora desde meados de 2016 sobre prestações que só deveriam ser pagas em final de 2016 e em finais de cada ano até 2020, tem de ser considerada como clausula abusiva e contrária aos ditames da boa fé e, como tal, porque constitui clausula contratual geral, proibida pelo art. 15 do RJCCG.

              No âmbito dos contratos de locação financeira:

              Visto que relativamente a este contrato a questão está, de há muito, estabilizada, como se viu com as citações da competente doutrina, não se citam acórdãos para além do que se segue, do TRL de 05/03/2020, proc. 3620/16.8T8ALM-A.L1-2:

          1. A cláusula contratual que prevê uma indemnização fixada em 20% do valor das rendas vincendas e do valor residual do bem pela cessação antecipada do contrato não é desproporcionada ou excessiva face aos danos a ressarcir, ao contrário daquela que impõe o pagamento da totalidade das rendas vincendas, que é abusiva, equiparando-se a uma situação em que só uma das partes fica obrigada ao cumprimento do contrato, com o pagamento da totalidade do preço acordado para a vigência de todo o contrato, criando um desequilíbrio nas prestações contratuais, por comparação com o regime geral.

                                   […]

              Muitos outros podem ver-se, até 1998, em Menezes Cordeiro, até Março de 2009, em Araújo Barros, páginas 253 a 286 e até Março de 2013 em Ana Filipa Morais Antunes, Comentário à lei das CCG, Coimbra Editora, Nov2013, páginas 270-294.

              No âmbito de um contrato de “utilização de loja em centro comercial”:

              Ac. do TRL de 12/03/2009, proc. 251/2009-6 (citado por Araújo Barros, obra citada, pág. 286:

         19ª – Correspondendo a penalização de um só mês de atraso no pagamento da contrapartida mensal ao montante total das contrapartidas durante o perído da vigência normal do contrato, esta sanção é manifestamente abusiva e desproporcionada perante o quadro contratual estabelecido entre as partes, pelo que a referenciada cláusula é proibida por manifesta ofensa ao artigo 19º, alínea c) da LCCG.

              No âmbito de contrato de prestação de serviços de segurança:

              Ac. do TRL de 22/05/2007, proc. (CJ.2007.III.86-91 – citado por Araújo de Barros, pág. 282):

            É desproporcionado aos danos a ressarcir e, como tal, relativamente proibida e nula, a cláusula penal inserida num contrato de prestação de serviços de segurança que prevê, no caso de a prestadora pôr termo ao contrato, o pagamento de todas as quantias que seriam devidas caso o contrato se mantivesse em vigor até ao final do prazo.

              No âmbito dos contratos de manutenção de elevadores, os acórdãos:

            – do TRL de 27/05/2014, proc. 1004/12.6TJLSB.L1-1

I – A desproporcionalidade das cláusulas não resulta do facto de fixarem indemnizações antecipadamente por recurso ao mecanismo da cláusula penal, permitida de resto pelo artigo 19.º, alínea c), que, aliás, tem a vantagem de eliminar futuros diferendos quanto à determinação desse montante (o que se afigura benéfico para as duas partes).

II – A desproporcionalidade deriva, antes, da circunstância de tais cláusulas criarem para o predisponente uma posição vantajosa que não se enquadra na regulação normal e típica do contrato em causa, mormente quanto às consequências do incumprimento contratual pressuposto nas mesmas.

III. É que correspondendo a indemnização ao valor total das prestações devidas até final do contrato, existem gastos associados à contraprestação da predisponente que nunca serão realizados (por exemplo, custos com as ações inspetivas e de reparação que implicam utilização de mão de obra e de material que pode ser alocado ao cumprimento de outros contratos).

IV – Por outro lado, funcionando as referidas cláusulas ao longo da execução do contrato, caso a resolução se verifique numa fase inicial da execução do mesmo, é percetível que, independentemente dos valores cobrados serem mais ou menos elevados, a indemnização a pagar pelo aderente/cliente será sempre desproporcionada em relação à contraprestação da proponente, já que este se libera totalmente da mesma e dos inerentes custos.

V. Ora, a aludida vantagem da predisponente gera uma desproporção sensível relativamente aos interesses em confronto, que deve ser arredada em face de juízos de razoabilidade e das regras da boa-fé contratual, já que delas resulta, em abstrato e previsivelmente, uma desequilibrada repartição de direitos e deveres entre as partes, sem que haja motivo justificável e atendível.

VI – Por conseguinte, as cláusulas em apreço são relativamente proibidas, nos termos conjugados dos artigos 15.º, 16.º e 19.º, alínea c) do Decreto-Lei n.º 446/85, porque desproporcionadas, importando a sua nulidade (artigo 286.º do Código Civil), conforme disposto no artigo 12.º do mencionado diploma.

[…]

              – do STJ de 09/12/2014, proc. 1004/12.6TJLSB.L1.S1

I – Os contratos de assistência técnica, manutenção e reparação de ascensores, devem obedecer a determinados requisitos legais, consubstanciando contratos-tipo, celebrados entre os proprietários dessas instalações e as empresas de manutenção de ascensores (EMA), por regra, com recurso a cláusulas contratuais gerais.

II – Uma cláusula contratual geral, inserta em contratos daquela espécie, com durações de 2 e 5 anos, respectivamente, que confere à EMA, em caso de rescisão antecipada do contrato pelo cliente, o direito a obter o pagamento imediato dos meses em falta até ao termo do contrato, multiplicado pelo valor mensal do serviço de manutenção em vigor à data da rescisão, reveste, manifestamente, o carácter de cláusula penal indemnizatória e compulsória.

III – Considerando as diversas figuras jurídicas extintivas das relações obrigacionais complexas – denúncia, revogação e resolução –, e ponderando que a rescisão não tem um sentido unívoco, deve considerar-se que aquela cláusula tem em vista as situações de resolução não justificada ou sem justa causa.

IV – Dentro do quadro negocial padronizado, é de considerar desproporcionada aos danos que visa ressarcir, e como tal nula, por violação do art. 19/-c da LCCG, a cláusula penal convencionada, pois dela resultará o pagamento pelo cliente/aderente da totalidade das prestações correspondentes aos meses do contrato em que este já cessou, sem a contraprestação do serviço da EMA que, para além disso, ficaria beneficiada por receber de uma só vez e em antecipação ao que estava previsto.

            […]

              – do TRL de 05/02/2015, proc. 8/13.6TCFUN.L1-2:

         III. São nulas as cláusulas contratuais gerais que estipulam, a favor da predisponente, no âmbito de contratos de manutenção de elevadores instalados num condomínio, com a duração mínima de três anos, o seguinte:

         “Uma vez que a natureza, âmbito e duração dos serviços contratados, é elemento conformante da dimensão da estrutura empresarial da A, em caso de denúncia antecipada do presente Contrato pelo CLIENTE, a A terá direito a uma indemnização por danos, que será imediatamente facturada, no valor da totalidade das prestações do preço previstas até ao termo do prazo contratado” (cláusula 5.7.4);

         “Na situação de eventual incumprimento imputável à A, é expressamente aceite que a A apenas responderá até à concorrência do valor de 3 meses de facturação A do presente Contrato, como máximo de indemnização a pagar ao Cliente” (cláusula 5.6).

              – do TRC de 02/06/2015, proc. 5202/12.4TBLRA.C1

         IV – A cláusula contratual que, no caso de denúncia antecipada do contrato, reconhece ao predisponente o direito a uma indemnização por danos, que será imediatamente facturada, no valor da totalidade das prestações do preço previstas até ao termo do prazo contratado, tendo em conta o quadro contratual padronizado – portanto, independentemente do contrato concreto em que se insere – é nitidamente desproporcionada em relação aos danos a ressarcir, dado que, por definição, não atende à situação patrimonial do prestador do serviço, antes e depois da extinção do contrato, procurando colmatar a diferença, como actua uma simples obrigação de indemnizar, antes se limita a atribuir, ad nutum, um preço – e um maior preço – que não encontra qualquer justificação numa prestação de serviço.

         V – Tal cláusula é, pois, proibida e, como tal, nula.

              – do TRC de 30/06/2015, proc. 2397/13.3TBLRA.C1

         1- A cláusula que estabelece que, a denúncia ocorrida sem aviso prévio, ou fora do prazo do aviso-prévio, relativamente à renovação automática do contrato, por parte do aderente/cliente, por não querer continuar a manter-se vinculado à prestadora de serviços dá a esta o direito a uma indemnização correspondente ao pagamento total das prestações vincendas exatamente nos mesmos termos que decorreria do cumprimento integral do contrato – ficando eximida da correspondente prestação de serviços naquele período – cria um desequilíbrio notório nas prestações típicas do contrato, sem justificação para tal, o que significa que a cláusula não é admissível à luz do princípio da boa-fé contratual.

         2- Assim, a referida cláusula é relativamente proibida, nos termos conjugados dos artigos 15.º, 16.º e 19.º, alínea c) do Decreto-Lei n.º 446/85, porque desproporcionada, estando, por isso, afetada de nulidade (artigo 286.º do Código Civil), conforme disposto no artigo 12.º do mencionado diploma.

              – do TRP de 24/11/2015, proc. 1069/13.3TBGDM.P1

         I – A alínea c) do art.º 19.º do LCCG (DL n.º 446/85, de 25.10) exige que a cláusula relativamente proibida seja “desproporcionada aos danos a ressarcir”, ou seja, tem de existir uma desproporção sensível e flagrante entre o montante da pena convencionada e o montante dos danos a reparar, sendo insuficiente a mera superioridade face aos danos que, provavelmente, em face das circunstâncias típicas e segundo o normal decurso das coisas, o predisponente venha a sofrer.

         II – É nula a cláusula penal inscrita em contrato de adesão de manutenção completa de elevadores e que estipula que “em caso de denúncia antecipada pelo cliente, (…) terá direito a uma indemnização por danos,(…), no valor de 25% do preço para os contratos com a duração entre 10 e 20 anos”, por impor uma indemnização excessiva e desproporcionada face aos danos a ressarcir e, em consequência, ser proibida.

              – do TRL de 19/01/2016, proc. 13162/14.0T2SNT.L1-1

         I – A não comprovação de que a cláusula contratual resultou de negociação prévia entre as partes tem como consequência nos termos do n.º2 do art.º 1.º do DL n.º 446/85 a sujeição dessa cláusula à disciplina instituída neste diploma para as cláusulas contratuais gerais.

         II – É desproporcionada e, logo, proibida e nula (artigos 19.º e 12.º do Dl 466/85, a cláusula penal que por denúncia do cliente, em contrato de prestação de serviços de manutenção de elevadores, estabelece uma indemnização em montante equivalente ao somatório de todas as prestações mensais previstas até ao termo do prazo do contrato.

              – do TRG de 19/04/2016, proc. 8435/11.7TBVNG.P1

         III – A cláusula que, em contrato de adesão, estipula que “em caso de denúncia antecipada pelo cliente, (…) terá direito a uma indemnização por danos (…) no valor da totalidade das prestações do preço previstas até ao termo do prazo contratado” impõe consequências patrimoniais gravosas ao aderente/cliente, devendo, como tal ser considerada uma cláusula penal desproporcionada aos danos a ressarcir.

         IV – Tal cláusula conduz necessariamente a uma desproporção sensível e flagrante entre o montante da pena e o montante dos danos a reparar, atendendo ao quadro negocial padronizado em que o contrato se integra, contrariando o princípio da boa-fé a que alude o art. 15 do DL 446/85, sendo proibida nos termos previstos na al. c), do art. 19 do mesmo diploma e consequentemente nula.

              – do STJ de 05/05/2016, proc. 13161/14.2T2SNT.L1.S1:

         “(…)

         III – A cláusula penal constante de contrato de prestação de serviços de assistência a ascensores, prorrogável automaticamente findo o prazo de duração, que admite a denúncia do contrato, impondo ao denunciante que suporte sem mais o custo integral de todas as prestações que seriam devidas até ao termo do prazo contratado, tal cláusula é desproporcionada aos danos a ressarcir (art. 19-c do DL 446/85, de 25/10). 

         IV – Os danos considerados equivalem à perda das prestações que seriam recebidas como contrapartida de serviços que, em razão da denúncia, deixaram de ser prestados; eles visam ressarcir o designado interesse contratual positivo.” 

              – do TRL de 29/11/2016, proc. 26399/09.52SNT.L1-7:

         A inclusão de uma cláusula contratual geral num contrato de manutenção de elevadores que estabelece que em caso de denúncia antecipada do contrato a predisponente tem direito a uma indemnização por danos correspondente à totalidade, a 50% ou a 25% do preço das prestações vincendas, conforme o contrato tenha uma duração até 5, 10 ou 20 anos, respetivamente, com a singela justificação de que “a natureza, âmbito e duração dos serviços contratados é elemento conformante da dimensão da sua estrutura empresarial”, é subsumível à previsão da alínea c) do artigo 19º do DL nº446/85.

              – do STJ de 09/11/2017, proc. 26399/09.5T2SNT.L1.S1

II – Para a aferição da adequação do conteúdo da concreta cláusula penal com a  norma do art.19/-c do DL 446/85, de 25/10, há que, através de um juízo objectivo e abstracto, reportado ao momento  em que a cláusula penal é fixada, estabelecer uma relação entre os danos que normal e tipicamente resultam, dentro do quadro negocial padronizado em que o contrato se integra, e  a pena contratual. [no sumário do acórdão escreveu-se, por lapso, alínea a].

IV – É nula a cláusula penal inscrita em contrato de adesão de manutenção completa de elevadores e que estipula que “em caso de denúncia antecipada pelo cliente, (…) terá direito a uma indemnização por danos, (…), no valor de 25% do preço para os contratos com a duração entre 10 e 20 anos”, por impor uma indemnização desproporcionada face aos danos a ressarcir e, em consequência, ser proibida nos termos do disposto no artigo 19/-c do DL 446/85.

              – do TRP de 22/10/2018, proc. 96207/16.2YIPRT.P1

         I – A cláusula penal inserida num contrato de prestação de serviços de manutenção e reparação de elevadores que prevê: “[i]ndependentemente ao direito à indemnização por mora, estipulado no número anterior, sempre que haja incumprimento do presente Contrato por parte do Cliente, e nomeadamente quando se verifique mora no pagamento de quaisquer quantias devidas à[…] por mais de 30 dias, poderá esta resolver o presente Contrato, sendo-lhe devida uma indemnização por danos no valor da totalidade das prestações do preço previstas até ao termo do prazo contratado” é nula por desproporcional aos danos a ressarcir, nos termos do art. 12º, 15º, 19º c) DL 446/85 de 25/10, com as alterações introduzidas pelo DL 220/95 de 31 /01 e DL 249/99 de 07/07 (motivadas pela Diretiva Comunitária nº 93/12/CEE do Conselho de 05/04 de 1993).

         II – A desproporcionalidade da cláusula em apreço resulta do facto de criar para o predisponente uma posição vantajosa que não se enquadra na regulação normal e típica do contrato em causa, mormente quanto às consequências do incumprimento contratual pressuposto nas mesmas.

              – do STJ de 19/09/2019, proc. 652/16.0T8SNT.L1.S1, citado pelo ac. do STJ 323/15.4T8SCR.L1.S1:

         8) É esta, claramente, a situação dos autos, no que concerne às cláusulas em apreço.

         Com efeito, das mesmas resulta que, na sequência de resolução do contrato pela recorrida – e, note-se, apenas com base na simples mora no pagamento de qualquer quantia devida por mais de 30 dias – ou de denúncia antecipada pelo cliente, e na hipótese de tal suceder logo na fase inicial do contrato, a recorrida, sem prestar qualquer serviço e sem os custos correspondentes, ficará a receber as prestações acordadas praticamente durante 5 anos (!!!) ou mesmo 10 ou 20 anos (ainda que, após os 5 anos com redução para 50% ou 25%, respetivamente).

         Tal significa que as cláusulas em questão são, só por si, de todo desproporcionais em relação aos danos a ressarcir — resultando das mesmas a possibilidade de a recorrida vir a obter benefícios patrimoniais de todo injustificados e injustos.

         E se já são desproporcionais em si mesmas, essa desproporcionalidade também se manifesta em relação a outras cláusulas do contrato.

         Desde logo face à possibilidade de a recorrida poder resolver o contrato com base numa simples mora de 31 dias e, ainda por cima, relativamente ao pagamento de qualquer quantia (!!!).

         E, por outro lado, face à comparação com a sanção decorrente do incumprimento por parte da recorrida, nos termos da cláusula 5.6 (referida no n° 12 dos factos provados), nos termos da qual “Na situação de eventual incumprimento imputável à AA é expressamente aceite que a AA apenas responderá até à concorrência do valor de três meses de faturação AA do presente contrato, como máximo de indemnização apagar ao cliente.”

         Não poderemos deixar assim de acompanhar e subscrever o que diz o recorrente na conclusão 9ª, no sentido de que “a desproporcionalidade das cláusulas é evidente em função da comparação com a cláusula 5.6 que estipulava como máximo de indemnização a pagar ao cliente, na situação de incumprimento a si imputável, o valor de três meses de faturação, e que se afigura ser desproporcionada mesmo na redação mantida na sequência da expurgação do último segmento da cláusula.”

         9) Em face do exposto, na procedência das conclusões recursórias e acompanhando o entendimento da 1ª instância, haveremos de concluir no sentido da desproporcionalidade das cláusulas em questão e, por consequência, no sentido da invalidade/nulidade das mesmas, à luz do disposto na al. c) do artigo 19° do RJCCG.

              – do STJ de 17/12/2019, proc. 323/15.4T8SCR.L1.S1

         III – […] A cláusula penal constante de contrato de prestação de serviço de assistência a ascensores, que admite a resolução pelo prestador de serviço com fundamento na mora do cliente, no pagamento de quaisquer quantias, por mais de trinta dias, impondo ao cliente a obrigação de indemnização por danos no valor da totalidade das prestações do preço previstas até ao termo do prazo acordado nos contratos com duração até cinco anos e, nos contratos com duração superior, no valor de metade das referidas prestações, é desproporcionada aos danos a ressarcir (art. 19/-c do DL 446/85, de 25/10).

              Contra (no âmbito dos contratos de manutenção de elevadores) existem dois acórdãos:

              O ac. do STJ de 20/12/2017, proc. 10348/14.1T2SNT.L1.S1

V. Face ao valor concreto do pedido, a título de cláusula penal, correspondente a 25 % do valor abstrato, a cláusula não é desproporcionada, tendo em consideração a razão de ser da fixação do prazo para a denúncia do contrato

        Este acórdão está em contradição com outros do STJ, mas no ac. do STJ de 19/06/2019, recurso para uniformização de jurisprudência n.º 10348/14.1T2SNT.L1.S1-A – 7.ª Secção (publicado nos sumários do sítio do STJ), considerou-se que:

            II – Ainda que os dois acórdãos do Supremo em confronto, a respeito de uma cláusula penal por denúncia antecipada de um contrato de prestação de serviços de manutenção de elevadores, tenham divergido no que concerne à sua validade, não se verificam os pressupostos da contradição de julgados quando em causa estão conceitos normativos indeterminados respeitantes à respectiva desproporção e o quadro factual, em particular quanto ao valor da indemnização, se mostra bastante diferenciado, o que assumiu relevância com consequências diretas na decisão proferida.

              E o ac. do TRL de 11/09/2018, proc. 652/16.0T8SNT. L1-7, com um voto de vencido:

         II – No âmbito de uma acção inibitória intentada pelo Ministério Público, nos termos e ao abrigo do artigo 26/1- c, do DL 446/85, de 25/10 […]

         III – A empresa prestadora de serviços de manutenção e assistência de elevadores, contando legitimamente com a duração do contrato a que ambos os celebrantes se vincularam, teve necessariamente que fazer os necessários e inerentes investimentos em pessoal, organização e disponibilização meios, o que implicou evidentemente uma gestão programada da sua agenda de clientes (recusando porventura outras propostas que entretanto lhe surgissem), a qual pressupunha naturalmente a vigência contratual livremente aceite por ambos os contraentes, especialmente quando se trata de um contrato denominado “OM”, ou seja, de “Manutenção Completa”, o que significa que a ora Ré se obriga perante o cliente, além do mais, a: assegurar que todos os trabalhos serão realizados por técnicos seus, devidamente formados e apoiados por auditores nacionais e internacionais; à realização de uma calendarização de inspecções, com a efectuação de todos os trabalhos de conservação, ajustes e substituição de cada componente, com base nas suas características técnicas e o seu uso; à realização de uma visita especial de dois em dois anos, a fim de proceder a um exame periódico e completo do equipamento, com especial atenção para os aspectos de segurança e qualidade; à realização de visitas especiais, a fim de prestar a assistência que seja requerida pela Câmara Municipal, ao abrigo do Decreto-lei nº 320/2002; à assunção da responsabilidade de reparações originadas pelo uso normal do equipamento, incluindo a substituição de uma grande variedade de equipamentos, com a garantia da utilização de equipamentos genuínos e de qualidade.

         IV – Assim, num contrato denominado de “Manutenção Completa”, são válidas as cláusulas contratuais gerais que dispõem: 5.5.2: “Independentemente do direito à indemnização por mora estipulado em 5.5.1, sempre que haja incumprimento do presente contrato por parte do cliente, e nomeadamente quando se verifique mora no pagamento de quaisquer quantias devidas à OTIS por mais de 30 dias, poderá esta resolver o presente contrato, sendo-lhe devida uma indemnização por danos, no valor da totalidade das prestações do preço previstos até ao termo do prazo contratado para contratos com duração até cinco anos, no valor de 50% das prestações do preço para contratos com a duração de 5 a 10 anos e no valor de 25% do peço para contratos com a duração entre 10 a 20 anos” e 5.7.4/5.12., relativamente ao último segmento: “Independentemente do direito à indemnização por mora estipulado em 5.5.1, sempre que haja incumprimento do presente contrato por parte do cliente, e nomeadamente quando se verifique mora no pagamento de quaisquer quantias devidas à OTIS por mais de 30 dias, poderá esta resolver o presente contrato, sendo-lhe devida uma indemnização por danos, no valor da totalidade das prestações do preço previstos até ao termo do prazo contratado para contratos com duração até cinco anos, no valor de 50% das prestações do preço para contratos com a duração de 5 a 10 anos e no valor de 25% do peço para contratos com a duração entre 10 a 20 anos.”.

         […]

         VI – Não se alcança como seja possível assegurar intelectualmente, em todas as situações e no plano puramente abstracto, que o montante resultante do funcionamento desta concreta cláusula penal não se aproximará, na prática do caso concreto real, dos prejuízos efectivamente sofridos pela empresa Ré, levando por isso a concluir que se trata de um caso de sensível e injusta desproporção prevenida na alínea c) do artigo 19 do DL 446/85

         […]

              Este acórdão do TRL – que foi revogado pelo ac. do STJ de 19/09/2019 – não cita e por isso não discute o ac. do STJ 26399/09.5T2SNT.L1.S1, com o qual é contraditório, apesar de o ac. do STJ ser de data anterior; isto não foi considerado relevante, para efeitos de revista “para uniformização de jurisprudência”, porque ele foi proferido no âmbito de uma acção inibitória, enquanto no do STJ “a validade, apenas invocada em sede de excepção, foi considerada apenas com referência a uma concreta situação de incumprimento.” (isto nos termos do ac. do STJ de 05/05/2020, proferido no processo 652/16.0T8SNT.L1.S1-A, publicado nos sumários no sítio do STJ na internet).

              Num contrato de fornecimento de bens, o ac. do STJ de 28/03/2017, proc. 2041/13.9TVLSB.L1.S1:

            I – A cláusula penal tanto desempenha uma função ressarcidora como coercitiva.

         II – Aquelas duas funções são essenciais à caracterização da cláusula penal, tal como ela é legalmente disciplinada.

         III – São características essenciais do conceito de cláusula contratual geral a pré-formulação, generalidade e imodificabilidade.

         IV – No caso dos autos, está assente que a cláusula em causa é uma cláusula penal e uma cláusula contratual geral, a implicar a sujeição da mesma à disciplina instituída pelo DL nº446/85, de 25/10.

         V – O objectivo da al.c), do art.19º, do citado DL, é o de restringir a liberdade de conformação do predisponente, estabelecendo um limite de conteúdo para as cláusulas penais, que tem como critério a relação entre a pena e o montante dos danos a reparar.

         VI – Nos contratos de fornecimento em massa de bens ou serviços, esses danos corresponderão, grosso modo, aos ganhos médios que o predisponente normalmente obtém com aquele tipo de transacções, cifrados numa certa percentagem do preço do objecto da prestação.

         VII – Na fixação da indemnização deverão ser contabilizados os gastos que o predisponente poupou, o que a cláusula penal em causa não prevê, verificando-se uma desproporção notória e flagrante entre o montante da pena e o montante dos danos previsíveis a reparar, dentro do «quadro negocial padronizado».

         VIII – Haverá, deste modo, que concluir que a cláusula nº4.5 do contrato em causa é uma cláusula relativamente proibida, nos termos do art.19º, al. c), do DL nº446/85, de 25/10, e, como tal, nula (art.12º, do mesmo DL).

         No texto do acórdão lembra-se que, “[p]erante cláusula semelhante, o acórdão do STJ, de 10/10/2013, considerou-a manifestamente abusiva, na parte em que refere que a indemnização, pelo incumprimento, seja igual ao valor de bebidas não adquiridas, na medida em que se é certo que a autora não auferiu o lucro dessas vendas, não é menos certo que não suportou as despesas que ressaltariam desse fornecimento.

              Num contrato de compra e venda:

              – o acórdão do TRP de 10/01/2019, proc. 35616/17.7YIPRT.P1

         I – Para se aferir da adequação e proporcionalidade de uma cláusula contratual geral que estabelece uma cláusula penal, há que ponderar o valor dos danos a ressarcir e a pena contratualmente fixada que vale como indemnização pré-determinada, de modo a estabelecer-se uma certa equivalência entre ambos os valores, não sendo a mesma válida quando dela resulta em abstracto uma desequilibrada repartição dos direitos e deveres das partes, sem razão atendível que o justifique.

         II – É nula, por ser abusiva, a cláusula penal que dá ao vencedor o direito a haver o pagamento da totalidade do preço, como se o contrato fosse cumprido, sem que haja a efectiva correspondência na entrega dos bens, pois que fica desonerado da sua prestação e pode vender os bens a outrem, o que cria um desequilíbrio nas prestações contratuais, por comparação com o regime geral.

         III – Tal cláusula ficciona para o vendedor um prejuízo fora do comum que não tem justificação e que se apresenta como contrário ao princípio da boa-fé.

         IV – Excluindo-se a aplicação da cláusula penal, há que recorrer ao regime geral da obrigação de indemnizar, o que impõe o apuramento dos prejuízos efectivamente sofridos pelo credor, sem os ficcionar, competindo-lhe a alegação e prova dos mesmos, enquanto facto constitutivo do seu direito.

              No caso do aluguer de longa duração de um veículo automóvel

              Ac. do STJ de 13/12/1998, proc. 98A952 (só sumário – citado por Araújo Barros, obra citada, pág. 268 – entre parenteses rectos colocam-se partes do sumário deste acórdão na versão dos sumários do STJ no sítio respectivo, referente à revista 952/98):

            […]

            III – A desvalorização de um veículo pelo seu uso não é um dano típico do [contrato de] aluguer de veículos sem condutor, sendo inerente ao aluguer em geral e factor considerado na retribuição a pagar pelo utente.

            [II – Não se deve confundir a cláusula penal excessiva, que pode ser reduzida nos termos do art. 812 do CC, com a cláusula penal desproporcionada (alínea c) do art. 19 do DL 446/85, de 25/10), que conduz à nulidade e não a uma simples redução.] 

            IV – A cláusula penal que permite ao locador pedir, em caso de resolução, quantia não inferior a 75% das rendas convencionadas é manifestamente desproporcionada, o que determina a sua nulidade. [na versão dos sumários está assim: A cláusula que prevê que a autora pode pedir uma indemnização nunca inferior a 75% das rendas convencionadas, é uma cláusula insidiosa, que permite à locadora exigir do locatário a indemnização que entender, sem limites. Expondo deste modo os locatários ao arbítrio da locadora, a cláusula é manifestamente desproporcionada.] 

              Ac. do STJ de 28/05/2002, proc. 02B274 (citado por Araújo Barros, obra citada, pág. 275):

         I – A cláusula que estabeleça num ALD, como indemnização, em caso de resolução do contrato com/base na simples mora no pagamento das rendas, a exigência das rendas vincendas tem a natureza de cláusula penal.

         II – Recuperado o veículo, a exigência de rendas vincendas e respectivos juros à desproporcionada nos danos a ressarcir.

              O ac. do STJ de 10/01/2006, processo n.º 2572/05 (sumários do STJ no sítio respectivo)

VI – O aluguer de longa duração de veículo automóvel é um contrato de risco elevado, atento o risco de perecimento da viatura, a desvalorização inerente à duração e o desgaste. Tem-se, por isso, entendido que são de aceitar cláusulas penais que impõe encargos elevados sobre o devedor, até como forma de o “forçar” a cumprir.

VII – Mas, se é assim, a verdade é que feito o necessário juízo de razoabilidade, tem que se concluir que uma indemnização que tem como limite mínimo 75% do valor total é claramente desproporcionada. A sanção tem assim que ser a nulidade da cláusula, tal como foi decidido.

              No âmbito de um contrato de locação (pelo prazo de 6 meses):

              Do TRL de 19/05/2005, proc. 3847/2005-8 (citado por Araújo Barros, obra citada, pág. 279):

         III- Deve ser declarada nula, e não é passível de redução, a cláusula contratual geral que estabelece a favor do locador cláusula penal equivalente ao valor da totalidade das rendas vincendas após declaração de resolução do contrato de aluguer, atento o disposto nos artigos 12 e 19, alínea c) do DL 446/85.

         IV- E tal nulidade ocorre sempre, pois verifica-se ao nível da própria previsão dos prejuízos considerados no âmbito de uma cláusula firmada no seio de quadro negocial padronizado.

              Como se lembra no texto do acórdão:

         O valor das rendas coincide com o proveito que a locadora pretende obter do negócio. Ao fazer coincidir esse proveito, que corresponde ao integral cumprimento do contrato, com os prejuízos decorrentes do incumprimento, evidencia-se uma desproporção manifesta ao nível da própria previsão dos prejuízos.

              No âmbito dos contratos ditos de locação ‘clássica’, vejam-se os acórdãos

              – do STJ de 21/03/2006, proc. 396/06 [este acórdão já foi citado acima, com as identificações necessárias]:

         II – Tendo o contrato por objecto um fotocopiador e dois faxes, equipamentos normalmente sujeitos a significativo desgaste e rápidas desactualização e desvalorização, numa situação que faz recair sobre a locadora avultados riscos, desde o volume do capital investido na aquisição dos bens à dificuldade em recolocação no mercado, através de novos contratos de aluguer, de bens usados, compreende-se que a locadora tenha muito mais interesse no cumprimento do contrato que na sua resolução.

         III – Daí que não se possa considerar desproporcionada – para efeitos dos arts. 12 e 19-c, do DL 446/85 – a cláusula geral em que se estipula que, no caso de não pagamento das rendas pelo locatário, pode a locadora, para além do direito à restituição das coisas locadas e ao recebimento das rendas vencidas e não pagas, exigir indemnização igual a metade do valor das rendas vincendas.

          – do TRL de 05/06/2012, proc. 1441/11.3TJLSB.L1-7 [com um voto de vencido]:

         É nula, nos termos do art. 19 al. c) do DL 446/85, a cláusula penal constante das Condições Gerais de um contrato de locação de bem móvel segundo a qual, no caso de cessação antecipada do contrato, a locadora pode exigir o pagamento de todos os alugueres até ao fim do contrato, por envolver desproporção entre a sanção prevista e o eventual prejuízo que a locadora possa sofrer.

          – do TRL de 21/06/2012, proc. 381/11.0YXLSB.L1-2 (citado por Ana Filipa Morais Antunes, obra citada, pág. 291):

         I – Tendo-se as partes convencionado que a A cederia à R o gozo temporário de determinados bens móveis mediante o pagamento de uma retribuição mensal, e que decorrido o prazo de 36 meses de vigência do contrato os bens não se poderiam tornar propriedade da R, continuando a pertencer à A, estamos perante uma locação (e não um aluguer de longa duração) com elementos de outros contratos, ainda que os bens hajam sido escolhidos pela R e adquiridos pela locadora tendo em vista este contrato, e ainda que o montante da renda haja sido calculado em função do custo do equipamento e do prazo do contrato de modo a assegurar a amortização dos custos e a obtenção de lucro.

            II – É desproporcional e ilícita a cláusula contratual geral em que, incumprindo o locatário e declarando a contraparte resolvido o contrato, aquele fica obrigado a restituir de imediato os equipamentos e apesar disso, e concomitantemente, a pagar todas as rendas como se o contrato tivesse sido cumprido até ao fim.

              Lembra o acórdão, no seu texto:

            “[…] Ou seja, a locadora é posta na situação em que estaria se o contrato tivesse sido integralmente cumprido pela ré […]. O que significa que, de um certo ponto de vista, o melhor que poderia acontecer à locadora é a outra parte não cumprir: exercendo a cláusula fica dispensada de facultar o gozo da coisa, que lhe deve ser restituída, e concomitantemente recebe as rendas que seriam devidas por esse mesmo gozo da coisa até ao termo do contrato.

            Diria porventura a autora que a natureza dos bens – informáticos, de rápida depreciação e adquirido para utilização da ré – assim o impõe.

            Mas isso não é razoável: ainda que exista rápida depreciação, é claro que tal não corresponde às rendas em dívida: se a ré não cumpre a primeira prestação, não se vê por que seria total o prejuízo, considerando que se tratava então de equipamentos novos e com valor de mercado (e nesse caso para que quereria a autora os equipamentos antes do fim do período de aluguer inicialmente acordado?)

            É, pois, compreensível a perplexidade da sentença recorrida quando nota que assim a recorrente ficaria na situação privilegiada “de obter os benefícios decorrentes do fiel cumprimento do contrato pelo locatário, sem que da sua parte houvesse a sinalagmática abdicação, a favor do locatário, do gozo e fruição do equipamento locado”.

            É que não é só o mero pagamento das rendas; é isto e a restituição imediata dos bens.

              – do TRG de 09/03/2017, proc. 112509/15.0YIPRT.G1

         I – Quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente, ou se a obrigação tiver sido parcialmente cumprida, a cláusula penal pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade – cfr. art. 812, n.ºs 1 e 2 do CC.

         II – Nos termos do artigo 19/-c do DL 446/85 de 25/10, alterado pelos DL 220/95 de 31/10 e 249/99 de 07/07, são relativamente proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, as cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir, inseridas nos designados contratos de adesão.

         III – A cláusula penal inserta previamente no conteúdo do contrato de locação, com duração de cinco anos, que não foi objecto de negociação, imposta ao aderente, prevendo uma indemnização, para a hipótese de cessação do contrato, correspondente ao pagamento das mensalidades estipuladas até ao respectivo termo, faz incidir sobre o aderente uma vinculação manifestamente não coincidente com os seus interesses de utilização dos bens alugados contra o pagamento de um preço, libertando a locadora, predisponente, de qualquer risco de incumprimento, ficando ainda com a possibilidade de vender ou novamente alugar os bens que o aderente foi obrigado a devolver.

         IV – A desproporção que se verifica neste tipo de cláusula, face ao quadro negocial padronizado, por impor ao aderente consequências patrimoniais gravosas, deve ser considerada relativamente proibida à luz do citado normativo legal.

              – do TRL de 07/03/2019, proc. 127318/16.1YIPRT.L1-8:

         I – Num contrato de locação, é proibida a cláusula contratual geral que consagre uma cláusula penal para o caso de resolução contratual por incumprimento do locatário, estabelecendo a obrigação deste de devolver o bem locado e pagar todas as rendas que se venceriam até ao termo do contrato.

         II – Tal cláusula mostra-se desproporcionada relativamente aos prejuízos previsíveis para o locador, tornando até mais vantajoso para este o incumprimento pelo locatário do que o escrupuloso cumprimento contratual.

         III – A cláusula penal declarada nula no âmbito dos artigos 12 e 19/-c do DL 446/85, não é passível de redução de acordo com a equidade prevista no art. 812 do Código Civil.

              No seu corpo, o acórdão lembra, entre o mais:

         […] há que ter em conta que, no montante fixado para o aluguer está já incorporada a tripla vertente dos custos do locador com a aquisição do bem, com o desgaste deste em função do seu uso pelo locatário e com o lucro planeado pelo locador, o que decorre desde logo da cl.ª 1/2 das condições gerais da locação.

         É certo que a par do montante de cada aluguer se deverá ter em conta a duração do contrato, e nessa base, o número total de rendas. Todavia, a desvalorização do bem, em função do seu uso e desgaste, dependerá em parte do tempo de tal uso, embora aqui tenham cabimento outras considerações relacionadas com a natureza do bem, a existência e características do mercado em relação à comercialização do bem já usado, a rápida desactualização dos equipamentos por inovações tecnológicas no sector […].

         Diz a autora que apenas procede à locação de bens novos. Daqui resultaria que cada locação, cumprida ou não pelo locatário, conduziria à perda total da utilidade económica do bem para a locadora.

         Contudo, as próprias cláusulas contratuais, indiciam uma realidade diferente, como é o caso da 16/3. Uma tal preocupação com o estado do bem em termos do seu normal funcionamento, mostra que o mesmo, finda a locação em causa, continua a ter valor económico para o locador.

         […A] cláusula penal referida parece completamente desproporcionada, obrigando a locatária a pagar a totalidade das rendas que se venceriam até ao termo da locação contratada mas sem dispor do bem locado.

         Em contrapartida, a autoria teria em sua posse tal bem, com
pouco tempo de utilização, podendo rentabilizá-lo. Ou seja, além de receber o montante do custo de aquisição do bem, da margem de lucro prevista, teria ainda o proveito da disponibilidade de rentabilizar o bem como lhe aprouvesse.

         Diga-se ainda que o carácter coercivo da cláusula penal, a sua função de coagir os contraentes a cumprir o contrato sob pena de uma indemnização avultada, não afasta o critério do art. 19/-c do DL 446/85. A não ser assim, estaria encontrado o caminho para fazer letra morta deste preceito, invocando-se sempre o carácter coercivo, de pressão, da cláusula penal, sobretudo nos casos em que esta não se mostrasse proporcionada à extensão dos prejuízos previsíveis resultantes do incumprimento.

              – do TRL de 11/12/2019, proc. 127735/16.7YIPRT.L1-2 (com um voto de vencido; este acórdão foi revogado pelo ac. do STJ de 10/09/2020, referido abaixo):

         I – Seja o contrato de locação clássica ou de locação financeira, é proibida e por isso nula, por força do art. 19/-c do RJCCG, a cláusula contratual que prevê que, no caso de cessação antecipada do contrato, a locadora poderá exigir um montante equivalente a todos os alugueres que fossem devidos até ao termo do contrato.

              Contra, no âmbito da locação, vejam-se os acórdãos

              – do TRL de 27/11/2014, proc.1410/11.3TJLSB.L1-6 que segue o ac. do TRL de 02/05/2013, proc. 2242/10.1YXLSB.L1:

          “(…) Na verdade, não decorre do clausulado contratual que a locadora possa vir a comercializar novamente os bens e que não sofra prejuízo por ter investido o seu capital naquela aquisição. Repare-se que está em causa equipamento informático e que até se provou que «Os equipamentos em causa, depois de utilizados, não são comercializados, não existindo procura (para aluguer ou aquisição) dos mesmos, no estado de usados».

         Além disso, o clausulado contratual não revela que o recebimento do valor correspondente aos «alugueres vincendos» se traduza em benefício desproporcionado para a locadora excedendo largamente o preço que pagou para a aquisição dos bens.

         Aliás, no caso concreto decorre dos factos provados que o «lucro estimado» possivelmente nem chega a 884,64 €, pois a locadora adquiriu os bens pelo preço de 4.320 € (IVA incluído) e os 48 alugueres perfazem 5.204,64 € (IVA incluído).

         Por outro lado, não decorre do clausulado que a locadora não paga de uma só vez o preço dos bens que adquire para dar em locação, ou seja, não decorre do clausulado que a locadora não fica de imediato desembolsada do capital investido na aquisição dos bens.

         Por quanto se disse, não se mostra manifestamente desproporcionada aos danos a ressarcir a exigência antecipada do valor correspondente a todos os «alugueres vincendos» […]

              – do TRL de 03/05/2012, proc. 80/10.0YXLSB.L1-1:

         I – A locação ‘clássica’ está construída no pressuposto de que o bem locado é susceptível de uma utilização prolongada e que essa utilização pode ser feita por períodos e pessoas sucessivas; terminado o período de cedência do uso da coisa ela continua a ser utilizável e o seu proprietário pode continuar a tirar aproveitamento económico dessa utilização.

         II- Porém, nas hodiernas condições do mercado de equipamentos, existem certos bens que, embora duradouros, não só o seu tempo de utilização é curto como, independentemente dele, o seu valor económico se esgota com o início de utilização. Ou seja, o seu tempo de vida útil é curto, ficando obsoletos rapidamente, e não são susceptíveis de rentabilidade económica enquanto bens em segunda mão.

         III- Relativamente a esses bens, a cedência temporária do uso normalmente não só coincide com o período de vida útil do bem como também é causa de imediata desvalorização da coisa. Uma vez cedido o uso da coisa ela passa a ser coisa usada insusceptível de outra utilização económica que não a consubstanciada naquela cedência; e esgotado o período da cedência a coisa está obsoleta.

         IV – Neste tipo de bens não releva a perspectiva de utilização posterior do bem para além do período contratual, ao contrário do que ocorre com os contratos de financiamento de aquisições de bens de longa duração (leasing, ALD), os quais inserem cláusulas ou negócios dependentes que prevêem as condições de transferência da propriedade no final do contrato para o utilizador do bem.

         V- Nos contratos referidos em III, visa-se tão só possibilitar a utilização de um bem pelo período da sua vida útil, sem necessidade do investimento inicial da sua aquisição, que é efectuado por outrem, substituído pelo pagamento fraccionado daquele encargo ao longo do período de utilização.

         VI- Porque é esse o sentido económico dos contratos referidos em III, logo a partes espelham nele o programa contratual quando estipulam que o bem é adquirido pelo locador no interesse do locatário, após indicação deste do bem e do fornecedor, e que o locatário se obriga a pagar (no prazo de 4 anos, tido como o de vida útil do bem e correspondente ao de vigência do contrato) os custos incorridos pelo locador com a aquisição do bem e a execução do contrato e os lucros esperados.

         VII- No caso de extinção antecipada do contrato, como seja a resolução por incumprimento do locatário, o prejuízo do locador consiste no que gastou na aquisição do bem ainda não amortizado e nos lucros cessantes; o que corresponde, aliás, às prestações vincendas do contrato resolvido.

         VIII- E assim sendo a cláusula penal estabelecida e que estabelece deverem ser pagos todos os alugueres até ao fim do contrato não é superior aos danos causados, antes lhe correspondendo, [não sendo] desproporcionada aos danos a ressarcir (mesmo no entendimento lato adoptado na sentença recorrida) [o parenteses recto foi colocado em substituição do ‘porque’ que lá estava que lhe dava o sentido contrário, por ser um evidente lapso de escrita – TRL].

         IX – Em face do referido em VIII, a cláusula penal em causa não é nula.

              As razões do ac. do TRL de 03/05/2012, proc. 80/10.0YXLSB.L1-1, constantes do extenso sumário transcrito acima, são, como se pode ver, as mesmas que eram referidas, no essencial, para dizer, em relação a idêntica cláusula dos contratos de locação financeira, que também elas, aí, eram justificadas. Independentemente disso, já foram afastadas acima.

              Para além daqueles 3 acórdãos, a autora, na petição inicial, cita 14 acórdãos no sentido da validade da cláusula, mas um é repetido; dos restantes 13, quatro deles estão publicados e são os seguintes:

              – ac. do TRL, de 18/12/2012, proc. 2082/10.8TJLSB:

            Não abusivo é também o clausulado no sentido de, no caso de extinção antecipada do contrato, como seja a resolução por incumprimento do locatário, o prejuízo do locador consistir no que gastou na aquisição do bem ainda não amortizado e nos lucros cessantes; o que corresponde, aliás, às prestações vincendas do contrato resolvido.

              – ac. do TRL, de 18/12/2012, proc. 1572/10.7TJLSB:

         III – A proibição (relativa) estabelecida pelo art. 19/-c do DL 446/85, de 25/10, depende do quadro negocial padronizado, ou seja, as cláusulas penais em apreço – podem ser válidas para uns contratos e não para outros, consoante o caso concreto – devendo a validade da cláusula penal ser aferida perante o contexto específico e global do tipo de contrato, tendo em conta natureza da actividade da proponente, as especificidades do negócio, os valores sancionatórios nela previstos em directo confronto com os danos previsíveis que o não acatamento do acordado, pelo aderente, poderá provocar.

         IV – A previsão da alínea c do artigo 19 do DL 446/85, pressupõe sempre uma desproporção sensível, não se bastando com uma simples violação – antes exige a violação manifesta.

              – ac. do TRL, de 11/09/2012, proc. 2635/09.7TJLSB:

         […]

         II- A locação ‘clássica’ está construída no pressuposto de que o bem locado é susceptível de uma utilização prolongada e que essa utilização pode ser feita por períodos e pessoas sucessivas; terminado o período de cedência do uso da coisa ela continua a ser utilizável e o seu proprietário pode continuar a tirar aproveitamento económico dessa utilização;

         III- Ocorre, porém, que nas hodiernas condições do mercado de equipamentos, existem certos bens que, embora duradouros, não só o seu tempo de utilização é curto como, independentemente dele, o seu valor económico se esgota com o início de utilização. Ou seja, o seu tempo de vida útil é curto, ficando obsoletos rapidamente, e não são susceptíveis de rentabilidade económica enquanto bens em segunda mão;

         IV- Relativamente a esses bens, a cedência temporária do uso normalmente não só coincide com o período de vida útil do bem como também é causa de imediata desvalorização da coisa. Uma vez cedido o uso da coisa ela passa a ser coisa usada insusceptível de outra utilização económica que não a consubstanciada naquela cedência; e esgotado o período da cedência a coisa está obsoleta;

         V- Neste tipo de bens não releva a perspectiva de utilização posterior do bem para além do período contratual, ao contrário do que ocorre com os contratos de financiamento de aquisições de bens de longa duração (leasing, ALD), os quais inserem cláusulas ou negócios dependentes que prevêem as condições de transferência da propriedade no final do contrato para o utilizador do bem;

         VI- O que se visa com o contrato em causa nos autos é possibilitar a utilização de um bem pelo período da sua vida útil, sem necessidade do investimento inicial da sua aquisição, que é efectuado por outrem, substituído pelo pagamento fraccionado daquele encargo ao longo do período de utilização;

         VII- Porque é esse o sentido económico do contrato logo a partes espelham esse programa contratual na cláusula primeira das condições gerais quando estipulam que o bem é adquirido pelo locador no interesse do locatário, após indicação deste do bem e do fornecedor, e que o locatário se obriga a pagar (no prazo de 4 anos, tido como o de vida útil do bem e correspondente ao de vigência do contrato) os custos incorridos pelo locador com a aquisição do bem e a execução do contrato e os lucros esperados;

         VIII- No caso de extinção antecipada do contrato, como seja a resolução por incumprimento do locatário, o prejuízo do locador consiste no que gastou na aquisição do bem ainda não amortizado e nos lucros cessantes; o que corresponde, aliás, às prestações vincendas do contrato resolvido;

         IX- E assim sendo a cláusula penal estabelecida na cláusula em causa que estabelece deverem ser pagos todos os alugueres até ao fim do contrato não é superior aos danos causados, antes lhe correspondendo, não sendo desproporcionada aos danos a ressarcir… (embora) o que seja devido se limite ao montante da prestação propriamente dita uma vez que tratando-se agora de indemnização é insusceptível de tributação em IVA por não estarmos perante uma transmissão de bens (cf. artigos 1º e 3º do CIVA);

         […]

              – ac. do TRL, de 15/12/2011, proc.680/10.9YXLSB:

         No texto do acórdão diz-se: […] afigura-se mais correcta a interpretação segundo a qual, para que uma cláusula penal deva ser tida por proibida, ao abrigo da citada al. c do artigo 19 do DL 446/85, deve existir uma desproporção sensível e flagrante entre o montante da pena e o montante dos danos a reparar, não bastando que a pena predisposta seja superior aos danos que, provavelmente, em face das circunstâncias típicas e segundo o normal decurso das coisas, o predisponente venha a sofrer. Assim sendo, conclui-se pela validade da citada cl. 17 das condições gerais.

              Estes acórdãos não contêm argumentos novos, isto é, que já não tenham sido afastados acima.

              As outras 9 decisões invocadas pela autora constam apenas de citações nas alegações de recurso dos processos 2866/12.2TJLSB.L1-7 [sete – este acórdão vai ser referido a seguir] e 1441/11.3TJLSB.L1-7 [que tem posição contrária, citado acima – as restantes duas]: ac. do TRL de 17/01/2013, proc. 2673/10.7TVLSB; a decisão singular do TRL de 13/07/2012, proc. 946/11.0TJLSB [que é, salvo erro, do relator do acórdão do TRL de 07/03/2019, proc. 127318/16.1YIPRT.L1-8, que tem posição contrária à da autora, pelo que não estará certa a sua inclusão no dito rol]; ac. do TRL, de 12/07/2012, proc. 2602/09.0TJLSB; decisão singular do TRL, de 26/06/2012, proc. 1095/09.7YXLSB; ac. do TRL de 31/05/2012, proc. 187/10.4YXLSB, ac. do TRL de 31/05/2012 proc. 2485/10.8TVLSB; decisão singular do TRL de 20/02/2012, proc. 2593/10.5YXLSB; decisão singular do TRL de 21/10/2011, proc. 1866/10.1YXLSB, ac. do TRL de 06/10/2011, proc. 2596/10.0TVLSB, não se sabendo, por isso, qual o conteúdo dos mesmos, tanto mais que o acórdão do TRL de 26/04/2016, proc. 2866/12.2TJLSB.L1-7, onde a autora, nas alegações, referiu as 7 primeiras decisões, tem o seguinte teor:

         IV – A desproporção que pode fundar o juízo de desvalor previsto na al. c) do citado art. 19 não pode traduzir uma simples superioridade da pena pré-estabelecida em confronto com os danos que visa ressarcir, apenas sendo relevante uma desproporção sensível.

         V – Se num contrato de locação de bens móveis o aluguer mensal integra o reembolso do capital investido pelo locador e a sua retribuição, bem como o reembolso dos custos com a execução do contrato e, ainda, a retribuição pelo uso da coisa, a cláusula penal que impõe ao locatário, por cada dia de atraso na restituição do bem locado findo o contrato, o pagamento do valor diário do aluguer acrescido de 1/30 do aluguer mensal, é de valor necessariamente superior ao dos danos atinentes à privação do uso do bem que nesse caso é imposta à locadora.

         VI – Porém, desconhecendo-se em que medida a contrapartida pela fruição do bem contribuía para o montante do aluguer fixado, não há elementos que permitam avaliar a medida da desproporção existente, o que vale por dizer que se não pode qualificá-la como sensível ou de relevo.

              Ou seja, neste acórdão, como se vê, a cláusula em causa não é a do direito às rendas vincendas depois da data da resolução do contrato (o teor do nº 4 da cláusula 17ª do modelo contratual proposto pela apelante a quem com ela negoceia é o seguinte: “Caso o Locatário não tenha devolvido o bem locado violando as suas obrigações de acordo com o n.º 2, apesar da solicitação do Locador, deverá pagar a partir da data do termo total da locação e adicionalmente à taxa normal de locação, 1/30 do valor de qualquer aluguer mensal da locação acordada para a duração do contrato por cada dia adicional de retenção.”).

              Por fim, existe agora o ac. do STJ de 10/09/2020, proc. 127735/16.7YPRT.L1.S1:       

         I – Estão sujeitas ao regime das cláusulas contratuais gerais (DL 446/85 de 25/10) as cláusulas inseridas em contrato de locação de bens móveis, com conteúdo previamente elaborado constante de impresso pré-preenchido, conteúdo esse que o destinatário, querendo contratar, tem de aceitar sem as poder discutir;

         II – O art. 19-c do DL 446/85 proíbe a cláusula penal desproporcionada aos danos a ressarcir, aferindo-se a desproporção não por um critério casuístico mas na sua compatibilidade e adequação ao 2ramo ou sector de actividade negocial a que pertencem;

         III – À luz da proposição anterior, não viola o art. 19-c do DL 446/85, a cláusula inserta em contrato de locação de equipamentos informáticos, que o locador adquire para esse fim sob indicação do locatário, que prevê que em caso de resolução do contrato o locador pode exigir o pagamento de “todos os alugueres que fossem devidos até ao termo contrato.

              A fundamentação deste acórdão do STJ limita-se ao seguinte:

         (i) [O] que proíbe o art. 19/-c do DL 446/85, é a cláusula geral desproporcionada aos danos a ressarcir, aferindo-se a desproporção não por um critério casuístico mas pelo critério do tipo ou modelo geral do contrato em que aquela se insere tendo em conta a actividade do utilizador.

         (ii) A [aderente] não adiantou quaisquer factos, para além da alegação genérica da desproporcionalidade da cláusula, dos quais se retire a desproporção da cláusula em relação aos danos a ressarcir. […] Não o é seguramente o direito à devolução do equipamento, um mero efeito de a autora ser a proprietária dos bens, direito à devolução que também ocorreria ainda que o contrato de locação tivesse durado pelo tempo previsto.

         (iii) O ac. do STJ de 21/03/2006, num caso com semelhanças com o presente e que incidiu sobre a locação de fotocopiador e faxes, onde se escreveu: “…o que se conhece, no quadro genérico deste ramo negocial e empresarial, é que o seu objecto são equipamentos mobiliários normalmente sujeitos a significativo desgaste e rápidas desactualização e desvalorização, não raramente sem possibilidade de rendibilização, situação que faz recair sobre a locadora avultados riscos, desde o volume de capital investido na aquisição dos bens à dificuldade em recolocação no mercado, através de novos contratos de aluguer, de bens usados, de sorte que terá muito mais interesse no cumprimento do contrato que na sua resolução, com as conhecidas consequências – que o caso dos autos sobejamente confirma – de retardamento da entrega das coisas locadas e inerente agravamento dos falados riscos.”

         As considerações transcritas aplicam-se de pleno ao caso dos autos. Também aqui estamos perante equipamentos informáticos, sem utilidade para a Autora, sujeitos a rápida desactualização e desvalorização, cuja recolocação no mercado não é fácil, e quando tal ocorre a preços de saldo, como demonstram os factos supra descritos em 54 e 56. Disse a Relação que a autora pode ainda rentabilizar os bens, mas nada na matéria de facto suporta esta afirmação, pelo contrário.

         (iv) À luz da matéria de facto provada é evidente o dano patrimonial que para a autora resulta do incumprimento do contrato pelo locatário: perda do capital investido em bens que não têm utilidade para si, e impossibilidade de eliminar ou atenuar o prejuízo em face da dificuldade de recolocação no mercado dos bens em causa em condições minimamente atraentes.

              A fundamentação deste acórdão do STJ fica posta em causa pelo que acima se disse. De qualquer modo diga-se que:

              – o que consta de (i) limita-se a ser uma consideração genérica que também serviu de base ao que se disse acima, ou seja, é aceite por toda a jurisprudência, seja por aquela que não aceita a cláusula seja por aquela que a aceita;

              – o que consta de (ii) é afastado porque como se já se explicou a validade da cláusula tem de ser apurada perante o tipo de contrato e não perante factos do caso em concreto: dizendo de outro modo, isto é, com aquilo que já se dizia no acórdão do TRL:

            “Quanto à ideia de que pretendendo a ré valer-se da desproporção das cláusulas, que importasse a sua nulidade – e uma vez que tal nulidade constitui uma excepção peremptória –, incumbia-lhe o ónus de alegação e prova dos factos concretos e específicos que demonstrassem qualquer relevante desproporção (nomeadamente, a inexistência de danos ou prejuízos para o locador) de acordo com o disposto no art. 342/2 do CC [acs do STJ de 21/05/1998; de 15/12/1998 e de 16/05/2000], há que lembrar, como sugerido por Araújo Barros (obra citada, págs. 238 a 240), que ela é contraditória com o entendimento de que a análise da desproporção se faz tendo em conta as circunstâncias que acompanharam a evolução da cláusula, o momento em que a cláusula é concebida, ou seja, as circunstâncias que a ditaram no contexto do quadro negocial típico, pois que os factos a que se referem aqueles acórdãos se reportam a eventos posteriores à aceitação da cláusula do contrato e por isso é que os vêem como se fossem objecto de excepção peremptória.”

              – o que consta de (iii) esquece, como já foi referido acima, que o ac. do STJ de 21/03/2006 só admite uma cláusula penal de 50% das rendas vincendas, pelo que não pode ser utilizado como se tivesse fundamentado a aceitação de uma cláusula de 100% das rendas vincendas; quanto ao mais que este acórdão do STJ de 2006 defende relativamente ao prejuízo, já foi referido acima, nos termos repetidos a seguir quanto a (iv). Quanto à referência ao que a Relação disse: o que a Relação fez foi só ponderar a validade da cláusula penal em termos abstractos, como já se viu ter de ser feito.

              e o que consta de (iv) está errado: o incumprimento do contrato não provoca a perda do capital investido e impossibilidade de eliminar ou atenuar o prejuízo em face da dificuldade de recolocação no mercado dos bens em causa em condições; o que o incumprimento provoca é apenas o risco de o locador, se não conseguir locar de novo o bem, perder o valor do bem correspondente aos alugueres vincendos – de modo algum a perda de todo o capital investido -, risco que é de uma probabilidade diminuta porque se trata de um bem comercial, objecto normal dessa actividade de aluguer do locador, risco que já está incluído no valor das rendas e que sempre seria mais do que reparado com uma cláusula penal de 20% do valor das rendas vincendas e a que a autora só não tem direito por ter querido estabelecer uma cláusula penal abusiva.

              Como se diz lapidarmente no acórdão do TRL 3847/2005-8:

         O valor das rendas coincide com o proveito que a locadora pretende obter do negócio. Ao fazer coincidir esse proveito, que corresponde ao integral cumprimento do contrato, com os prejuízos decorrentes do incumprimento, evidencia-se uma desproporção manifesta ao nível da própria previsão dos prejuízos.

                                                              (XII)

              Por fim, especificamente quanto às conclusões do recurso, note–se, antes de mais, que nas conclusões a ré vai dando valores do bem alugado ou da obrigação da ré, umas vezes com IVA outras sem IVA, algumas vezes sem explicar isso, o que leva, a uma primeira leitura à ideia de que a ré até ia ter um prejuízo com o negócio: comprava por 44 e alugava pelo total de 43. Por isso, diga-se que o valor do bem não era de 44.218,50€ (como a autora diz na conclusão 4), mas sim de 35.950€, a que acresciam 23% de IVA.

              Posto isto,

              As conclusões 4, 5, 7 e 8 são a descrição do ocorrido, sem interesse para a discussão.

              A conclusão 6 é irrelevante mas está errada, já que as premissas de que parte não permitem a conclusão: os contratos de adesão são precisamente caracterizados pelo facto de os aderentes poderem assinar o contrato, apesar de não ser certo que concordem com as cláusulas contratuais. Por isso é que Almeno de Sá, na anotação citada acima, lembra:

            “[…] Para que possa falar-se de negociação, é imprescindível que o utilizador coloque seriamente à disposição do cliente o conteúdo das cláusulas em causa e lhe conceda a real possibilidade de exercer influência sobre o respectivo conteúdo, o mesmo é dizer, que lhe seja proporcionada efectiva oportunidade de contrapor ao utilizador idêntica liberdade de conformação para defesa de interesses próprios. Não é bastante, neste contexto, uma genérica afirmação de disponibilidade para modificar cláusulas a solicitação do cliente, nem tão-pouco a declaração de que este é livre de subscrever o regulamento negocial predisposto.” (págs. 184-185). […] “Na prática, não se verifica, em regra, a séria disponibilidade para alterar as condições gerais, pois o que a empresa predisponente pretende, desde o momento da pré-elaboração, é justamente uniformizar o conteúdo da multiplicidade de contratos que projecta concluir no futuro, propósito que é refractário a uma ideia de discussão ou modificação em cada contrato singular que venha a celebrar. Sendo esta a radical finalidade do recurso a condições gerais por parte da empresa utilizadora, não será possível afirmar, sem mais, a posteriori, para que possa falar-se de negociação individual, que o cliente podia ter alterado as cláusulas que entendesse ou que era livre de subscrever ou não subscrever o contrato proposto.” (pág. 185).

              A conclusão 9 reporta-se a um facto que não consta dos provados pelo que não podia ser agora invocado pela autora sem antes o tentar introduzir nos factos provados. A autora afirmou, o agora diz, no art. 50 da PI, mas o facto foi impugnado pela ré. Como não interessa o que aconteceu depois da resolução do contrato e do pedido da cláusula penal, como já se explicou acima, não era necessário produzir prova sobre a afirmação. Mas fique a observação: a autora não pode invocar aquele facto.

              Na conclusão 10 a autora faz uma afirmação que não tinha feito na PI, qual seja: “a ré utilizou o equipamento locado para além da data de vigência do contrato de locação”. Fá-lo a título de conclusão mas a conclusão tirada não é legítima: a ré não alegou, na PI, a utilização do equipamento depois da resolução do contrato e não pode pretender aproveitar-se desse facto, que não quis discutir (para o que o tinha de alegar), a título de conclusão. Mas a conclusão é muito relevante em sentido contrário ao da pretensão da autora, pois que é a confissão/reconhecimento de que o recebimento das rendas que se venceriam depois da data da resolução do contrato não tem sentido sem a contraprestação da possibilidade de utilização. Por isso, a autora, percebendo que, materialmente, só isso é que justificaria o recebimento das rendas vincendas, tenta tirar a conclusão de que o bem foi utilizado.

              As conclusões 11, 12 e 1.ª parte de 13 são petições de princípio: afirma-se o que se tinha de demonstrar, sem antes se estabelecerem as premissas necessárias para o efeito.

              Na 2.ª parte da conclusão 13 a autora afirma que não está demonstrado que quando o bem locado foi restituído ele teria um valor comercial. Mas por um lado, já se explicou que as circunstâncias concretas do caso não interessam para a valorização da cláusula penal; por outro lado, as cláusulas contratuais gerais do tipo de contrato em causa, demonstram que a verdade é que o tipo de contrato em causa pressupõe a potencial utilização do bem locado depois do termo do contrato, pois que, como já se viu, prevêem a sua renovação. Já se chamou a atenção, acima, para o facto de a autora se ter esquecido, no recurso, que, na PI, afirmou, por várias vezes, que o contrato era renovável.

              Na conclusão 14 a autora pretende estabelecer a sinalagmaticidade entre todo o tempo do contrato e todo o valor a pagar mas não diz porque é que não se pode falar de sinalagmaticidade entre o período de cada mês e o pagamento de cada mensalidade.

              Na conclusão 15 a autora vai mais longe ainda do que na conclusão 13, também sem qualquer base factual: se na conclusão 13 diz que não tinha ficado demonstrado que o bem ao ser restituído ainda tinha valor comercial, agora até afirma que o bem quando foi entregue à autora estava destituído de valor comercial. Mas sem qualquer prova e estando até indiciado o contrário, já que o contrato previa a renovação. E entretanto, note-se a contradição: há pouco a autora afirmava que a ré tinha estado a utilizar o bem até o devolver, agora, sem demonstração de qualquer alteração, o bem quando é entregue já não está a funcionar (e não se diga que pode-se partir da presunção de que o bem funcionou até à entrega e só deixou de funcionar depois desta, porque, a nível de presunções, já se viu, a renovabilidade do contrato permite a presunção contrária).

              A conclusão 16 está dependente da validade do que a autora disse para trás (por isso é que ela começa com “Deste modo”) e o que consta para trás já está suficientemente posto em causa.

              Não interessa discutir a afirmação de direito constante da conclusão 18, porque já se demonstrou que a desproporção é ostensiva. De qualquer modo diga-se que a forma correcta de pôr o problema é aquela que consta do ponto V do sumário do ac. do TRL de 16/01/2007, proc. 8518/2006-1, lembrado por Araújo Barros, obra citada, pág. 237:

         “ Para que uma cláusula penal deva ser tida por proibida, ao abrigo da al. c) do artigo 19 do cit. DL 446/85, não se faz mister que exista uma desproporção sensível e fragrante entre o montante da pena convencionada e o montante dos danos a reparar, bastando para tanto que a pena predisposta seja superior aos danos que, provavelmente, em face das circunstâncias típicas e segundo o normal decurso das coisas, o predisponente venha a sofrer, mesmo que essa superioridade não seja gritante e escandalosa.”

              O que consta da conclusão 19, está errado porque “o ressarcimento dos montantes gastos com o investimento realizado pela autora, que corresponde ao montante de 44.218,50€”, dá-se com o pagamento das prestações que foram sendo pagas até à resolução, mais a restituição do bem com a possibilidade de o voltar a alugar durante o resto do período de vida útil do bem. O que uma cláusula penal razoável permitiria, ainda, à autora, era o ressarcimento dos lucros cessantes perdidos (mesmo que não voltasse a alugar), que a autora só não vai obter por a cláusula penal que estabeleceu ser abusiva e por isso nula.

              Na conclusão 20 a autora repete, mais uma vez, as três afirmações que não constam dos factos provados (estão sublinhadas para se evitar nova repetição).

              A conclusão 21 é uma variante do que já foi afirmado para cima e já afastado.

              A conclusão 22 imputa uma crítica a uma construção da sentença que a sentença não faz. A sentença, correctamente, baseia-se, tal como este acórdão, na falta de razão de ser para se pedir uma contraprestação de uma prestação que não se fez.

              A conclusão 23 é nova petição de princípio, porque afirma o que teria de demonstrar. E, para além disso, está manifestamente errada e revela o erro de toda a construção da autora: se se resolve um contrato não se tem direito ao pagamento dos alugueres até ao final do contrato, pois que o contrato já está extinto… O incumprimento de algumas prestações do contrato, se não for aproveitado para resolver o contrato, permite o vencimento antecipado das prestações vincendas; mas, se se resolver o contrato, ao que se tem direito é à restituição da coisa entregue, mais uma indemnização pelo incumprimento, e não ao cumprimento do contrato, sendo esta afirmação uma contradição lógica evidente com a pressuposta resolução do contrato.

              Por fim, a autora, não tendo direito às rendas vincendas, não tem, logicamente, direito aos juros que as mesmas venceriam, como diz a sentença, pelo que a conclusão 26 também está errada.

                                                                 *  

              Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente.

              Custas, na vertente de custas de parte, pela autora (que perde o recurso).

              Lisboa, 17/06/2021

              Pedro Martins

              1.º Adjunto

              2.º Adjunto