Processo 2242/11.4TVLSB-A.L1 – Juízo Central Cível de Lisboa – Juiz 7
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:
A N-SA, autora, apresentou um requerimento a 14/03/2018, de alegada resposta a pedidos de esclarecimentos que os peritos lhe dirigiram.
A M-SA, ré, arguiu, a 06/04/2018, a nulidade daquele requerimento, para que ele fosse desentranhado. Para além de muito mais, fundamentava-se no facto de tal requerimento, a pretexto de dar satisfação ao pedido dos peritos, ter instruções aos peritos e alegações de novos factos (que alteravam o pedido e a causa de pedir), o que não teria cabimento legal.
Por despacho de 16/04/2018, a arguição da nulidade foi tacitamente indeferida.
A 07/05/2018, a M vem recorrer de tal despacho, para que seja revogado e substituído por outro que declare a nulidade e ordene o desentranhamento, pelo menos parcial, do requerimento da N.
A N contra-alegou, defendendo a inadmissibilidade do recurso, com base em razões que, nessa parte, sintetizou assim:
1. O despacho objecto do presente recurso não admitiu a aquisição de factos novos, muito menos factos essenciais, razão pela qual não se trata de um despacho excepcionalmente recorrível, conforme admite o art. 630/2.
2. Ainda que se considerasse que o recurso é admissível, não se trataria de uma apelação autónoma, nos termos do art. 644/2-d, dado que não está em causa qualquer admissão ou rejeição de um articulado, quer do ponto de vista formal, quer material, pelo que o recurso de apelação do despacho recorrido apenas deveria ser admitido nos termos do art. 644/3, ou seja, em conjunto com o recurso da decisão final.
Por despacho de 04/06/2018, o tribunal recorrido admitiu o recurso ao abrigo do art. 644/2-d do CPC.
A M, ouvida sobre a questão da inadmissibilidade do recurso, disse que o despacho contendia com a aquisição processual de factos e consubstanciava a admissão de um articulado, pelo que o recurso era admissível, quer por via do art. 630/2 quer por via do art. 644/2-d, ambos do CPC.
Por decisão do relator, de 14/12/2018, não foi admitido o recurso.
A fundamentação de tal decisão foi a seguinte:
A questão que se coloca é a admissibilidade do recurso como apelação autónoma.
Por isso, o art. 630/2 do CPC não tem nada a ver com a questão. O despacho pode ser impugnável ou recorrível, por força da excepção prevista no art. 630/2 do CPC, mas tal não importa a admissibilidade da apelação autónoma.
O único artigo que rege a questão é então o art. 644 do CPC, sendo que a ré apenas invoca para o efeito a alínea d do art. 644/2 do CPC.
Quanto ao art. 644/2-d do CPC, ele respeita a despacho que admita ou rejeite um articulado. E isto naturalmente reporta-se a um articulado que possa introduzir, de forma processualmente válida, factos novos essenciais – como petição inicial, contestação, réplica, novo articulado, articulado superveniente, alteração ou ampliação da causa de pedir, resposta a despacho de aperfeiçoamento -, não a qualquer peça processual onde se possam ver alegações de factos, nem a qualquer tentativa camuflada de introdução de factos novos essenciais no processo sem observância das normas legais pertinentes, porque essa tentativa, em qualquer hipótese, nunca poderá ter esse resultado, ou se o tiver será por força de decisões erradas posteriores a serem atacadas oportunamente.
Dito de outro modo, se for como a M diz, isto é, se os “esclarecimentos” aos peritos, prestados pela N, contiverem factos essenciais novos, eles nunca poderão ser considerados no processo, por não terem sido introduzidos de forma processualmente válida, pelo que o facto de a impugnação não poder ser decidida desde já não trará qualquer prejuízo ao processo ou às partes e daí que não se justifique a apelação autónoma ao abrigo do art. 644/2-d (nem, já agora, ao abrigo do art. 644/2-h do CPC).
A M vem agora, nos termos e para os efeitos do artigo 652/3 do CPC, requerer que recaia acórdão sobre a admissibilidade e o mérito do recurso, no essencial porque:
A norma constante do art. 644/2-d do CPC teria de ser interpretada no sentido de que é admissível apelação autónoma de uma decisão que, como ocorreu nos presentes autos, admite a apresentação e a manutenção nos autos de um requerimento que, embora não configurado formalmente como um articulado, consista materialmente num articulado, e que vise introduzir no processo factos novos essenciais sem observância dos ditames legais.
Isto quando o tal requerimento é dirigido aos peritos como resposta a um pedido de esclarecimentos, os quais, na ausência de uma ordem jurisdicional clara que lhes dissesse quais os factos do requerimento da autora que podiam ou não apreciar, consideraram, no trabalho por si efectuado e no relatório pericial produzido, os novos factos alegados pela autora e, bem assim, os prejuízos alegados ex novo, bem como a documentação nova que os suporta, alterando, por completo, os fundamentos de facto e os montantes em discussão nos autos, perturbando, assim, a estabilidade da instância e subvertendo a lógica da produção de prova.
Ou seja, ao contrário do que teria sido pressuposto pelo relator, isto é, de que os novos factos essenciais não seriam considerados, os peritos teriam mesmo considerado os novos factos essenciais apresentados pela N, como resulta do que eles dizem logo na página 1 do Relatório (Capítulo Introdução), onde reconhecem que o requerimento de envio de elementos da N constituiu uma “revisão da sua estimativa original de alguns dos danos alegadamente sofridos como consequência dos factos que imputou à M” e por esse motivo, para cada um dos temas perguntados na perícia, os peritos apresentaram os seus cálculos por referência à “pretensão da N tal como apresentada em i base instrutória (BI) e ii na resposta ao nosso pedido de informações”, dividindo ao longo do relatório esta análise e apresentando para cada uma das pretensões resultados distintos.
Sendo que, como era na base daquele pressuposto que o relator teria considerado que não havia prejuízo para o processo se a impugnação da decisão só fosse feita com o recurso da decisão final, estando esse pressuposto errado, a conclusão da inexistência do prejuízo também estaria errada.
A N responde que:
1. O presente recurso não é admissível porque a apelação em causa não tem autonomia, nos termos do art. 644/2-d dado que, na resposta aos peritos, não está em causa qualquer articulado, quer do ponto de vista formal, quer material.
2. Formalmente, está em causa apenas a resposta a um pedido de esclarecimento dos peritos.
3. Materialmente, também não está em causa qualquer articulado uma vez que dele não resulta a consideração de quaisquer factos novos essenciais para o processo.
4. Por um lado, os factos aí referidos são meramente instrumentais ou concretizadores, e não essenciais, o que é legalmente admissível, de acordo com o novo espírito do CPC e, em particular, o disposto no art. 5/2.
5. Por outro lado, a referência, na resposta aos peritos, a factos não alegados na PI, não implica a sua consideração para o processo, a não ser que tal resulte de uma decisão do tribunal, que ainda não ocorreu.
6. Por conseguinte, dúvidas não podem existir de que não estamos perante a admissão ou rejeição de qualquer articulado.
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Questão que importa decidir: se a impugnação do despacho recorrido é admissível como apelação autónoma.
Os factos são os que resultam do relatório que antecede.
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Decidindo
Antes de mais, note-se que a argumentação da M, por um lado, tem agora por base principalmente o art. 644/2-h, e, por outro lado, traduz-se, já não apenas em querer que o tribunal se pronuncie sobre o requerimento apresentado pelo N, mas também em pretender que este TRL faça a análise do resultado da prova pericial entretanto produzida para concluir que ela introduz novos factos essenciais no processo.
Seja como for…
Como a M diz, “o legislador decidiu que devia ser possível recorrer imediatamente de uma decisão de admissão ou de rejeição de um articulado por razões de estabilidade da instância e de produção de prova. O que facilmente se compreende, pois se os articulados são, como refere Lebre de Freitas, “peças processuais em que as partes expõem os fundamentos da acção e da defesa e formulam os pedidos correspondentes” (A Acção Declarativa Comum à Luz do Código Revisto, Coimbra Editora, 2000, pág. 29), relegar para final a decisão de admissão ou de rejeição de um articulado equivale a manter uma incerteza no processo relativamente aos fundamentos e aos pedidos da acção, bem como aos factos necessitados de prova.”
Mas terá que ser um articulado como tal formalmente considerado, não de qualquer peça processual que, materialmente, se possa considerar conter factos essenciais novos, porque, esses, como se disse, não poderão ser considerados introduzidos validamente e por isso são irrelevantes.
Ou seja, e como dizia a N, “o despacho recorrido não se pronuncia sobre a admissibilidade de qualquer articulado.”
Na decisão anterior não se partiu do pressuposto de que os peritos não iam considerar novos factos essenciais que pudessem constar do requerimento da N, mas sim que, se o tribunal recorrido tiver em conta, numa decisão, factos constantes desse requerimento que sejam factos essenciais novos que não pudesse considerar por não terem sido introduzidos no processo de forma formalmente válida, então será dessa decisão que a M poderá recorrer, pelo que, da não impugnação autónoma do despacho de que a M pretendeu recorrer desde já, não resulta qualquer prejuízo para o processo.
Nem na decisão anterior, que não apreciou o recurso, se admitiu – nem se podia admitir por não se ter conhecido do mérito do recurso – que no requerimento da N constassem novos factos essenciais. Apenas se admitiu tal hipótese para efeitos de discussão. Daí se ter dito “se for como a M diz”.
Em suma, a eventual introdução no processo, em consequência do requerimento da N, de novos factos essenciais não pode decorrer desse requerimento, nem de qualquer resposta pericial, mas de uma posterior decisão judicial que os tenha em conta, pelo que é dessa decisão que a M poderá recorrer, não da que, implicitamente, indeferiu a arguição de nulidade.
Pelo que se mantém o despacho de não admissão do recurso.
Custas da reclamação pela M, fixando-se a taxa de justiça em 1,5UC.
Lisboa, 21/02/2019
Pedro Martins
1.º Adjunto
2.º Adjunto