Processo do Juízo Central Cível de Lisboa
Sumário:
I – O défice funcional permanente de 6% na integridade físico-psíquica da autora, é um dano que deve ser indemnizado, apesar de a autora não trabalhar à data da fixação de tal défice.
II – Esse dano não se confunde com as consequências não patrimoniais desse défice, pelo que a indemnização destas não se confunde com a indemnização daquele.
III – A determinação da indemnização deste dano é feita com recurso à equidade ao abrigo dos artigos 496/4 e 494 do CC; tendo em conta (i) os 28 anos da autora e a sua esperança de vida em 2018, (ii) aqueles 6% de défice, (iii) que o défice terá influência negativa em todas as actividades que a autora possa vir a exercer; (iv) a falta de culpa da autora no acidente; e (v) os valores atribuídos noutros casos judiciais, considera-se que ela deve ser fixada em 20.000€.
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:
V intentou uma acção contra Seguradora-SA, pedindo a condenação desta a pagar-lhe: os danos materiais decorrentes directos a determinar; a compensação de perda de vencimentos em 800€ por mês, bem como 500€ de assistência de 3ª pessoa, até Abril de 2017, e 200€ por mês até poder realizar as actividades da sua vida; 200.000€ a título de indemnização por danos morais pelas dores físicas, angústia e perda de dignidade, passadas, presentes e futuras; e a suportar todos os danos patrimoniais e morais futuros, decorrentes do acidente, bem como assistência médica futura, nomeadamente consultas, operações, tratamentos, internamentos e medicamentos; tudo acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, até efectivo e integral pagamento do devido.
Para tal alegou, em síntese, que ocorreu um acidente de viação, da responsabilidade de um segurado da ré, que lhe provocou as lesões e danos referidos no pedido.
A ré contestou, impugnando os danos e valores, mas não a responsabilidade.
Depois da audiência final foi proferida sentença em que se condenou a ré a pagar à autora [a título de danos não patrimoniais] 17.000€ [= 28.000€ – 11.000€ já pagos pela ré], acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, absolvendo-a do demais peticionado.
A autora recorre desta sentença – para que a ré seja condenada em valor apto a indemnizar a perda de vencimento, na pior das hipóteses a perda de chance, devendo tal valor ser no mínimo de 11.000€ (máximo 20.000€) pelo período de incapacidade temporária, e de 6.000€ (máximo 20.000€) pela incapacidade permanente -, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem com simplificações):
3. O tribunal não atribuiu qualquer valor decorrente da situação de perda de rendimento, decorrente da impossibilidade de a autora trabalhar durante o período de incapacidade temporária.
4. Não obstante a autora ter sofrido um dano permanente de 6 pontos em 100, não lhe foi atribuída qualquer indemnização em sede de danos patrimoniais, pelos esforços acrescidos na realização de qualquer actividade profissional.
5. Ficou provado que a autora durante largos períodos de tempo esteve incapacitada de exercer todo e qualquer trabalho, seja em virtude do internamento a que esteve sujeita, seja em virtude do tempo em que esteve em convalescença e recuperação.
6. À data do acidente a autora tinha 27 anos que é uma idade na qual é normal e expectável que se esteja a trabalhar.
7. Ora, a autora durante os meses em que comprovadamente não pode trabalhar, conforme relatório do INML que citamos infra, teve decerto um dano patrimonial.
Citamos:
Período de repercussão temporária na actividade profissional total sendo assim fixável num período total de 374 dias;
Período de repercussão temporária na actividade profissional parcial sendo assim fixável num período total de 274 dias.
8. A questão é saber quanto iria a autora ganhar? Ou seja, qual o vencimento espectável para uma jovem de 27 anos, recém-chegada a Portugal.
9. De facto, a ré pagou à autora 6000€ em Março de 2017 no âmbito de providência cautelar 7052/17.2T8LSB e 5000€ no âmbito do processo 12146/17.1T8LSB-B, em Maio de 2018.
10. Ocorrendo o acidente em 11/01/2017, os 11.000€ correspondem a 1 ano e cerca de 6 meses de incapacidade atestada pelo INML.
11. Se a autora ganhasse o SMN de 600€ x 14, o valor seria 8400€, ao qual acrescem 2600€ pelos meses de incapacidade temporária parcial.
12. A ré pagou a providência cautelar por acordo, por ser espectável que a mesma, se se encontrasse de boa saúde, ganharia o seu dinheiro.
13. Dito isto, parece-nos razoável ser a autora indemnizada pelo período compreendido entre a data do acidente e o período da consolidação das lesões, num valor mínimo de 11.000€ e máximo de 20.000€.
14. Numa capacidade laboral de 100, a autora perdeu 6 dessa capacidade.
15. Ou seja, para realizar o mesmo trabalho, o seu esforço terá que ser necessariamente maior.
16. A autora só está 94% apta para conseguir realizar as suas tarefas, o que pode implicar dificuldades na própria obtenção de um trabalho.
17. Esta repercussão é permanente até ao fim da sua vida e terá também uma implicação económica sobre a forma de esforços acrescidos decorrentes de uma comprovada diminuição da capacidade da autora.
18. Atenta a idade da autora, e atenta a falta de outro critério além do salário mínimo nacional, estimamos razoável um valor de 50€/mês vencido, 300€/ano desde a data da consolidação, e vincendo até morte da autora ou a sua aposentação.
19. Com base na equidade, atendendo a sua idade, será quase certo que a autora trabalhe mais 30 anos, pelo que não choca um valor entre os 6000€ e os 20.000€.
20. A resolução justa deste litígio é apenas possível com recurso a um valor a definir com base na equidade.
21. Ao não atribuir danos patrimoniais, o tribunal violou o art.564/2 do CC que – “Na fixação da indemnização pode o tribunal atender nos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior”.
A ré contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso, dizendo, em síntese, que: o lucro cessante como compreende benefícios que o lesado não obteve, mas deveria ter obtido, tem de ser determinado segundo critérios de verosimilhança ou de probabilidade; não tendo ficado demonstrada a prestação de trabalho por parte da autora, não podem, por maioria de razão, ser consideradas quaisquer perdas salariais para efeitos de danos patrimoniais sofridos; no que concerne a danos futuros, não foi feita qualquer prova sobre um eventual rebate futuro do sinistro na vida da autora, pelo que não é previsível que a autora venha a sofrer danos futuros (invoca nesta parte o ac. do STJ de 19/06/2019, proc. 3341/15.9T8LRA.L1. S1), para além daqueles que já sofreu e pelos quais foi indemnizada.
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Questões que importa decidir: se a condenação devia ter abrangido uma indemnização pelo período de incapacidades até à consolidação e depois pelo défice funcional de 6%.
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Estão provados os seguintes factos:
- No dia 11/01/2017, cerca das 14h30, ocorreu um acidente de viação no qual intervieram um veículo ligeiro de mercadorias e o motociclo onde a autora seguia como passageira.
- A responsabilidade civil por danos emergentes da circulação do motociclo encontrava-se transferida para a ré, através de contrato de seguro titulado pela apólice n.º 8510383.
- A ré assumiu a responsabilidade pelos danos decorrentes do acidente de viação, o que fez por carta datada de 15/02/2017.
- Na sequência do acidente, a autora foi assistida no local pelo INEM, que a transportou até ao Hospital de SJ, do qual foi transferida para o Hospital CC, onde ficou internada com indicação para manter repouso absoluto no leito.
- Na ocasião do internamento, a autora apresentava as seguintes lesões: fractura da asa do sacro à direita; fractura dos ramos íleo-ísquio-púbicos, sem disrupção da sínfise; fractura de L5, de aparência imagiológica antiga na porção anterior do corpo, mas de aparência imagiológica recente na região posterior do corpo; fractura antiga e consolidada da tacícula radial direita; fractura cominutiva da asa do osso ilíaco direito com atingimento dos canais de conjugação; fractura da apófise púbica direita com luxação púbica; fractura cominutiva com desalinhamento dos topos ósseos do ramo isquiopúbico esquerdo; volumosa hérnia discal L5-S1 póstero-mediana, que molda o saco tecal e contacta, com provável compressão, as emergências radiculares SI; ligeiras procidências discais L3-L4 L4-L5; ligeiro contacto com emergências radiculares neste último nível; ligeiro espessamento tecidular epidural anterior ao nível de L4.
- A autora esteve internada durante 2 meses, tendo recebido alta hospitalar em 12/03/2017, deambulando em canadianas e retomando progressivamente a autonomia.
- À data do acidente, a autora vivia com os pais.
- A autora sofreu falta de força, imobilidade e impossibilidade de se movimentar.
- A Autora sofreu dores.
- Até Abril de 2017, a autora necessitou de assistência de 3ª pessoa para realizar as tarefas de higiene pessoal e domésticas, a qual foi prestada pelos seus pais.
- A autora tem vindo a ser assistida pelos serviços clínicos da ré, tendo esta suportado todas as despesas médicas e medicamentosas necessárias após o acidente.
- No âmbito do procedimento cautelar que correu termos sob o n.º 7052/17.2T8LSB na secção local cível deste Tribunal (J23), as partes alcançaram transacção nos termos da qual a ré se comprometeu a liquidar a favor da autora 6000€, a título de adiantamento de indemnização por conta dos danos patrimoniais até 31/12/2017, bem como o pagamento de todas as despesas médicas e tratamentos que sejam necessários para a autora, desde que realizados pelos serviços clínicos a designar pela ré.
- Nos termos daquela transacção, a ré já liquidou a favor da autora o total de 11.000€.
- À data do acidente, a autora tinha 26 anos [=> nasceu a 26/12/1989].
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Ainda quanto aos factos
Nas conclusões 4 a 7 a autora faz referência a alguns factos que não constam dos factos discriminados como provados, mas como se o estivessem, quais sejam, (i) um dano permanente de 6 pontos em 100, com esforços acrescidos na realização de qualquer actividade profissional; (ii) largos períodos de tempo em que esteve incapacitada de exercer todo e qualquer trabalho, seja em virtude do internamento a que esteve sujeita, seja em virtude do tempo em que esteve em convalescença e recuperação que, concretiza com recurso a um relatório pericial; e (iii) uma idade diferente da provada.
A ré nada disse contra isto.
Decidindo:
O art. 607 do CPC dispõe:
2 – A sentença começa por identificar as partes e o objecto do litígio, enunciando, de seguida, as questões que ao tribunal cumpre solucionar.
3 – Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.
4 – Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas […]
Normalmente, esta ordem é seguida pelos tribunais na elaboração da sentença: um relatório, a indicação das questões a decidir, os factos, a fundamentação da decisão quanto aos factos.
Ora, da parte dedicada aos factos não constam os factos referidos agora pela autora.
Mas continuando a ler a sentença dela ainda consta o seguinte, entre o mais:
Na fundamentação da decisão da matéria de facto:
[…C]onsiderou-se, quanto aos danos físicos e psíquicos, o já referido relatório pericial constante dos autos, complementado pelo depoimento das médicas que o elaboraram. Daquele relatório (fls. 98 e seguintes), foi possível retirar, quer a identificação das lesões e/ou sequelas relacionadas com o evento, quer a quantificação dos períodos de défice funcional da sinistrada, temporário e permanente, e ainda dano estético, bem como do quantum doloris. […F]inalmente, o mesmo relatório afastou a existência de dano futuro, embora admitindo a possibilidade de esforços suplementares no exercício da actividade profissional habitual. […]
E na fundamentação de direito:
[…] percorrendo, agora, os pedidos […] e as conclusões da perícia médico-legal (que, naturalmente, também não temos razões para pôr em causa, antes pelo contrário), verificamos o seguinte:
O quantum doloris foi fixado em 5 pontos em 7 possíveis […]
Quanto ao dano estético, a perícia contabilizou grau 3 em 7, com carácter permanente.
A perícia contempla a existência de défice funcional permanente na integridade físico-psíquica (anteriormente qualificado como dano biológico), mas rechaçando a existência de dano futuro, atribuindo àquele a quantificação de 6 (numa escala até 100).
[…]
Assim, não há dúvida de que a sentença considera – em local diferente do que seria expectável – como factos provados vários outros para além dos que deu como provados expressamente no local próprio e teve-os em conta na fundamentação de direito, fazendo-lhes expressa referência.
Por outro lado, as conclusões da autora, com referência aos factos que considera provados e com a indicação da respectiva prova, pode ser vista, se necessário, como impugnação da decisão da matéria de facto, obviamente procedente porque, como se vê, a própria sentença entendeu que vários deles estavam provados com base naquela prova pericial, e assim o disse embora em local que não é o usual e, porque, por outro lado, a prova indicada – pericial – que não é posta em causa, serviria para prova dos factos indicados pela autora.
Assim sendo, estão ainda provados outros factos com interesse para a decisão das questões postas, que se descriminam a seguir, mas com a seguinte restrição: a sentença considerou que não se provou que, à data do acidente, a autora trabalhava nas limpezas, ganhando ao dia o valor de 6€ à hora, num total de entre 600€ e 800€ por mês, e a autora não põe isto em causa, pelo que os factos que agora se retiram de outras partes da sentença, não podem contrariar aquela decisão.
Quanto à idade da vítima, em vez de se estar a discutir se ela tinha 26 ou 27 anos, deve ser dado como provada a data do seu nascimento, a 26/12/1989 [o que já se fez acima, num outro parenteses recto], que resulta de vários documentos dos hospitais e dos relatórios onde, com certeza, se conferiu essa data com o “BI” da autora.
Posto isto, tendo em conta o que é dito na sentença (em toda ela) e no relatório pericial (para concretizar o que consta da sentença, tendo sido expressamente invocado pela autora e sem resposta da ré), estão ainda provados os seguintes factos:
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- A autora ficou com um défice funcional permanente na integridade físico-psíquica de 6 pontos em 100.
- A autora esteve numa situação de incapacidade temporária absoluta desde o acidente até 25/01/2018; e de 20% desde então até 27/08/2018.
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Do recurso sobre a matéria de direito
A sentença, na fundamentação de direito, escreve:
“[…] uma primeira indemnização deveria ser fixada a título de danos emergentes, obedecendo o seu cálculo, em princípio, a uma pura operação aritmética, na medida em que traduz o montante de danos materiais decorrentes do acidente.
Nesta sede, apurou-se, em primeiro lugar, que a ré liquidou todas as despesas médicas e medicamentosas relacionadas com o acidente, o que fez directamente aos prestadores de saúde com quem mantém convenções, tendo entretanto liquidado parte da indemnização que venha a ser devida por outro tipo de danos, no valor de 11.000€.
Em segundo lugar, dos quantitativos alegados pela autora, o certo é que a mesma não logrou demonstrar qualquer de tais prejuízos.
Assim, no que concerne a algum tipo de quantia devida a título de salários (quantificáveis em sede de lucros cessantes), nada se provou, nem quanto à alegação de que a autora exercia uma actividade profissional remunerada à data do sinistro nem, muito menos, que auferia a quantia mensal que indicou (entre € 600 e € 800 ao mês).
Finalmente, ainda em sede de danos patrimoniais, a autora invocou e peticionou um prejuízo fundado na existência de danos futuros – referentes a despesas médicas e perdas de rendimento – certo é, também, que nenhuma prova foi feita sobre esta matéria; pelo contrário, apurou-se que a autora, previsivelmente, não será afectada por nenhum dano deste tipo, conforme as conclusões atingidas na perícia médico-legal.
E acrescentou, quanto à indemnização dos danos não patrimoniais:
Na situação sub judice, há a ponderar, como elementos constitutivos do direito da autora: a circunstância de o acidente ter sido totalmente fortuito do ponto de vista da autora, sem que a sinistrada algo tenha feito para contribuir para o mesmo, já que circulava como passageira do motociclo; a idade da autora; o quantum doloris, relacionado com o longo período de internamento hospitalar, seguido de convalescença em casa; o dano estético. A estes elementos há que acrescentar a situação de sofrimento, angústia e tristeza vividos pela autora, que se viu repentinamente limitada no seu dia-a-dia, quer na construção da sua vida em Portugal, pessoal e social, quer no âmbito da sua presença junto da família em Portugal, passando de ser um factor de ajuda a uma fonte de preocupação e assistência. De outra banda, haverá que mitigar a pretensão da autora com a circunstância de, felizmente, a autora não ter ficado com incapacidade permanente para o trabalho nem com qualquer tipo de dano futuro, bem como o facto de, à data, não estar comprometida com nenhuma actividade profissional concreta, nem de outra ordem, para além da ajuda que prestava à sua mãe – que, como já supra referimos, passou, desafortunadamente, a constituir uma contingência assistencial para esta.
Tudo visto e ponderado, julga-se adequado fixar à Autora, a título de danos não patrimoniais, uma compensação de 28.000€.
Decidindo:
A jurisprudência do STJ está hoje (2019/2020) mais ou menos estabilizada nas seguintes considerações que se reportam aos artigos 494, 496, 564 e 566 do CC:
1 – O dano biológico – o dano-evento real sofrido pela pessoa no seu corpo, – pode levar a danos-consequências patrimoniais e não patrimoniais.
2 – Estes danos patrimoniais são as consequências da afectação, em maior ou menor grau, da capacidade para o exercício de actividades profissionais ou económicas, susceptíveis de ganhos materiais, isto é, de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, e são qualificados como uma perda da capacidade geral de ganho.
3 – O défice funcional permanente da integridade físico-psíquica com uma certa percentagem abrange mais do que uma incapacidade profissional permanente com igual percentagem (e, por isso, dir-se-ia que se tiver sido fixada uma indemnização laboral pela incapacidade profissional, a indemnização do défice funcional complementa-a na medida em que ultrapasse aquela – embora aqui existam acórdãos em divergência).
4 – Essa perda da capacidade geral de ganho – quando não for, ou não for só, a perda concretizada de rendimentos da profissão (por a pessoa não estar a trabalhar, no caso de estar desempregado, ainda não trabalhar por ser estudante, já não trabalhar por ser aposentado/desempregado, ou não se verificar incapacidade parcial permanente para o exercício da profissão habitual, apesar de o lesado ter de fazer esforços suplementares/acrescidos para o efeito, – é indeterminável, pelo que o seu valor deve ser fixado com recurso à equidade (por força do art. 566/3 do CC), em função dos seguintes factores: (i) a idade do lesado e a sua esperança de vida; (ii) o seu grau de incapacidade geral permanente (isto é, a percentagem do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica); (iii) as suas potencialidades de ganho em profissão ou actividades económicas compatíveis com as suas qualificações e aquele défice; (iv) outros que se revelem no caso; e (v) jurisprudência anterior; e não pela aplicação das tabelas utilizadas para determinação dos danos patrimoniais resultantes da IPP para o exercício da profissão habitual [embora neste ponto continue a haver uma corrente forte de acórdãos do STJ que se continuam a referir a esta forma de cálculo como base para o posterior funcionamento da equidade].
5 – Os danos não patrimoniais também devem ser fixados com equidade, mas agora por força do art. 496/4 do CC tendo em conta as circunstâncias previstas no art. 494 do CC, e na sua fixação entra também em consideração o sofrimento físico e psíquico decorrente de se ter ficado com os danos reais relacionados com o défice funcional permanente.
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Neste sentido, vejam-se os seguintes acórdãos das várias secções cíveis do STJ, de 2019/2020, à excepção dos primeiros 4 de 2016 a 2018, que deram origem a essa estabilização:
1- Ac. do STJ de 07/04/2016, proc. 237/13.2TCGMR.G1.S1:
I – Não tem direito a indemnização por alegada perda de remuneração durante o período de incapacidade para o trabalho a vítima de acidente de viação que, à data deste, era licenciada em marketing e estava desempregada, quando se ignora se, no referido período, a mesma se dispunha a procurar emprego, bem como se a mencionada incapacidade lhe determinou, directa e necessariamente, a impossibilidade de o procurar por não ser possível estabelecer qualquer nexo causal entre a incapacidade e as eventuais oportunidades de emprego que, na altura, estivessem disponíveis.
II – A afectação da integridade físico-psíquica (que tem vindo a ser denominada “dano biológico”) pode ter como consequência danos de natureza patrimonial e danos de natureza não patrimonial, compreendendo os primeiros a redução da capacidade de obtenção de proventos no exercício de actividade profissional ou de outras actividades económicas (perda da capacidade geral de ganho).
III – Tendo ficado provado que a recorrente: (i) à data do acidente tinha 22 anos de idade; (ii) o seu défice funcional permanente da integridade físico-psíquica foi fixado em 8%; e (iii) possuía o grau académico de licenciada, é justa e adequada a fixação de indemnização, a título de danos patrimoniais (perda da capacidade geral de ganho), no montante de 25.000€ (e não de 15.000€ como foi fixado pela Relação).
IV – Resultando dos factos provados que a recorrente, na sequência do acidente de viação, ocorrido em 08-10-2011, que a vitimou: (i) esteve internada durante três semanas, tendo mantido o repouso após a alta hospitalar; (ii) passou a ter incontinência urinária; (iii) as suas lesões estabilizaram em 13-04-2012; (iv) o quantum doloris foi fixado em 4 numa escala de 1 a 7; (v) o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica foi fixado em 8%; (vi) as sequelas são compatíveis com o exercício da actividade habitual mas implicam esforços suplementares; (vii) o dano estético foi fixado em 3 numa escala de 1 a 7; (viii) a repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer foi fixada em 1 numa escala de 1 a 7; (ix) sofreu angústia de poder vir a falecer e tornou-se uma pessoa triste, introvertida, deprimida, angustiada, sofredora, insegura, nervosa, desgostosa da vida e inibida e diminuída física e esteticamente, quando antes era uma pessoa dinâmica, expedita, diligente, trabalhadora, alegre e confiante, é justa e adequada a fixação da compensação, a título de danos não patrimoniais, no montante de 50.000€ (e não de € 18 000 como foi fixado pela Relação).
[…]
2- Ac. do STJ de 14/12/2016, proc. 37/13.0TBMTR.G1.S1:
I – O STJ tem admitido, de forma reiterada, que as consequências danosas que resultam da incapacidade geral permanente (“dano biológico”) são, em abstracto, reparáveis como danos patrimoniais, ainda que essa incapacidade não tenha repercussão directa no exercício da profissão habitual, por aquelas poderem compreender igualmente a afectação, em maior ou menor grau, da capacidade laboral para o exercício de outras actividades profissionais ou económicas, susceptíveis de ganhos materiais.
II – Tendo ficado provado que: (i) o lesado tinha 43 anos de idade à data do acidente que o vitimou; (ii) apresenta lesões às quais é de atribuir uma IPP de 11 pontos; (iii) esta limitação se repercute na sua actividade profissional (agente de inseminação artificial de bovinos) já que, estando esta dependente de elevados níveis de força e destreza física, o seu exercício acarreta, actualmente, um esforço suplementar; (iv) faz esforços acrescidos para o exercício das actividades comuns por os movimentos do braço estarem condicionados; (v) antes do acidente era um homem robusto e saudável, apto para qualquer tipo de trabalho e colaborava na exploração agrícola da sua mulher, é de concluir que a incapacidade geral permanente de que ficou a sofrer afecta as possibilidades da sua progressão na profissão habitual, assim como a futura mudança ou reconversão profissional e até mesmo as possibilidades da prossecução da sua colaboração na referida exploração agrícola familiar.
III – Concluindo-se pela reparabilidade das consequências patrimoniais do dano biológico, o montante indemnizatório devido a esse título não está sujeito ao regime da Portaria nº 377/2008, de 26/05, alterada pela Portaria nº 679/2009, de 25/06, nem se obtém pela aplicação das tabelas financeiras utilizadas para determinação dos danos patrimoniais resultantes da IPP para o exercício da profissão habitual, devendo antes ser fixado segundo juízos de equidade (art. 566/3 do CC), em função dos seguintes factores: (i) a idade do lesado; (ii) o seu grau de incapacidade geral permanente; (iii) as suas potencialidades de aumento de ganho em profissão ou actividade económica alternativa, aferidas, em regra pelas suas qualificações; e (iv) outros que relevem casuisticamente como, no caso dos autos, o facto de o desempenho profissional do lesado estar dependente de elevados níveis de força e destreza física.
IV – Ponderando o referido nos pontos antecedentes, a indemnização pelo dano biológico, na vertente patrimonial, poderia ascender – em função dos parâmetros adoptados por este STJ – a quantia superior a 30.000€; porém, não tendo o autor recorrido do acórdão da Relação, fica a mesma limitada ao valor de 22.000€ que aí foi fixado a esse título.
O TRG tinha concedido a indemnização de 22.000€ por incapacidade geral permanente (dano biológico) e mantido a indemnização de 35.000€ por danos não patrimoniais. O STJ disse confirmar, ainda que com fundamentação não inteiramente coincidente, a condenação da ré a pagar ao autor 22.000€, a título de indemnização por “dano biológico”, na vertente de danos patrimoniais. Só tinha sido interposta revista pela seguradora pelos danos patrimoniais.
3- Ac. do STJ de 06/12/2017, proc. 559/10.4TBVCT.G1.S1:
I – Os índices de Incapacidade Geral Permanente não se confundem com os índices de Incapacidade Profissional, correspondendo a duas tabelas distintas, aprovadas pelo DL 352/2007, de 23-10.
II – Nas palavras do preâmbulo deste diploma legal, na incapacidade geral avalia-se “a incapacidade para os actos e gestos correntes do dia-a-dia”, a qual pode ter reflexos ao nível da incapacidade profissional, mas que com esta não se confunde.
III – Por conseguinte, estando em causa danos patrimoniais resultantes do denominado “dano biológico” – entendidos como “as consequências da afectação, em maior ou menor grau, da capacidade para o exercício de outras actividades profissionais ou económicas, susceptíveis de ganhos materiais” – não pode ser aceite o procedimento da 1.ª instância ao utilizar como critério-base para o cálculo do montante indemnizatório uma das tradicionais fórmulas financeiras criadas para a determinação dos danos patrimoniais resultantes da incapacidade (neste caso parcial) para o exercício da profissão habitual, presumindo que o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 2 pontos (resultante dos factos provados) corresponderia a uma taxa de incapacidade laboral parcial permanente de 2%.
IV – Não é igualmente de acompanhar a convocação pela Relação para efeitos de fixação do montante indemnizatório, em simultâneo, da equidade (art. 566/3 do CC) e da teoria da diferença (art. 566/2 do CC), já que a fixação da indemnização não pode, neste caso, seguir a teoria da diferença como se tais danos patrimoniais fossem determináveis, quando aquilo que está em causa é a atribuição de uma indemnização por danos patrimoniais indetermináveis, a qual deve ser fixada segundo juízos de equidade, dentro dos limites que o tribunal tiver como provados.
VI – Resultando da factualidade provada que a autora: (i) tinha 31 anos de idade à data do sinistro; (ii) a esperança média de vida das mulheres situava-se, na altura, entre 75 e 80 anos; (iii) em consequência do acidente, ficou a padecer de um índice de incapacidade geral permanente de 2 pontos; (iv) apresenta cervicalgias, sempre que roda a coluna cervical para a esquerda e para a direita, sempre que a flecte para a esquerda e para a direita, sempre que a flecte no sentido ante-posterior; (v) com toda a probabilidade terá, a médio e longo prazo, repercussões negativas na sua capacidade de trabalho, com diminuição dos seus rendimentos, tanto no exercício da profissão habitual (operária fabril) como no exercício de actividades profissionais alternativas, compatíveis com as suas competências, considera-se justa e adequada a fixação da indemnização pela perda da capacidade de ganho no montante de 20.000€.
VII – Tendo ainda em atenção as lesões que a autora sofreu em consequência do acidente, em concreto traumatismo da coluna cervical, com as inerentes dores e incómodos que teve de suportar, sendo que o quantum doloris ascendeu ao grau 4, numa escala de 1 a 7, e os tratamentos a que teve de se submeter e bem assim as sequelas de que ficou a padecer, considera-se ser de manter o montante indemnizatório fixado pela Relação por danos não patrimoniais no montante de 15.000€.
A sentença tinha fixado a indemnização por perda da capacidade de ganho em 9.984,64€, montante a que chegou através da aplicação de uma das tradicionais fórmulas matemáticas criadas pela jurisprudência para a fixação de indemnização por danos patrimoniais futuros por incapacidade laboral parcial permanente. O TRG reduziu esse montante indemnizatório para 3.850€.
4- Ac. do STJ de 01/03/2018, proc. 773/07.0TBALR.E1.S1:
II – A afectação da integridade físico-psíquica (que tem vindo a ser denominada “dano biológico”) pode ter como consequência danos de natureza patrimonial e de natureza não patrimonial, compreendendo-se na primeira categoria a perda de rendimentos pela incapacidade laboral para a profissão habitual, mas também as consequências da afectação, em maior ou menor grau, da capacidade para o exercício de outras actividades profissionais ou económicas, susceptíveis de ganhos materiais.
III – Os índices de incapacidade geral permanente não se confundem com os índices de incapacidade profissional, correspondendo a duas tabelas distintas, aprovadas pelo DL 352/2007, de 23-10: na incapacidade geral avalia-se a incapacidade para os actos e gestos correntes do dia-a-dia, a qual pode ter reflexos ao nível da incapacidade profissional, mas que com esta não se confunde.
IV – A fixação da indemnização por danos patrimoniais resultantes do “dano biológico” não pode seguir a teoria da diferença (art. 566/2 do CC) como se tais danos fossem determináveis, devendo antes fazer-se segundo juízos de equidade (art. 566/3 do CC).
V – Para tanto, relevam: (i) a idade do lesado à data do sinistro (39 anos); (ii) a sua esperança média de vida que, para homens nascidos em 1964, se situará, no ano de 2004 – ano do acidente – entre 64 e 75 anos (e não a sua previsível idade da reforma, já que a perda da capacidade geral de ganho tem repercussões negativas ao longo de toda a vida do lesado); (iii) a percentagem de incapacidade geral permanente (53%); e (iv) a conexão entre as lesões físicas sofridas e as exigências próprias de actividades profissionais ou económicas alternativas, compatíveis com a formação/preparação técnica do lesado (sendo que, no caso, este deixou de poder caminhar, levantar-se ou baixar-se normalmente, só o podendo fazer com canadianas e a sua formação/preparação técnico-profissional corresponde à de um electricista de redes de distribuição, assentando as suas competências na destreza, mobilidade e força).
VI – É, por isso, de concluir que a afectação dos referidos parâmetros terá consequências extremamente negativas na possibilidade efectiva de o lesado vir a exercer actividade profissional alternativa, aproximando-se a sua situação de uma incapacidade total permanente para o trabalho, pelo que, ponderando os enunciados factores e comparando o caso com outras decisões do STJ, afigura-se justa e adequada a fixação da indemnização, a título de dano patrimonial futuro por perda da capacidade de ganho desde a data do sinistro, em € 400.000 (ao qual se deduzirá o valor já pago) e não em € 280.000 como fez a Relação.
O acórdão invoca um outro acórdão do STJ de 25/05/2017, proc. 2028/12.9TBVCT.G1.S1, em que se escreveu “Resultando da factualidade provada que o autor: (i) tinha 41 anos à data do acidente; (ii) ficou a padecer de Défice Funcional Permanente da Integridade Físico Psíquica fixado em 29 pontos; (iii) exercia profissão (trolha na construção civil) que exige elevados níveis de força e destreza físicas, tendo as lesões sofridas determinado que: “O Autor ficou ainda com dificuldade de marcha, não consegue “acelerar” o passo, correr, agachar-se ou mesmo colocar-se de joelhos.”; “Ficou com dor no joelho direito, tal como na região lombar, tipo “moedeira”, permanente, agudizada com esforços de carga e marcha, que o obrigam a tomar diariamente analgésicos; ficou com a sensação de “perna pesada”.”; “Em consequência do acidente de viação, das lesões e respectivas sequelas, o A. ficou a padecer ao nível do membro inferior direito de limitação da flexão do joelho a 110º.”; “Todas as sequelas que o autor sofreu com o relatado acidente não só o acompanham até à data da sua reforma laboral, como o acompanharão até ao termo da sua vida activa.”, afigura-se justo e adequado fixar, a partir da data da consolidação médico-legal das lesões, em € 170.000 a indemnização por perda geral de ganho/dano biológico.”
E depois diz: “Existindo algum paralelismo com a situação dos autos – traduzido no facto de, em ambos os casos, a lesão ter ocorrido num dos membros inferiores, assim como no facto de a preparação profissional de ambos os lesados assentar na mobilidade, destreza e força físicas –, é manifesto, porém, que a gravidade das lesões do aqui A. e respectivas sequelas é muito superior. Naquele caso o lesado ficou com dificuldade em andar, enquanto no caso dos autos, o lesado ficou impossibilitado de andar (salvo com recurso a canadianas).
5- Ac. do STJ de 28/03/2019, proc. 1120/12.4TBPTL.G1.S1
I. O denominado dano biológico, na sua vertente patrimonial, abrange um espectro alargado de prejuízos incidentes na esfera patrimonial do lesado, desde a perda do rendimento total ou parcial auferido no exercício da sua atividade profissional habitual até à frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer outras atividades ou tarefas de cariz económico, passando ainda pelos custos limitações ou de maior onerosidade no exercício ou no incremento de quaisquer dessas atividades ou tarefas, com a consequente repercussão de maiores despesas daí advenientes ou o malogro do nível de rendimentos expetáveis.
II. Num caso, como o dos autos, em que o sinistrado de acidente de viação, já dantes afetado por incapacidade para o exercício de atividade económica habitual ou episódica, sofra, em consequência daquele acidente, lesões que lhe determinem um défice funcional permanente com limitações significativas para o desempenho das lides domésticas que o mesmo executava anteriormente, assiste-lhe o direito a ser indemnizado pelo correspetivo custo económico previsível.
III. Não se mostrando viável estabelecer com exatidão o preciso grau dessas limitações mas apenas a sua repercussão de nível significativo no desempenho das lides diárias, a respetiva indemnização patrimonial deverá ser arbitrada com recurso à equidade, segundo parâmetros tipológicos, e não centrada em cálculo financeiro estrito.
6- Ac. do STJ de 20/11/2019, proc. 107/17.5T8MMV.C1.S1:
O TRC, condenou, ao contrário da 1.ª instância, a ré a pagar à autora 10.000€ a título de indemnização pelo défice funcional permanente de 2% da integridade física e 20.000€ (em vez dos 14.000€ atribuídos pela 1.ª instância), a título de indemnização por danos não patrimoniais.
Contra isto, a ré dizia que não se provou que a ofensa de que a autora padeceu seja fonte de prejuízos patrimoniais, seja por via da perda de rendimentos, seja pela circunstância de exigir esforços suplementares para desenvolver a actividade profissional habitual, sem perda de rendimentos. Assim, não assiste à autora o direito a ser indemnizada nessa vertente do dano patrimonial, tal como parece emergir da decisão recorrida ao conceder àquele a quantia de 10.000€, ainda que sob a aparência de “dano biológico”. Quando não se provou que tais sequelas acarretam qualquer prejuízo económico na esfera patrimonial da recorrida, o seu dano biológico tem apenas uma componente não patrimonial, pela qual, aquela deverá ser compensada;
O TRC lembra que “Apesar de, como escreve Carlos Alberto da Mota Pinto (Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra Editora, página 345), […], a capacidade de trabalho não fazer parte do património, constitui, no entanto, uma qualidade da pessoa que se ‘projecta nos resultados patrimoniais da sua vida’. Daí que a mera diminuição da capacidade de trabalho e de ganho, associada ao défice funcional permanente da integridade física e psíquica, seja considerada também dano patrimonial.
E antes tinha dito: “Apesar de tal ofensa começar por ser um dano pessoal, na medida em que atinge um bem jurídico eminentemente pessoal (a integridade física e psíquica), a jurisprudência tem afirmado de modo constante que ela é também fonte de prejuízos patrimoniais.”
O STJ subscreve o acórdão recorrido (do TRC de 11/06/2019, proc. 107/17.5T8MMV.C1) que tem a seguinte síntese:
I – É equitativo compensar com o montante de 10.000€ o défice de 2 pontos na integridade física de uma jovem com 22 anos de idade, estudante do Curso de Ciências do Desporto e Educação Física, quando esse défice funcional, embora compatível com a sua condição de estudante, limita-a quando estejam em causa actividades desportivos em que haja contacto físico intenso ou outras que exijam um maior esforço do membro superior direito.
II – É equitativa a indemnização de 20.000€ no seguinte quadro de danos não patrimoniais: a) dores físicas e psíquicas avaliadas no grau 4, numa escala de 7 graus de gravidade crescente; b) dores na face superior do ombro direito com as mudanças de temperatura e com os movimentos do braço direito nos últimos graus da abdução/antepulsão e rotação externa do ombro; c) dano estético, representado por cicatriz na omoplata direita, avaliado num grau 2, numa escala de 7 graus de gravidade crescente; d) desgosto pelo facto de ter ficado com cicatriz na omoplata; e) limitações na actividade física e de lazer, resultantes do facto de ter deixado de praticar futsal, actividade que contribuía para o seu bem-estar e satisfação; f) condicionamento da sua autonomia na realização dos actos correntes da vida diária, familiar e social, desde o acidente até à consolidação das lesões; g) ausência de culpa quanto à produção dos danos.
7- Ac. do STJ de 04/02/2020, proc. 46.08.0TBVVD.1.G1.S1:
I – O recurso à equidade por parte da Relação deve ser mantido sempre que se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais generalizadamente adotados, em face das exigências do princípio da igualdade, o que implica a ponderação do julgamento de casos paralelos.
II – A indemnização do dano patrimonial futuro deve corresponder a um capital produtor do rendimento que o lesado não irá auferir e que se extinga no final do período provável de vida deste, suscetível de garantir, durante essa vida, as prestações periódicas correspondentes ao rendimento perdido.
III – No cálculo da indemnização por dano patrimonial futuro, deve tomar-se em consideração, além de outros factores, o salário auferido pelo sinistrado, o grau de incapacidade permanente de que ficou a padecer e a depreciação da moeda.
IV – Quanto ao período de vida a considerar, deve ter-se em conta a esperança média de vida quando a incapacidade se traduz num esforço acrescido (dano biológico).
V – A incapacidade funcional pode traduzir-se, em termos de previsibilidade e normalidade, na maior dificuldade de progressão na carreira, na necessidade de escolha de profissão mais adequada à incapacidade existente, e na perda de oportunidades profissionais.
Na sentença, grosso modo, condenou-se a ré a pagar ao autor 20.000€ por danos patrimoniais e não patrimoniais e ainda a quantia que venha a ser apurada em liquidação de sentença decorrente da IPP, que acabaram por ser liquidados em 286.760€ [por danos patrimoniais emergentes, lucros cessantes e danos patrimoniais futuros decorrentes da perda da capacidade de ganho]; o TRG reduziu para 62.000€ esta liquidação [a título de perda de capacidade de ganho e de dano biológico, decorrente da incapacidade permanente parcial de 18%] e o STJ aumentou-a para 90.000€.
8- O ac. do STJ de 06/02/2020, proc. 2251.12.6TBVNG.P1.S1:
V. A compensação do dano biológico tem como base e fundamento a perda ou diminuição de capacidades funcionais que, mesmo não importando perda ou redução da capacidade para o exercício profissional da atividade habitual do lesado, impliquem ainda assim um maior esforço no exercício dessa atividade e/ou a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, no decurso do tempo de vida expectável, mesmo fora do quadro da sua profissão habitual.
VI. Neste campo, relevam apenas e tão só as implicações de alcance económico e já não as respeitantes a outras incidências no espetro da qualidade de vida, mas sem um alcance dessa natureza, não sendo, por isso, de ter em conta, em sede de indemnização por dano biológico, as implicações na vida sexual do lesado, que devem ser ponderadas, antes, em sede de danos não patrimoniais.
VII. A indemnização deste dano biológico não deve ser calculada com base nas tabelas financeiras na medida em que o sobredito défice funcional genérico não implica incapacidade parcial permanente para o exercício dessa atividade, envolvendo apenas esforços suplementares.
VIII. E também não deve ser fixada com recurso às tabelas estabelecidas para efeitos de apresentação aos lesados de proposta razoável de indemnização, nos termos do Decreto-Lei nº 291/2007, de 21.08, por estas se destinarem a ser aplicadas na esfera extrajudicial, não sendo lícita a sua sobreposição ao critério legal da equidade previsto no artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil.
IX. Neste tipo de situações, a solução seguida pela jurisprudência deste STJ é a de fixar um montante indemnizatório por via da equidade, ao abrigo do disposto no artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil, em função das circunstâncias concretas de cada caso, segundo os padrões que têm vindo a ser delineados, atentos os graus de gravidade das lesões sofridas e do seu impacto na capacidade económica do lesado, considerando uma expetativa de vida ativa não confinada à idade-limite para a reforma.
A sentença fixou a indemnização, no que interessa, no valor total de 110.000€ (tendo em conta que o autor tem um défice funcional permanente de integridade físico psíquica fixável em 19 pontos e considerando este dano indemnizável como dano não patrimonial, fixou o quantum indemnizatório em 60.000€); o TRP de 27/06/2019 baixou a indemnização para 40.000€ [embora tenha escrito antes 45.000€] pelo dano de afectação físico-psíquica e para 30.000€ por danos não patrimoniais; O STJ revogou o acórdão recorrido na parte em que absolveu a ré do pedido de indemnização ao autor do dano para ele adveniente da perda de rendimentos durante o período em que esteve afetado de incapacidade temporária total, condenando-se a ré no montante que se vier a liquidar posteriormente, confirmando-o em tudo o mais.
9- Ac. do STJ de 20/02/2020, proc. 298/17.5T8BRG.G1.S1:
A sentença atribuiu 40.000€ a título de compensação do dano biológico e perda de capacidade de ganho futuro, e 25.000€ a título de compensação dos danos não patrimoniais; o TRG elevou para 60.000€ a indemnização do dano biológico e para 45.000€ a indemnização pelos danos não patrimoniais; o STJ manteve o acórdão recorrido.
10- Ac. do STJ de 23/04/2020, proc. 1456/16.5T8VCT.G1.S1:
I. A expressão “dano biológico” é usada pela doutrina e pela jurisprudência com intuito de superar a rígida distinção entre danos patrimoniais e danos não patrimoniais, que é desadequada à natureza e à unidade da pessoa humana.
II. O dano biológico é concebido como um dano com duas dimensões ou vertentes: patrimonial ou não patrimonial, consoante se materialize ou não em perdas de natureza económica.
III. A ressarcibilidade do dano biológico na sua vertente patrimonial (também designado “dano patrimonial futuro”) não depende da comprovada perda de rendimentos do lesado, podendo e devendo o julgador ponderar, designadamente, os constrangimentos a que o lesado fica sujeito no exercício da sua actividade profissional corrente e na consideração de oportunidades profissionais futuras.
Em síntese, o tribunal de 1.ª instância tinha condenado a seguradora a pagar uma indemnização de, à 2.ª autora, de 15.000€ por danos não patrimoniais; houve recursos de ambas as partes; o TRG condenou a ré a pagar à 2.ª autora mais 15.000€ pelo dano patrimonial futuro (houve outros autores e a situação repete-se quanto a eles; simplificou-se a síntese); a ré recorreu por entender que a indemnização por dano não patrimonial já tinha englobado o dano biológico/défice funcional [diz: a autora BB, que tem um défice funcional de 3 pontos, não exercia, à data do acidente, uma profissão remunerada, pelo que não está provado o dano patrimonial relativamente a ela; quanto ao maior esforço com que ela realiza a actividade doméstica depois do acidente, este já foi contemplado na indemnização por danos não patrimoniais fixada pela 1.ª instância e mantida pelo tribunal a quo]; o STJ manteve as duas condenações.
11- Ac. do STJ de 30/04/2020, proc. 6918/16.1T8VNG.P1.S1:
I – Os danos futuros decorrentes de uma lesão física não se reconduzem apenas à redução da sua capacidade de trabalho, já que, antes do mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental do lesado à saúde e à integridade física.
II – Quando o acidente reveste simultaneamente a natureza de acidente de viação e de trabalho, as indemnizações destinadas a ressarcir o mesmo dano não são cumuláveis, mas sim complementares.
III – A indemnização devida ao sinistrado a título de perda da sua capacidade de ganho, no regime jurídico das prestações por acidente de trabalho, não contempla a compensação do dano biológico, consubstanciado na diminuição somático-psíquica e funcional do lesado.
No corpo do acórdão escreve-se que “na jurisprudência dos nossos tribunais superiores, máxime do STJ, mostra-se consolidado o entendimento de que a limitação funcional ou dano biológico [no caso 15 pontos em 100], em que se traduz a incapacidade é apta a provocar no lesado danos de natureza patrimonial e também de natureza não patrimonial. E tem sido considerado que, no que aos primeiros respeita, os danos futuros decorrentes de uma lesão física não se reconduzem apenas à redução da sua capacidade de trabalho, já que, antes do mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental do lesado à saúde e à integridade física. Por isso mesmo, não deve ser arbitrada uma indemnização que apenas tenha em conta aquela redução.
É um dos acórdãos, dos que se estão a transcrever, que continua a dizer que a indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que se extinga no final do período provável de vida do lesado; e a falar no desconto da indemnização pelo facto ser paga de uma só vez.
O tribunal da 1.ª instância tinha condenado a ré a pagar 13.000€ por danos patrimoniais e 15.000€ por danos não patrimoniais; o TRP condenou em 35.000€ por danos patrimoniais – ou melhor: pelo dano biológico e pela perda de capacidade de ganho – (a ser reduzido do valor pago pela seguradora no âmbito dos mesmos danos por acidente de trabalho) e 25.000€ por danos não patrimoniais. O STJ, como se viu, revogou a redução e para além disso aumentou, para 60.000€, a indemnização pelo dano biológico, na vertente patrimonial; a nível dos danos não patrimoniais referiu “há que ter em consideração as intervenções cirúrgicas a que o autor foi submetido, os períodos de internamento, os tratamentos a que foi sujeito, o quantum doloris, o rebate sofrido em termos psicológicos, em virtude das lesões e sequelas de que ficou a padecer definitivamente, designadamente por não poder voltar exercer a sua profissão habitual. De igual modo, é de ponderar o sofrimento que lhe provoca a circunstância de, mesmo ao nível da sua vida pessoal, ter dificuldade em executar certas actividades quotidianas.”
12- Ac. do STJ de 05/05/2020, proc. 30/11.7TBSTR.E1.S1:
I- O dano biológico abrange um espectro alargado de prejuízos e incidentes na esfera patrimonial do lesado, incluindo a frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer actividades ou tarefas de cariz económico, mesmo fora da actividade profissional habitual, bem como os custos de maior onerosidade no exercício ou no incremento de quaisquer dessas actividades ou tarefas, com a consequente restrição de outras oportunidades de índole pessoal e profissional, no decurso de vida expectável.
II- O critério de indemnização do dano biológico, enquanto dano patrimonial futuro, perda de capacidade de ganho, ou maior penosidade no desempenho de actividade laboral, é o critério da equidade – art. 566/3 do CC.
III- No caso dos autos, o autor, em consequência do acidente ficou com um défice funcional de 5 pontos percentuais, que afectam os dois membros inferiores, e, consequentemente, o seu suporte e movimentação, e que são de molde a repercutir-se nos mais diversos aspectos da vida do dia-a-dia.
IV- Para além do acréscimo de esforço físico no desenvolvimento da sua actividade de trabalhador da construção civil, as lesões sofridas implicam também inegável redução da sua capacidade económica geral, mormente para se dispor ao desempenho de outras actividades concomitantes ou alternativas que, presumivelmente, ainda lhe pudessem surgir na área profissional, ao longo da sua expectativa de vida.
V- Considerando que o autor, à data da consolidação das lesões tinha 34 anos de idade, sendo a esperança média de vida estabelecida para os homens de 77,7 anos, parece-nos adequado e justo o valor de 25.000€ fixado pela Relação.
VI- As indemnizações devidas pelo responsável civil e pelo responsável laboral em consequência de acidente, simultaneamente de viação e de trabalho, assentam em critérios distintos e têm uma funcionalidade própria, não sendo cumuláveis, mas antes complementares até ao ressarcimento total do prejuízo causado ao lesado/sinistrado.
VII- A indemnização devida ao lesado/sinistrado a título de perda da sua capacidade de ganho, mesmo no caso de o autor ter optado pela indemnização arbitrada em sede de acidente de trabalho, não contempla a compensação do dano biológico, consubstanciado na diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na sua vida pessoal e profissional, porquanto estamos perante dois danos de natureza diferente.
VIII- A indemnização fixada em sede de acidente de trabalho tem por objecto o dano decorrente da perda total ou parcial da capacidade do lesado para o exercício da sua actividade profissional habitual, durante o período previsível dessa actividade e, consequentemente, dos rendimentos que dela poderia auferir.
IX- Assim, visando, com o capital de remição da pensão anual – pago como indemnização atribuída a título de acidente de trabalho – reparar apenas a perda de capacidade geral de ganho reportada à profissão habitual, sem que, portanto, se tenha tido em conta a perda dessa capacidade de ganho na totalidade das suas componentes, não há que deduzir à indemnização pela perda da capacidade de ganho/dano biológico a quantia já paga no processo acidente de trabalho.
O tribunal de 1.ª instância condenou a ré a pagar ao autor, a título de danos morais, 20.000€ e, a título de danos futuros (dano biológico), a quantia de 45.000€; O TRE reduziu para 25.000€ a indemnização fixada a título de danos patrimoniais futuros e ainda descontou neles o valor recebido pelo autor da mesma seguradora a título de acidente de trabalho.
O autor realçou, no recurso, que na data do acidente tinha 30 anos de idade, sofreu traumatismo craniano e fractura da perna direita, do que, após a consolidação, resultaram sequelas permanentes relativa a um joelho doloroso e limitação da flexão plantar da tibiotársica, determinantes de um défice funcional da integridade físico-psíquica de 5 pontos, sendo certo que exercia as funções de encarregado de 2.ª auferindo um vencimento global total de cerca de 900€, e que ao nível da repercussão permanente profissional as sequelas são compatíveis com o exercício da sua actividade profissional mas implicam esforços acrescidos, a que acresce ter na sua vida pessoal deixado de praticar a actividade de pesca desportiva e de fazer os seus rituais religiosos como fazia nas datas mais importantes e deixado de poder fazer actividades domésticas e lúdicas que antes praticava.
13- Ac. do STJ de 05/05/2020, proc. 224/13.0T2AND.P1.S1:
I- Afigura-se justa e adequada a indemnização de 25.000€, fixada pela Relação, ademais com referência implícita a 2013, a título de dano patrimonial futuro resultante de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 12 pontos, tendo a vítima 39 anos de idade a tal data e auferindo um rendimento médio mensal conhecido de 657€.
II – Afigura-se justa e adequada a indemnização de 35.000€, fixada pela Relação, ademais também com referência implícita a 2013, a título de dano não patrimonial dentro do seguinte enquadramento factual nuclear, decorrente de acidente de viação: (i) o lesado, que tinha a idade de 37 anos à data do acidente, sofreu traumatismo da coluna vertebral, na região cervical e crânio-encefálica, com perda (momentânea) de consciência; (ii) foi conduzido para o hospital, onde ficou em observação (tendo, porém, alta no mesmo dia); (iii) padeceu de cefaleias, náuseas, tonturas e parestesias das mãos; (iv) teve que ser submetido a consultas médicas e a TAC crânio-encefálico e da coluna cervical; (v) foi forçado a usar colar cervical durante cerca de 6 meses; (vi) apresenta sequelas ao nível da coluna cervical; (vii) apresenta um quadro neuropsiquiátrico caracterizado por sintomatologia angodepressiva, humor triste e depressivo, cefaleias, tonturas, desequilíbrios, irritabilidade fácil, tendência de isolamento, labilidade de atenção, sensação de prejuízos mnésicos e alteração do padrão normal do sono; (viii) teve e tem dores, valoradas no grau 4 numa escala de 7 graus de gravidade crescente; (ix) teve de se submeter a várias consultas e exames médicos, bem como a sessões de fisioterapia, que lhe causaram dores; (x) ficou a sofrer de ansiedade na condução.
14- Ac. do STJ de 19/05/2020, proc. 3907/17.2T8BRG.G1.S1:
I. Estando em causa danos futuros cujo valor exato não é passível de fixação, atentas as especificidades e vicissitudes que lhe são próprias, o seuvalor só pode ser fixado com recurso à equidade e dentro dos limites objetivos dados como provados, nos termos do disposto no art. 566/3 do CC, que não através de tabelas matemáticas, cuja utilização pode ter lugar apenas como mero auxiliar.
II. As tabelas financeiras constantes das Portarias, portarias 377/2008 e 679/2009 (que alterou aquela) apenas são aplicáveis na esfera extrajudicial.
III. O recebimento antecipado do capital justifica uma dedução baseada na equidade, tendo por referência os possíveis ganhos resultantes da aplicação financeira do capital antecipadamente recebido.
IV. Tendo em conta a actual situação do baixo rendimento do capital, é de aceitar como ajustada uma dedução situada à volta dos 10%.
VI. Tendo-se em consideração o rendimento médio mensal líquido de perto de 1000€, uma expetativa de vida de 57 anos, um défice de integridade físico-psíquica de 55 pontos e bem assim o facto de o referido défice impossibilitar a realização de algumas tarefas quotidianas e dificultar e tornar mais penosas a execução de outras, é de considerar como ajustada uma indemnização de 450.000 € como compensação do dano relativo à perda da capacidade de ganho e do dano biológico.
A sentença condenou a seguradora a pagar ao autor 320.056€ a título de danos patrimoniais [sem prejuízo da subtração das quantias já recebidas e/ou a receber entretanto pelo autor da chamada no processo de acidente de trabalho, designadamente a título de pensão anual e vitalícia] e 110.000€, a título de danos não patrimoniais; o TRG aumentou a indemnização por danos patrimoniais [referiu-se a perda da capacidade de ganho e dano biológico] para 500.000€ e manteve a previsão de subtracção.
15- Ac. do STJ de 21/05/2020, proc. 15593/15.0T8LSB.L1.S1:
I – A lesão corporal sofrida em consequência de um acidente de viação constitui em si um dano real ou dano-evento, designado por dano biológico, na medida em que afeta a integridade físico-psíquica do lesado, traduzindo-se em ofensa do seu bem saúde.
II – O dano biológico, decorrente do défice funcional permanente de integridade físico-psíquica, haja ou não perda de rendimentos, constitui sempre um dano patrimonial, como tal, indemnizável.
III – A medida dessa indemnização, na impossibilidade de fixar o valor exato do dano, deve ser encontrada através do recurso à equidade, nos termos enunciados no art. 566/3 do CC.
IV – No caso, a Relação ponderou na fixação do quantum indemnizatório devido a título de dano biológico, na sua vertente de dano patrimonial futuro, quer o défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 13,55% de que o recorrente ficou afetado como consequência do acidente que o vitimou, quer ainda a circunstância de o mesmo ter ficado impossibilitado de progredir na carreira em virtude das limitações físicas e de executar serviços gratificados, serviços esse que, embora não se inserissem na atividade profissional habitual que lhe estava cometida enquanto agente policial, estavam autorizados e o recorrente pretendia continuar a executar.
V – A Relação entendeu e bem que quer o valor dos serviços gratificados, quer as eventuais perdas de remuneração pela não progressão na carreira, deviam ser ponderados e incluídos, desde logo, na indemnização a fixar pelo dano patrimonial futuro por recurso à equidade. […]
No texto dá-se conta que […] Por acórdão de 11/10/2018, o TRL, na parcial procedência do recurso, condenou a ré no pagamento: Ao autor de 106.000€ a título de dano futuro, acrescidos de 35.000€ por danos morais. Foi a ré que recorreu; o recurso foi julgado improcedente.
No texto do acórdão do STJ escreve-se: “contemplando o dano biológico, […] um espectro alargado de prejuízos incidentes na esfera patrimonial do lesado, desde a perda do rendimento total ou parcial auferido no exercício da atividade profissional habitual até à frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer outras atividades ou tarefas de cariz económico, passando ainda pelo malogro do nível de rendimentos expectáveis (quer como contrapartida daquela atividade habitual, quer de outras que o lesado pudesse desempenhar) […]”
*
Posto isto,
Quanto ao período até à consolidação das lesões, isto é, até à fixação do défice (de 6%) funcional da integridade física, ou ainda de outro modo, relativamente às incapacidades temporárias (que foram acrescentadas agora no ponto 16 dos factos provados), que seriam lucros cessantes, a sentença está correcta: a autora não tem direito à sua indemnização a título de dano patrimonial, por não se provar qualquer consequência a esse nível. A autora não provou que estivesse a trabalhar ou que tivesse sido por causa do acidente que o tivesse deixado de fazer.
Quanto ao défice funcional permanente de 6%, ele é um dano a que a autora tem direito e que não foi considerado pela sentença (o acórdão do STJ invocado pela ré, de 2019, proc. 3341/15.9T8LRA.L1.S1, diz respeito a um caso de intermediação financeira).
Mesmo no caso em que não se descortine a existência de consequências patrimoniais desse défice, sempre o dano biológico sofrido pela autora naturalmente determinaria a necessidade de esforços acrescidos, não só para a execução das tarefas profissionais, mas também domésticas ou pessoais, merecendo por isso compensação. Ou seja, nesse caso, entende-se que a diminuição da capacidade de ganho não é requisito necessário da verificação do dano biológico susceptível de ser indemnizado autonomamente, isto é, para além dos danos não patrimoniais com a indemnização já fixada pelo tribunal recorrido.
Tendo em conta, por força dos artigos 496/4 e 494 do CC, (i) a idade da autora e a sua esperança de vida (cerca de + 55 anos à data da consolidação do défice); (ii) os 6% do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica; (iii) que esse défice terá influência negativa em todas as actividades que a autora possa vir a exercer; (iv) a ausência de culpa da autora; e (v) e a proximidade relativa com os casos dos acórdãos 1, 2, 3, 6, 10, 11 e 12; a indemnização é fixada em 20.000€
Por fim, e tendo em conta a argumentação da ré, diga-se que a sentença é clara no sentido de que não considerou como dano autónomo susceptível de ser indemnizado o dano biológico ou défice funcional de que a autora ficou a padecer, pelo que o valor de 20.000€ agora atribuído a esse título não está englobado no valor de 28.000€ atribuídos pela sentença recorrida aos danos não patrimoniais ali valorados.
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Pelo exposto, julga-se o recurso procedente, revogando-se a sentença quanto à absolvição da ré da indemnização pelo dano biológico ou défice funcional de que a autora ficou a padecer e, em sua substituição, nessa parte, condena-se a ré a pagar à autora a indemnização de 20.000€, com juros de mora nos termos da condenação subsistente.
Custas, na vertente de custas de parte, pela ré na proporção do decaimento (a autora está dispensada delas por apoio judiciário).
Lisboa, 05/11/2020
Pedro Martins (parcialmente vencido, conforme declaração de voto que consta a final).
1.º Adjunto
2.º Adjunto
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Declaração de voto:
Embora relator, voto parcialmente vencido, nos termos que seguem:
Quanto aos factos:
Como se vê da transcrição que se fez da sentença recorrida, esta aceitou as conclusões do relatório pericial e deu como provados alguns factos na fundamentação de direito com base nesse relatório pericial.
Nas conclusões do relatório pericial consta que a autora ficou com um “Défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 6 pontos” e que “As sequelas descritas, em termos de repercussão permanente na actividade profissional, são compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares.”
A sentença recorrida diz expressamente “[…C]onsiderou-se, quanto aos danos físicos e psíquicos, o já referido relatório pericial constante dos autos, complementado pelo depoimento das médicas que o elaboraram. Daquele relatório (fls. 98 e seguintes), foi possível retirar, quer a identificação das lesões e/ou sequelas relacionadas com o evento, quer a quantificação dos períodos de défice funcional da sinistrada, temporário e permanente, e ainda dano estético, bem como do quantum doloris. […F]inalmente, o mesmo relatório afastou a existência de dano futuro, embora admitindo a possibilidade de esforços suplementares no exercício da actividade profissional habitual. […].”
Perante isto, a autora não tinha razões para impugnar a decisão da matéria de facto, pois que sabia que o défice funcional tinha sido consignado na fundamentação de direito da sentença, e que na fundamentação de facto se fazia referência ao relatório pericial donde constava a referência aos esforços suplementares.
De qualquer maneira, a autora teve o cuidado de referir expressamente o facto e de fazer referência ao elemento de prova, o que sempre poderia ser visto com a impugnação implícita da decisão, quanto àquele facto (a implicação de esforços suplementares), caso se considerasse que ele não tinha sido dado como provado.
A ré, contra a argumentação da autora respondeu que, a propósito da perícia médico-legal realizada nos presentes autos, se concluiu que “na situação em apreço não é de perspectivar a existência de dano futuro”, nada dizendo, naturalmente, contra a necessidade de esforços suplementares.
Tendo tudo isto em conta considero que o acórdão, para além do que consta agora do ponto 15 dos factos provados [: A autora ficou com um défice funcional permanente na integridade físico-psíquica de 6 pontos em 100] devia ter acrescentado aquilo que a perícia médico-legal, que ninguém pôs em causa, considerou provado. Isto com a ressalva da referência à actividade profissional que, essa sim, não foi dada como provada.
Ou seja, o acórdão devia ter acrescentado ao ponto 15 dos factos provados: “Este défice é compatível com o exercício da actividade habitual, mas implica esforços suplementares.”
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Mesmo sem esta alteração nos factos provados (a parte final do ponto 15), considero que um défice funcional na integridade física de uma pessoa tem sempre necessária incidência na sua capacidade geral de ganho. A autora tem toda a razão em dizer o que diz a este propósito, e que aqui se põe assim: com um défice de 6% no seu corpo, que é a sua força de trabalho, a autora poderá conseguir produzir os mesmos bens e, por isso, poderá vir, no futuro, a receber o mesmo pagamento que poderia receber sem o défice, mas tal implicará sempre um esforço acrescido da sua actividade física, que se vai repercutindo no seu dia-a-dia (mais cansaço e menos disponibilidade para outras actividades) e no seu futuro mediato (uma reforma antecipada, uma diminuição de potencialidades profissionais, etc.).
Quanto a estas inerentes e necessárias consequências patrimoniais do défice funcional atribuiria (com equidade, ao abrigo do art. 566/3 do CPC), não os 20.000€ que o acórdão atribui ao défice funcional, mas uma indemnização de 40.000€.
Isto tendo em conta os valores atribuídos nos casos dos acórdãos do STJ de 06/12/2017, proc. 559/10.4TBVCT.G1.S1 (3), e de 01/03/2018, proc. 773/07.0TBALR.E1.S1 (4), a que dou especial relevo porque a indemnização foi fixada com um juízo próprio do STJ, não se limitando a ser uma confirmação do decidido pelos acórdãos recorridos, sendo que o caso do acórdão de 2017 é pelo menos 2 vezes menos grave que o caso dos autos, e o caso do acórdão de 01/03/2018 é cerca de 9 vezes mais grave do que o dos autos. (note-se, como outros exemplos, que o caso do acórdão de 25/05/2017, invocado pelo acórdão 4, não se pode considerar de gravidade 4 vezes superior ao caso dos autos e, apesar disso, o STJ, de novo em juízo próprio, fixou a indemnização em 170.000€; e o caso do acórdão 15, acórdão de 21/05/2055, não se pode considerar de gravidade muito superior a 2 vezes da dos autos e, no entanto, a indemnização pelo défice foi de 106.000€).
O facto de a autora ter repartido o valor de 40.000€ por duas parcelas de danos patrimoniais de 20.000€, não é limitativo do valor a atribuir por uma delas desde que não se ultrapasse o valor global indicado.
Pedro Martins