Reparação provisória – Cascais – Inst. Local – Secção Cível

            Sumário:

           I – A possível contradição entre afirmações de facto dadas como provadas e outras dadas como não provadas – o que, de qualquer modo, não é o caso dos autos – não dá origem à nulidade da sentença (art. 615/1-c do CPC), mas sim a um vício previsto e solucionado no art. 662 do CPC.

              II – A renda mensal fixada a título de reparação provisória do dano (art. 388/1 do CPC) deve corresponder apenas à percentagem de perda de capacidade aquisitiva do lesado (no caso: 10%) e não ao valor dos rendimentos que o lesado auferia antes do evento lesivo.

            Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:

            A veio intentar providência cautelar de reparação provisória, alegando que ficou, por força de acidente de viação da exclusiva responsabilidade de segurado da requerida, impossibilitado de trabalhar e de angariar proventos/rendimentos que lhe permitam proceder ao pagamento das suas mais elementares despesas, nomeadamente de alojamento e alimentação; pede que lhe seja fixada uma renda mensal de 1200€, pagamento de valores retroactivos desde Janeiro de 2016, pagamento de despesas médicas e medicamentosas, actualização desses valores tendo em conta a progressão de vencimentos do requerente e a taxa de inflação; alegou os factos conducentes a tais pedidos.

       A requerida contestou, impugnando parte dos factos e a existência dos pressupostos do direito à reparação provisória, concluindo que não deve ser atribuída tal compensação ou que a mesma não deve ter o montante pedido, por ser exagerado.

            Depois de realizada a produção de prova, foi proferida sentença fixando em 530€ a renda mensal, como reparação provisória, a pagar pela requerida ao requerente, vencendo a primeira renda no 1º dia do mês subsequente à data da dedução do pedido, e absolvendo a requerida do demais pedido.

            A seguradora veio recorrer desta sentença – para que seja revogada e substituída por outra que a absolva do pedido -, arguindo a nulidade da mesma, impugnando alguns dos factos dados como indiciariamente provados e pondo em causa o valor achado para a renda mensal, sendo estas as questões a decidir.

            O requerente contra-alegou dizendo que o recurso devia ser julgado improcedente.

                                                      *

            O tribunal recorrido considerou indiciariamente provados os seguintes factos (transcrevem-se apenas aqueles que podem ter interesse para a decisão das questões a decidir, não aqueles que têm a ver como o acidente se deu, pois que a requerida assumiu a responsabilidade dos danos causados):

         1 – No dia 06-04-2015, na Rua X, ocorreu um acidente de viação.

       2- Foram intervenientes neste acidente o veículo ligeiro de passageiros com matrícula xx, segurado na requerida, através de contrato titulado pela apólice xx, e o veiculo ligeiro de passageiros com matricula yy, segurado na Y, por contrato de seguro titulado pela apólice xx, tendo ficaram feridos o condutor e o passageiro de veiculo com matrícula yy, que foram transportados pelos Bombeiros Voluntários ao Hospital Z.

             […]

     13 – Na requerida corre processo de sinistro nº xx, sendo que ela assumiu a responsabilidade pelo sinistro, tendo indemnizado os danos da viatura.

         14 – A requerida foi interpelada para indemnizar o requerente em 17-07-2015 e para fazer adiantamento e indemnização provisória, por o sinistrado não poder trabalhar.

       15 – O requerente teve que intentar uma primeira providência para receber um adiantamento de 5000€ até Janeiro de 2016.

         16 – Desde Janeiro de 2016 que a requerida nada pagou ao requerente.

        17 – A requerida avaliou o requerente e entende que o mesmo tem lesões permanentes que avalia em 10 pontos ou 10%, tendo-o dado como curado com tal desvalorização em 01-02-2016.

         18 – Após o acidente o sinistrado foi transportado ao Hospital onde foi admitido com a indicação de grande traumatismo – contusão do tronco e foi assistido e fizeram-lhe raio X, análises e exames.

         19 – Após a avaliação inicial o sinistrado foi diagnosticado com dor e hematomas, hérnia lombar, encaminhado para o médico de família.

         20 – O requerente continuou com dores [e] limitações de mobilidade.

     21 – O requerente passou a ser assistido pelos serviços clínicos da requerida, na Clínica X.

         22 – O requerente teve em tratamentos na Clínica X desde 01-06-2015 e até ao final de Janeiro de 2016.

        23 – O requerente foi operado no dia 07-07-2015 e esteve internado na Clínica X até 10-07-2015.

      24 – O sinistrado/requerente esteve de baixa pelo médico da seguradora até final Janeiro de 2016.

         25 – O requerente perdeu a capacidade de flexão da coluna e continua a ter dores na coluna.

         26 – O requerente continua com os movimentos limitados pelas dores na coluna e tem falta de força.

         27 – Não pode executar os movimentos necessários à ocupação de mecânico, onde fazia biscates, antes do acidente. [este ponto passará a ter a seguinte redacção face ao que se decidirá mais à frente: O requerente tem dificuldades e limitações em executar todos os movimentos necessários à ocupação de mecânico, onde fazia biscates, antes do acidente.]

         28 – A postura do requerente alterou-se, tendo passado a ter uma postura ligeiramente inclinada.

         29 – O requerente tem que tomar medicamentos para as dores, nomeadamente, exxiv 90 mg, tramadol, valdispert e paracetamol [este ponto passará a ter a seguinte redacção face ao que se decidirá mais à frente: O requerente tem que tomar medicamentos para as dores, nomeadamente, exxiv 90 mg, tramadol-paracetamol, e outros, como o valdispert.]

         30 – O requerente tentou voltar a receber tratamento mos serviços clínicos da requerida, mas quando o médico, Dr. CB, lhe deu alta, foi-lhe dito para ir ao médico de família e da Segurança Social que passaria a segui-lo.

         31 – Na sequência das lesões sofridas no acidente, o requerido ficou afectado de limitação para executar trabalhos mais pesados, necessitando do apoio de familiares e dos vizinhos para fazer face às suas despesas diárias.

         32 – O requerente vivia e vive numa casa com outros emigrantes.

         33 – O requerente não recebe qualquer pensão ou outro subsídio.

         34 – Antes do acidente o requerente fazia biscates em oficinas, de apoio a um casal de idosos e de jardinagem, tirando daí o rendimento para fazer face às suas despesas, não tendo podido apurar-se o montante desse rendimento mensal.

         35 – O requerente era um homem saudável, activo e trabalhador e ficou com uma incapacidade, que a requerida reconhece mas que carece de ser melhor avaliada.

         36 – O requerente ficou psicologicamente afectado, isolou-se, deixou de trabalhar.

                                                      *

  I

Da nulidade da sentença

            Diz a requerida nas conclusões 1 a 4:

1. Da selecção da matéria de facto apurada após produção de prova e considerada na sentença, resulta uma ambiguidade que não permite perceber a decisão, designadamente os fundamentos da mesma, estando a decisão, necessariamente, em oposição com os mesmos.

2. Entende o tribunal a quo simultaneamente que o requerente: [a seguradora transcreve aqui os pontos de facto provados sob 27 e primeira metade de 31, até à segunda vírgula, e os pontos 2 e 5 dos factos não provados, que são os seguintes: 2 – As lesões ortopédicas que lhe advieram do acidente representem incapacidade total para a actividade laboral; 5 – O sinistrado não possa executar todo e qualquer trabalho, pois está doente].

3. Face a esta ambiguidade e tendo em conta que a decisão de mérito se subsume em larga medida à matéria fáctica apurada no decorrer da audiência, é pois por demais evidente que os fundamentos de facto, mesmo aqueles e no presente caso especialmente, aqueles que foram julgados de forma negativa, não permitem sindicar a decisão final.

4. Esta evidente ambiguidade da matéria de facto, faz com a sentença esteja ferida na sua validade, na medida em que se encontra em objectiva e evidente oposição com a matéria de facto julgada como não provada, leia-se fundamentos, estando assim preenchido o requisito imposto pelo art. 615/1-c do CPC, o que acarreta a nulidade da sentença.

            O requerente diz que a requerida não tem razão.

*

            É evidente que a seguradora não tem razão.

            Por um lado, porque o dar-se uma afirmação de facto como não provada, não é igual a dar-se como provada a afirmação de facto contrária.

            Basta ter isto em atenção, para ser absolutamente evidente que não há qualquer contradição entre os factos dados como indiciariamente provados em 27 e 1ª metade de 31, e as afirmações de facto não dadas como provadas em 2 e 5.

            Aliás, nem sequer é preciso usar tal regra: da confrontação das afirmações de facto dadas como provadas em 27 e na 1ª metade de 31, com aquilo que consta como afirmações de facto que não se tiveram como provadas em 2 e 5, logo resulta que não há qualquer contradição entre elas, desde que se tenha em conta que umas são afirmações provadas e outras afirmações não provadas.

            Por outro lado, a eventual contradição entre afirmações de facto provadas e não provadas, seria fonte geradora de vício na decisão da matéria de facto, situação prevista e solucionada no art. 662 do CPC, e não da sentença, situação prevista e solucionada no art. 615 do CPC.

            Assim, por exemplo, o acórdão do TRC de 20/01/2015, 2996/12.0TBFIG.C1:

         “[…]

         II – Apesar de actualmente o julgamento da matéria de facto se conter na sentença final, há que fazer um distinguo entre os vícios da decisão da matéria de facto e os vícios da sentença, distinção de que decorre esta consequência: os vícios da decisão da matéria de facto não constituem, em caso algum, causa de nulidade da sentença, considerado além do mais o carácter taxativo da enumeração das situações de nulidade deste último acto decisório.

         III – Realmente a decisão da matéria de facto está sujeita a um regime diferenciado de valores negativos – a deficiência, a obscuridade ou contradição dessa decisão ou a falta da sua motivação – a que corresponde um modo diferente de controlo e de impugnação: qualquer destes vícios não é causa de nulidade da sentença, antes é susceptível de l[evar] à actuação pela Relação dos seus poderes de rescisão ou de cassação da decisão da matéria de facto da 1ª instância (art. 662/2, c) e d) do nCPC). […]”.

            E as coisas não passam a ser diferentes pelo facto de a seguradora distorcer a base de facto da decisão: os fundamentos de facto da sentença são as afirmações de facto dadas como provadas e não as afirmações de facto não dadas como provadas, como aliás decorre claramente do n.º 3 do art. 608 do CPC. As afirmações de facto dadas como não provadas são apenas parte da decisão da matéria de facto que, por razões formais, consta da sentença, mas que podia não constar, como sempre aconteceu até à reforma do CPC de 2013.

                                                                                     II

Da impugnação da decisão da matéria de facto

            Segundo a seguradora, não se deviam ter dado como provadas as afirmações de facto constantes dos pontos 27, 29 e 31.

            Isto, quanto ao 27 – [o requerente] não pode executar os movimentos necessários à ocupação de mecânico, onde fazia biscates, antes do acidente pelo seguinte:

         [N]ão há prova produzida que sustente o mesmo, aliás, a prova produzida e atendível, do ponto de vista da requerida, até vai noutro sentido.

         Sobre este facto e com algum conhecimento de causa, depuseram as testemunhas, CB, médico da especialidade de ortopedia e MN.

         Este último, no seu depoimento, afirmou que o requerente, maioritariamente trabalhou para o mesmo a fazer serviços de “governanta” na casa dos seus pais, ou seja, que ia ao pão, passeava os cães e tratava do jardim.

         Atente-se que tal trabalho, seria prestado sempre numa vertente de “biscate”, trabalhava quando havia trabalho.

         O mesmo se terá passado na actividade a que a testemunha, sem prova, afirmou dedicar-se, ou seja, automóveis.

         A testemunha em causa, terá (?) uma oficina onde, esporadicamente o requerente lhe presta e prestava alguns serviços. Sendo que para a presente questão, basilar é o facto de que a testemunha, no seu depoimento gravado em acta no dia 11.07.2016 das 11:19.51 a 11:38:04, afirmou, entre o minuto 17:55 e 17:57 da gravação que o requerente às vezes aparece lá e “eu vou-lhe dando uma coisa ou outra”.

         Pelo menos para esta testemunha, alguma capacidade para executar trabalho de oficina automóvel (mecânico) a testemunha tem.

         Mas mais importante que este depoimento é o depoimento do Dr. CB, medico especialista em ortopedia que fez a avaliação inicial e final do requerente, no âmbito do processo interno da requerida, que afirmou que o requerente, pese embora padeça de uma incapacidade permanente parcial, a mesma não é idónea a colocá-lo numa situação de incapacidade absoluta para o trabalho habitual e muito menos para colocá-lo numa situação de incapacidade absoluta para todo e qualquer trabalho.

         Do minuto 04.35 a 04:56, da gravação em acta do dia 11.07.2016 das 10:03:16 às 10:13:10, a testemunha, Dr. CB referiu o seguinte:

         ADV: A incapacidade não é de forma alguma razão para ele não trabalhar?

         R: de forma nenhuma.

         ADV: E se o Sr. trabalhar como mecânico?

         R: de forma alguma.

         ADV: e jardineiro?

         R: também não.

         ADV: e motorista?

         R: nada,

         ADV: Ou seja, pode exercê-las?                    

         R: Pode ter crises, pode ter momentos em que esteja mais sensibilizado com as dores e alturas em que esteja praticamente bem sem dores e sem qualquer problema.

         Esta posição do clinico inquirido é ainda mais clara quando o mesmo no depoimento gravado em acta no dia 11.07.2016, das 10:17:40 a 10:33:21, do minuto 6:50 a 06:54, refere que “é natural que ele tenha queixas, agora essas queixas não lhe dão de forma nenhuma, incapacidade para o trabalho.”

         Mais claro ainda foi quando, após insistência do mandatário do requerente, respondeu, conforme gravação em acta do dia 11.07.2016, das 10:33:23 a 10:41 :45, da seguinte forma:

         – Minuto 2:16 a 2.19:

         ADV: Uma pessoa que tenha a profissão de mecânico pode exercer a mesma profissão?

         R: Obviamente que sim Sr. Dr.

         – Minuto 2:38 a 2:40:

         ADV: Pergunto-lhe actividades na Construção Civil, indiferenciadas?

         R: Igual.

         – Minuto 2:43 a 2:45:

         ADV: E como jardineiro?

         R: Também, sim.

         Clinicamente, da prova produzida não resulta que o requerente padece de qualquer incapacidade total para o trabalho, sendo que não se pode sequer falar em trabalho habitual uma vez que se desconhece qual era o trabalho habitual para o requerente.

         Aliás e conforme melhor adiante se irá explanar, a relevância deste facto para a decisão do presente procedimento cautelar até é, de facto, mínima, pois não ficou provado que fosse esta a actividade a que o requerente se dedicava, exercia. Ora, se assim é, mesmo que ele não tivesse condições para ser mecânico, nenhuma prova indicia que o mesmo não tenha capacidade para executar qualquer outro trabalho, seja ela qual for, o que desde logo faz cair por terra a alegação de que os danos que sofreu não lhe permitem trabalhar e por essa via sustentar-se.

         O presente facto foi categórica e objectivamente contrariado pelo depoimento do Dr. CB, médico da especialidade de ortopedia, que teve contacto directo com o requerente e que conhece toda a evolução da lesão que o mesmo sofreu em consequência do acidente dos autos. Aliás, depoimento esse que não mereceu qualquer reserva por parte do tribunal a quo.

            O requerente responde que (transcreve-se todo o corpo das suas contra-alegações, na impossibilidade de fazer distinções nele relativamente a cada parte do recurso da requerida; nas outras partes deste acórdão, remeter-se-á para esta transcrição, quando necessário):

  1. A requerida fundamenta o seu recurso no depoimento do Dr. CB, que teria conhecimento de todo o processo do clínico do sinistrado e o teria acompanhado o lesado.
  2. O Dr. CB não tratou o sinistrado, antes avaliou o mesmo (minutos 6).
  3. O Dr. CB presta serviços à requerida (minutos 7).
  4. O Dr. CB apenas teve contacto com o sinistrado duas vezes (minutos 7.30) para o avaliar.
  5. No entanto, o Dr. CB e a requerida afirmam que apesar de o sinistrado ter uma incapacidade de 5%, de certeza que as baixas do médico de família nada tem a ver com o acidente.
  6. O sinistrado tem objectivamente 3 hérnias, com um nexo causal assumido (minutos 14.30), e um agravamento resultante do acidente.
  7. O Dr. CB não põe em causa o seu colega do SNS a indicar que o sinistrado padece de incapacidade temporário, sendo a baixa médica um documento idóneo (minutos 7 20160711103323_3792534_2871347).
  8. Ou seja, neste processo há que valorar a opinião do Dr. CB face à prova documental e à restante prova testemunhal.
  9. Há que enquadrar a actuação do Dr. CB e valorar o seu depoimento.
  10. Em Portugal cabe às Seguradoras as tarefas de pagar as indemnizações, prestar a assistência médica, definir a situação clínica e avaliar os sinistrados.
  11. O modelo português de regularização de sinistros com danos corporais, e o caso de acidentes de trabalho e de acidentes de viação em particular, atribui estas competências, algumas incompatíveis entre si, à requerida.
  12. A requerida exerce tais competências através de serviços médicos próprios ou clínicas privadas com as quais contrata a prestações dos serviços, que a si lhe cabe prestar. É o caso do Dr. CB.
  13. Ao contrário de países como a Alemanha, onde o tratamento e a avaliação clínica é feita por médicos independentes à escolha do sinistrado, o regime nacional impõe ao sinistrado o médico escolhido pela seguradora, que por vezes é mais médico da seguradora que do sinistrado.
  14. Por isso o requerente é também seguido pelos médicos do SNS, que ao contrário do médico da requerida, confirmam a sua incapacidade.
  15. Os médicos da requerida atribuirão 5 pontos, ou 5% de dano permanente e dizem que o requerente já tinha problemas anteriores e que os mesmos não tem nexo causal com o acidente.
  16. Tendo em conta o estado do sinistrada descrito nos artigos anteriores, este ficou impossibilitada de trabalhar, facto atestado pelo SNS.
  17. De facto, o requerente é uma pessoa humilde que, em virtude do acidente, ficou com graves problemas sociais.
  18. De facto, a vida do requerente não era fácil, mas com uma incapacidade de 5% dores, mal estar, etc., ficou muito pior, física, psíquica e emocionalmente. Isto estará assente e é notório…
  19. Só mesmo um médico de “mais médico da seguradora que do sinistrado” pode escrever que um agravamento de 5 pontos de IPP não o impede com certeza de trabalhar numa ocupação de esforço como é ser mecânico…
  20. À data do acidente o sinistrado trabalhava e ganhava a sua vida.
  21. Após o acidente o sinistrado não pode mais trabalhar.
  22. Deixando de ganhar qualquer valor.
  23. A requerida alega que há uma contradição e ambiguidade nos factos provados.
  24. Ora tal ambiguidade decorre da contradição da opinião do Dr. CB, que é pago pela requerida que observou o sinistrado 2 vezes e o médico de família do SNS, que é um médico isento que emite certificados com fé pública.
  25. De facto, o tribunal tentou colmatar esta contradição dando como provado que o sinistrado tem decerto uma IPP considerável na em virtude de hérnias na coluna, que a mesma o impede de fazer trabalhos pesados como aqueles que o requerente fazia.
  26. De facto, a requerida pega em frases soltas e tenta fazer passar que o lesado ficou apenas com a IPP que o Dr. CB entendeu e que pode trabalhar como mecânico, jardineiro ou outros trabalhos braçais a 95%… (100-5=95)
  27. A testemunha SL a minutos 9 esclareceu que o sinistrado não se pode por debaixo de um carro com a coluna neste estado… (minutos 9)… é algo evidente que causa que o lesado fique nervoso e perturbado (minutos 9.30 e 10.30) o sinistrado anda torto (minutos 11.50).

            Decidindo:

            O ponto de facto 27 divide-se em duas afirmações de facto com interesse:

            – antes do acidente o requerente fazia biscastes na ocupação de mecânico;

            – o requerente não pode [depois do acidente] executar os movimentos necessários à ocupação de mecânico.

            Quanto a estas afirmações de facto, disse o tribunal recorrido na parte da fundamentação da convicção que lhes diz respeito:

         Considerou-se, ainda, o depoimento das testemunhas indicadas pelas partes, que depuseram de forma clara e isenta e de modo a convencer o tribunal da veracidade dos seus depoimentos.

         A testemunha CB, médico ortopedista que, após o acidente, a pedido da requerida fez uma avaliação inicial e uma avaliação final ao requerente, referiu que […] o requerente se mostra curado desde 01.02.2016 (data em que lhe deu alta), com a incapacidade de 10 pontos […]. […] ficou com algumas limitações, especialmente para fazer esforços acrescidos, podendo ter crises dolorosas, mas pode trabalhar.

         As testemunhas SL (namorada do requerente) e SM (pessoa que aluga o quarto ao requerente) referiram que […] sabem que ele agora tem dificuldades em fazer trabalhos que fazia antes do acidente, por não poder carregar pesos ou dobrar as costas.

         A testemunha MN […] referiu que o requerente fazia biscates na sua oficina e noutras, sendo que neste caso deixou de prestar serviços de mecânica por se queixar de dores, ter dificuldade em estar dobrado […].

         A testemunha SA, irmão do requerente, referiu que […] antes do acidente o irmão trabalhava em biscates e que depois do acidente não consegue trabalhar porque tem dores. Diz que o irmão […] não pode fazer os mesmos trabalhos que fazia antes do acidente porque não pode levantar pesos. […]

            Ora, quanto à primeira afirmação de facto, aquilo que foi dito pelas testemunhas do requerente referidas pelo tribunal recorrido não deixam dúvidas de que corresponde à realidade, pelo que se pode dizer que está indiciariamente provada.

            As referências às testemunhas do requerente – aqui e mais abaixo também para os outros pontos impugnados (ou seja, para biscates como mecânico, dificuldades e limitações para a realização destes biscates, dores, medicamentos, toma deles, e limitações para a execução de trabalhos forçados) – resulta do que foi por eles dito nas passagens seguintes dos respectivos depoimentos:

            – namorada: ficheiro de 11/07/2016, 10:43:04 = 20160711104304, [os ficheiros foram enviados ao relator do acórdão por correio electrónico]; 2:58 a 3:08, 3:52 a 4:04; 4:47 a 4:50; 6:04 a 6:11; 7:30 a 7:33 a 9:10; 10:05 a 10:58; 11:10 a 11:17; 11:44 a 11:57; a instância da requerida: 13:13 a 13:58; 16:36 a 16:46; 17:35 a 17:40.

              – “senhoria”: ficheiro 11/07/2016, 11:38:43: 01:50 a 01:56, 2:45 a 3:34, 3:58 a 4:08, 4:30 a 4:56, 5:17 a 5:54, 6:56 a 7:30];

              – dono de uma oficina, ficheiro 20160711111950 ou 11/07/2016, 11:19:50: 2:11 a 3:00, 3:09 a 3:39, 4:38 a 5:25, 6:05 a 7:14, 11:31 a 13:31; a instâncias da requerida: 14:13 a 15:25, 16:54 a 16:56, 17:15 a 18:01]

              – irmão do requerente: ficheiro de 11/07/2016, 11:02:41: passagens, por exemplo, 2:08 a 3:06: 3:53 a 5:05; 6:07 a 6:25; 6:44 a 6:46; 8:57 a 9:21.

            Quanto à segunda afirmação tem de se reconhecer que, realmente, nenhuma testemunha do requerente disse o suficiente – e muito menos revelando razão de ciência para o efeito – para convencer que o requerente não possa executar [todos] os movimentos necessários à ocupação de mecânico. O que elas referem, no fundo, é dificuldade e limitação na realização desses movimentos, ou melhor, segundo se percebe, de alguns desses movimentos (carregar e levantar pesos pesados, meter-se [deitado] ou estar [mesmo de pé] debaixo de um carro ou inclinado/dobrado para um carro).

            O requerente implicitamente invoca a seu favor os certificados de incapacidade temporária para o trabalho que foram emitidos pelo médico da segurança social, reportados ao período de 13/01/2016 a 23/07/2016, à excepção do período de 24/02/2016 a 25/03/2016, de fls. 45 a 49 e 75. Mas o requerente nem sequer tenta rebater a argumentação da decisão da matéria de facto, que afastou o valor desses atestados, quando escreveu o seguinte: “Também não se deu relevância aos documentos de fls. 45 a 49 e 75, por deles resultar que o requerente se encontra(va) de baixa médica nos períodos aí referidos, por “doença directa”, não podendo concluir-se que a causa de tais baixas foram os danos resultantes do acidente dos autos.” A verdade é que estes certificados provariam de mais, se dissessem respeito às consequências das lesões provocadas pelo acidente: o requerente nem sequer poderia conseguir trabalhar, quando as testemunhas do requerente o que sugerem é antes a incapacidade para o trabalho pesado ou movimentos exigentes da coluna.

            Em suma, o que para já está indiciado é a dificuldade e limitação da execução de biscates de mecânico e outro trabalho pesado (que releva para o ponto 31, mais à frente), não a impossibilidade de todo esse trabalho. É certo, de qualquer modo, que essa limitação poderá ser mais grave do que a que parece decorrer dos 10% de incapacidade, mas, para já, não há prova indiciária disso.

            Mas quanto a isto (dificuldades e limitações), não há quaisquer dúvidas, tanto mais que a requerida nem sequer pôs em causa os pontos de facto 25, 26 e 28: O requerente perdeu a capacidade de flexão da coluna e continua a ter dores na coluna e os movimentos limitados pelas dores na coluna e tem falta de força e a sua postura alterou-se, tendo passado a ter uma postura ligeiramente inclinada.

            Assim, nessa parte, o que se deverá dizer é que o requerente tem dificuldades e limitações em executar todos os movimentos necessários à ocupação de mecânico. 

            E assim, sendo parcialmente procedente a impugnação, o ponto 27 deve ficar com a seguinte redacção:

         27 – O requerente tem dificuldades e limitações em executar todos os movimentos necessários à ocupação de mecânico, onde fazia biscates, antes do acidente.

            Note-se que não se diz que o requerente só fizesse biscates de mecânico, como logo resulta também do ponto 36 dos factos provados.

*

              Quanto ao facto provado sob 29 – o requerente tem que tomar medicamentos para as dores, nomeadamente, exxiv 90 mg, tramadol, valdispert e paracetamol – a requerida diz:

         Sobre este facto cumpre esclarecer que, pese embora a documentação junta indicie a toma dos medicamentos mencionados no facto em causa, a verdade é que tal toma não foi de forma alguma corroborada por qualquer testemunha.

         Nenhuma testemunha verbalizou específica e directamente que o requerente tome ou tomava os medicamentos descriminados no facto em causa, muitos menos a periocidade dos mesmos.

         Mais, não há por parte de nenhuma testemunha, nem de qualquer documentação o necessário nexo de causalidade entre a toma de tais medicamentos e a lesão de que o requerente é portador, salientando-se no entanto que, claramente, o medicamento Valdíspert, não é indicado para combater quaisquer dores.

         Nenhuma prova atendível foi feita para que fosse dada como provada a toma de tais medicamentos.

         Por outro lado, também não resultou provado que o requerente tomasse tais medicamentos todos os dias, mensalmente ou anualmente, sendo que tal aferição seria sempre da maior importância para o que se encontrava em discussão nos autos.

         Finalmente, não houve qualquer prova que estabelecesse a necessária ligação entre a toma (eventual) de tais medicamentos e a lesão que o requerente sofreu em consequência do sinistro dos presentes autos.

         Nenhuma testemunha com reais conhecimentos de ciência depôs em qualquer dos três sentidos supra indicados, não se podendo aceitar por isso que, com base em meras receitas e recibos de medicamentos se considere provado que o requerente tomava tais medicamentos para as dores e que as mesmas, dores ou tomas, decorrem do acidente dos presentes autos.

            O requerente nada diz de concreto quanto a isto (como se pode ver no já transcrito corpo das suas contra-alegações).

            O tribunal recorrido, na parte que interessa, terá formado a sua convicção com base:

         Nos documentos juntos a fls. […] 38 e 39 (alta do requerente após cirurgia efectuada em 07.07.2015); […] 50 a 59 (cópias de receitas e recibos de medicamentos); 84/85 (boletim de avaliação final efectuada pela requerida através do Sr. Dr. CB); 91 (boletim clínico do requerente existente no seu processo clínico nos serviços da requerida); fls. 92 (cópia de relatório de ressonância magnética efectuada ao requerente, em 04.06.2015).

         […]

         Considerou-se, ainda, o depoimento das testemunhas indicadas pelas partes, que depuseram de forma clara e isenta e de modo a convencer o tribunal da veracidade dos seus depoimentos.

         A testemunha CB […] disse que o requerente […], podendo ter crises dolorosas […].

         As testemunhas SL […] e SM […] referiram que […] o requerente sofreu muitas dores após o acidente, foi operado mas continua a queixar-se muito de dores e ficou com problemas nervosos, de muito stress.

         A testemunha MN […] referiu que o requerente […] deixou de prestar serviços de mecânica por se queixar de dores, ter dificuldade em estar dobrado e por estar psicologicamente afectado (“muito chato”), disse que considera que o requerente até está mais afectado psicologicamente que fisicamente […].

         A testemunha SA […] referiu que […] o irmão […] não consegue trabalhar porque tem dores. […] Para além disso o irmão passou a andar sempre nervoso e irritado.

            Decidindo:

            O requerente teve um acidente, ficou com pelo menos 10% de incapacidade, e não tem dores? Nem tem de tomar medicamentos? É evidente que sim, que tem – a própria testemunha da requerida admite que o requerente pode ter crises dolorosas -, pelo que os indícios que resultam das receitas, como é admitido pela requerida, conjugados com aquelas regras da experiência, bastam para dar o facto como indiciariamente provado. E não são só aqueles os indícios, são também os que resultam dos recibos dos pagamentos dos medicamentos feitos pelo requerente. Se o requerente tem dores, se lhe são passadas receitas, se compra os medicamentos, é porquê, se não por isto?

            Lembrem-se ainda os pontos de facto 25 e 26 que a requerida não pôs em causa: O requerente continua a ter dores na coluna e com os movimentos limitados pelas dores na coluna. Lembre-se também o ponto de facto 36 que a requerida também não pôs em causa: O requerente ficou psicologicamente afectado, isolou-se […].

            Mais, os medicamentos têm bulas de conhecimento e divulgação obrigatória públicos, sendo por isso factos notórios o que delas resulta e por isso pode ser tomado em consideração (art. 412/1 do CPC).

            Ora, é fácil de ver que:

            – o exxiv é um é um medicamento do grupo de medicamentos chamados inibidores seletivos da COX-2. Estes pertencem a uma família de medicamentos chamados antiinflamatórios não esteroides (AINEs). […] ajuda a reduzir a dor e inchaço (inflamação) nas articulações e músculos de pessoas […]

            – o tramadol-paracetamol é uma associação de dois analgésicos: o paracetamol e o tramadol, que atuam em conjunto para aliviar a dor. […] está indicado no tratamento sintomático da dor moderada a intensa.

            Tendo isto em causa e o que já se disse acima, vê-se que estes medicamentos estão relacionados com as dores de que falam os factos 25 e 26.

            – o valdispert é um medicamento à base de plantas, indicado para o alívio da tensão nervosa ligeira e para a dificuldade em adormecer.

            Este está naturalmente relacionado com os problemas psicológicos de que dá conta o facto 36.

            Posto isto, a impugnação improcede, mas o ponto de facto 29 tem uma mais perfeita correspondência com a realidade se passar a ter a seguinte redacção:

29. O requerente tem que tomar medicamentos para as dores, nomeadamente, exxiv 90 mg, tramadol-paracetamol, e outros, como o valdispert.

                                                                                         *

            Quanto ao facto provado sob 31 – na sequência das lesões sofridas no acidente, o requerido ficou afectado de limitação para executar trabalhos mais pesados […]pelo seguinte:

         O requerente não tem qualquer limitação, o mesmo, de acordo com a prova produzida, pode executar qualquer tipo de trabalho.

         A questão é que o mesmo para executar tais trabalhos, por via da incapacidade de que é portador, irá ser obrigado a esforços acrescidos, designadamente, e a titulo de exemplo, o suportar de dores, se as tiver, uma vez que não é sequer liquido que as tenhas ou se as tiver que as tenha constantemente, é nesse sentido que vai o depoimento do Dr. CB, quando, entre o minuto 05:33 e 05:36, do seu depoimento gravado em acta no dia 11.07.2016, das 10:03:16, às 10:13:10, refere que: “Ele ao trabalhar pode ter necessidade de efectuar esforços acrescidos, porque tem uma dificuldade que resulta da sua incapacidade.”

         Para mais, ainda que juridicamente se admita tal “limitação”, a mesma nunca poderá ser entendida como um impedimento, uma impossibilidade, uma vez que essa, seja qual for o ponto de vista, clinicamente e para efeitos do presente processo, não existe.

         Só assim não será se se aceitar que o depoimento de uma testemunha sem qualquer conhecimento específico sobre a situação clinica do requerente, possa ultrapassar o depoimento de um médico, com a experiencia e o conhecimento directo do caso, do Dr. CB, que foi aceite pelo tribunal a quo sem qualquer reserva.

            Aquilo que o requerente diz sobre isto já foi transcrito acima, aquando da apreciação da impugnação do ponto 27. O mesmo se passa quanto à fundamentação da decisão do tribunal.

            Decidindo:

            A seguradora está a argumentar com base em razões de direito ou com referência a uma afirmação de facto que não é a que está em causa.

            Pois que, a nível de facto, o próprio depoimento que invoca, o da sua testemunha, não põe em causa a existência de limitação. E quem tem 10% de incapacidade, ainda por acima referidos a um problema de coluna, não tem, obviamente, limitações para executar trabalhos mais pesados? É evidente que sim.

            Lembrem-se ainda os pontos de facto 25, 26, 28 que a requerida não pôs em causa: O requerente perdeu a capacidade de flexão da coluna e continua a ter dores na coluna, continua com os movimentos limitados pelas dores na coluna e tem falta de força e a sua postura alterou-se, tendo passado a ter uma postura ligeiramente inclinada.

            Com isto tudo é possível pôr em causa o que consta de 31? Não.

            Relembre-se ainda tudo aquilo que foi dito acima a propósito da impugnação do ponto 27.

            Improcede, por isso, esta impugnação.

                                                                                      III

Do recurso sobre matéria de direito

            Diz a requerida quanto a isto:

  1. É dúbia a existência de um estado de necessidade, na medida em que o requerente, podendo intentar a presente providência desde Janeiro de 2016, tenha optado por esperar até 24/06/2016 para o fazer.
  2. Na própria sentença a Srª juíza faz referência ao facto do requerente ir trabalhando sempre que pode e arranja, corroborando o alegado pela testemunha SM, que no seu depoimento gravado em acta no dia 11.07.2016, das 10:43:05 a 11:01:44, ao minuto 18:27, refere que o requerente sai de casa todos os dias para trabalhar, embora não saiba ao certo em quê.
  3. O requerente não provou a que actividade se dedica, pelo que o facto do mesmo não poder carregar pesos, caso se admita que essa impossibilidade existe, não o afasta de uma miríade de outros trabalhos possíveis para o mesmo executar.
  4. Não tendo profissão específica, não estando limitado a uma qualidade especifica para esse exercício, a impossibilidade de […] ser mecânico ou executar trabalhos mais pesados, por si só, não preenche os requisitos necessários para que lhe seja arbitrada uma pensão provisória,
  5. Conforme atestam as testemunhas, MN e SL, o requerente trabalha, acontece é que, os “biscates” em que sempre trabalhou, não têm dado para cobrir as despesas que tem.
  6. O requerente está apto a executar todo e qualquer trabalho, ainda que, como consequência da incapacidade de que é portador tenha de suportar esforços acrescidos, sendo tal realidade naturalmente indemnizável, mas não nesta sede,

         […]

  1. A requerida não tem de suportar, caso se entendam preenchidos os requisitos para o arbitramento de uma pensão no âmbito do disposto no art. 3880 CPC, tudo o que não seja para cobrir o estado de necessidade do requerente, pelo que, equitativamente não é justificável o arbitramento de uma pensão em mais do dobro do valor das despesas consideradas.
  2. Não se encontram preenchidos os requisitos cumulativos [previstos no] disposto no art. 388 do CPC para que seja arbitrada ao requerente uma pensão a título de reparação provisória.

              As contra-alegações do requerente já foram transcritas a propósito da apreciação da impugnação do ponto 27 dos factos provados.

*

            Afastando o que consta das conclusões 14, 15, 18 e parte final de 21, pois que agora se está a discutir matéria de direito e não os factos – sendo que a requerida não impugnou a decisão da matéria de facto por não ter incluído nas afirmações de facto dadas como indiciariamente provada aquelas que refere nestas conclusões 14, 15 e 18 (designadamente quanto a 14: como é que se sabe que o requerente optou por não demandar a requerida até ao momento em que acabou por o fazer?) – o que aqui releva é, primeiro, que a requerida entende que não se verificam os requisitos cumulativos exigidos pelo art. 388 do CPC.

Dos pressupostos da atribuição da reparação provisória

            Dispõe o art. 388/2 do CPC que:

         O juiz defere a providência requerida desde que se verifique uma situação de necessidade em consequência dos danos sofridos e esteja indiciada a existência de obrigação de indemnizar a cargo do requerido.

            A requerida não põe em causa a existência da obrigação de indemnizar (ponto de facto 13).

            Assim, o que importa discutir é apenas se se verifica (i) uma situação de necessidade e se esta é (ii) uma consequência dos danos sofridos.

            O requerente trabalhava e vivia exclusivamente dos rendimentos do seu trabalho físico, pelo menos parte dele exigente. Em consequência do acidente de que o segurado da requerida foi o culpado, o requerente sofreu lesões que provocaram uma perda significativa da capacidade de ganho e que lhe demandam, necessariamente, face ao tipo de lesões e trabalho em causa, um esforço acrescido para a realização de trabalho que venha a arranjar. Tudo isto lhe provocou afectação psicológica, e dores para que tem de tomar comprimidos, e deixou de trabalhar. O acidente ocorreu há cerca de ano e meio. O requerente vive agora da ajuda de familiares e amigos.

            É certo que, como diz a seguradora, ele não está incapacitado de trabalhar. Por isso, dir-se-ia, devia estar a trabalhar e a receber um vencimento, e a perda de 10% de capacidade aquisitiva não seria significativa, ao menos com a força de uma situação de necessidade.

            Mas relativamente a alguém que vivia do seu trabalho físico, pelo menos parcialmente exigente, e que perde pelo menos 10% da respectiva capacidade de trabalho, compreende-se que entre num estado de desânimo e de afectação psicológica e que sinta uma especial dificuldade de procurar um trabalho que lhe é, agora, particularmente penoso e cuja realização necessariamente lhe provocará mais dores. Ou seja, compreende-se que actualmente esteja sem trabalhar e que isso não lhe possa ser censurado para já. Até porque é também notória (para os efeitos do art. 412 do CPC) a dificuldade de encontrar trabalho, para mais para uma pessoa na situação actual do requerente.

            Pelo que, se concorda com a decisão recorrida de que a situação do requerente é de necessidade, decorrente dos danos que lhe foram causados pelo acidente. E daí que o requerente viva actualmente da ajuda de familiares e amigos (ou seja, estes reconhecem a situação de necessidade do requerente e por isso ajudam-no).

                                   *                                              

Do montante da renda mensal

            Entende a requerida, por fim, que não se justifica uma renda com o valor fixado na decisão recorrida.

            E aqui a requerida tem razão.

            A sentença fixou a renda no valor de um salário mínimo mensal.

            A fundamentação, para o efeito, foi a seguinte:

         O requerente não conseguiu provar qual o montante dos seus rendimentos antes do acidente, tendo o tribunal de recorrer à equidade para fixar tal montante e, não existindo outros elementos que permitam fixar tal renda, considera o tribunal adequado fixá-la no valor mensal igual ao salário mínimo nacional.

            Só que, com isto, o tribunal recorrido não teve em conta que a requerida não tem de indemnizar todos os rendimentos que o requerente estava eventualmente a receber antes do acidente e deixou de receber depois do acidente, mas apenas o valor correspondente à percentagem de perda da respectiva capacidade aquisitiva provocada pelo acidente. A requerida é responsável pela perda parcial da capacidade aquisitiva e não pela perda do trabalho. O dano é aquele e não este.

            Se o requerente não provou os rendimentos mensais que auferia antes do acidente e se se aceita que, por isso, se tome em consideração o valor base do salário mínimo nacional (pelo menos isso, em princípio, qualquer trabalhador por conta de outrem deveria receber e, por outro lado, tal valor corresponde, em princípio, a um sustento minimamente digno), então, o que há que atribuir ao requerente, por conta da seguradora, é o valor correspondente à perda pela qual a requerida é responsável. Ou seja, 10% do SMN. É também só por esta percentagem que ela poderá ser, a final, responsabilizada, não pela perda total dos rendimentos.

            Sendo este igual a 530€ x 14 : 12, isto é: 618,33€, dez por cento correspondem a 61,83€.

                                                      *

         Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente, diminuindo-se o valor da renda mensal de 530€ para 61,83€.

        Custas do recurso pela requerida em 11,67% e pelo requerente em 88,33% (sem prejuízo do apoio judiciário).

        Custas do procedimento pela requerida e pelo requerente na proporção do decaimento.

            Lisboa, 13/10/2016

            Pedro Martins

            1º Adjunto

            2º Adjunto