Cessação da pensão de alimentos 1834/14.4TMPRT-J.P1

J4 da 1ª secção de família e menores do Porto

            Sumário:

            Se a requerida apresenta um articulado em que individualiza a acção e expõe as razões de facto e de direito por que se opõe à pretensão do requerente, pode-se dizer que ela contestou, apesar de a mesmo ter qualificado tal articulado como alegações.

            Acordam no Tribunal da Relação do Porto os juízes abaixo assinados:

            M requereu no tribunal de família e menores do Porto, no apenso B do processo 3334/1985, a cessação de uma prestação alimentar que está a pagar à sua ex-mulher, embora no fim termine dizendo que deve ser suspensa a prestação. Não invocou uma única norma legal, nem indicou a forma de processo.

            Foi designada uma “conferência nos termos e para os efeitos do art. 936/3 do CPC.” E no dia designado foi realizada essa conferência de interessados no apenso D do processo 3334/1985, num processo dito de ‘alteração/cessação da pensão de alimentos”, tendo o Sr. Juiz, depois de uma tentativa de conciliação, ordenado “nos termos do art. 936 do CPC” a notificação “da requerida para, no prazo de 10 dias, contestar, querendo, a acção.”

            Na sequência, a requerida, através do seu mandatário, depois de individualizar a acção, “apresentou as suas alegações”, com o seguinte teor: “1. Carece de qualquer fundamento o pedido de cessação da pensão de alimentos. 2. Isto porque não haverá qualquer alteração da realidade factual ou de direito que fundamente tal pedido. 3. Requerido (sic) invoca factos pessoais, documentando-os, como melhor entendeu. 4. Quanto aos factos que invoca quanto à realidade económica da sua ex-mulher, não passam de fantasia delirante. 5. A requerente (sic) não cede nem nunca cedeu quartos, a alunos de enfermagem ou outros quaisquer, não obtendo dessa actividade quaisquer proveitos. 6. No entanto a requerida aceita desde já que a acordada actualização anual de 10% deixe de ser efectuada. Por outro lado 7. E dada a óbvia degradação da pensão de reforma do requerente, aceita que a pensão de alimento seja fixada em 250€ mensais e não sujeita a qualquer actualização anual, a partir do trânsito em julgado da sentença que eventualmente seja proferida a homologar esta disponibilidade da requerida. Conclusões 1. A requerida prescinde da actualização anual da pensão de alimentos; 2. A Requerida aceita que a dita pensão seja fixada em 250€ mensais; 3. Esta nova realidade efectiva-se após o trânsito em julgado da sentença homologatória a proferir. Para os devidos efeitos a requerida requer se digne a ordenar a junção aos autos.”

              O requerente veio dizer o seguinte: “Notificado da apresentação de alegações à P.I. da acção de cessação da pensão de alimentos vem requerer o desentranhamento e decisão liminar nos termos seguintes: 1º O pedido de cessação da pensão de alimentos foi deduzido (como é de lei) por apenso ao processo – art. 936 do CPC. 2º Esta acção segue o processo declarativo comum – nº 2 do art. 936 do CPC. 3º Assim, em consequência, não tendo havido contestação, o pedido de cessação é cominativo – art. 592/1a) e art. 567/1 do CPC. Nestes termos, desentranhada “a alegação” decidido o mérito da causa.”

              Sobre isto foi proferido o seguinte despacho: “O requerido […] não tem a nosso ver sustentação. Efectivamente a requerida apresentou um articulado em tempo ao qual lhe deu o nome de alegações. Contudo, como se pode verificar da sua leitura, ocorre uma impugnação dos factos alegados pelo requerente e simultaneamente uma sugestão de composição do litígio pelo que não pode considerar-se que não tenha havido contestação, veja-se o articulado nos pontos 1 a 5 […]. Em face do exposto, não pode este tribunal considerar confessados os factos, pelo que se indefere o requerido. Custas do incidente com taxa de justiça pelo mínimo a cargo do requerente. Notifique. Após trânsito, conclua.”

              O requerente veio então expor o seguinte: “A acção cujo pedido consistia na cessação imediata da prestação alimentar foi intentada em Novembro de 2013. Não houve contestação, mas uma pretensa alegação. Consequentemente, na falta de contestação, a cominação impõe a condenação no pedido.” E requereu “o imediato despacho a condenar no pedido.”

              Foi depois proferido o seguinte despacho: nada mais a acrescentar ao decidido a fls. 53. Aguarde o trânsito da decisão como determinado.”

              O requerente recorre deste despacho – para que seja “declarada a inexistência de contestação e a ré condenada no pedido” -, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

         1º – A ré apresentou um papel que diz chamar-se alegações, com conclusões de alegações, que não cumpre o ónus de impugnação especificada, que não indica prova;

         2º – não é, assim, uma contestação, nem pode, assim, fazer valer qualquer impugnação por falta de factos e por falta de prova que pretendesse indicar à matéria dita impugnada;

         3º – assim sendo, teria que ser proferida decisão cominatória, à data da alegada alegação, ou, no mínimo, à data do pedido de decisão, o que não foi feito, pois bem se sabe que não se trata de uma contestação, mas de um pretexto para protelamento da decisão e do processo, numa anomalia que será objecto de suspeição-recusa do juiz a quo;

         4º – nesta questão, não havendo contestação, tendo de ser aplicado o regime cominatório de condenação no pedido, deve ser revogado o despacho que considera ter havido contestação e, em consequência, ordenada decisão que condene no pedido;

         5º – violaram-se quase todas as disposições do processo declarativo e, quanto à impugnação especificada, o disposto no nº 3 do art. 574 do CPC, uma vez que não é admissível a impugnação por negação como a que se verteu na alegada alegação.”

              A requerida não apresentou contra-alegações.

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              A 04/05/2015 foi proferido o seguinte despacho na parte que importa:

         “Não foi ainda proferido despacho saneador.

      Relativamente ao recurso de fls. 61. Admite-se o recurso que é de apelação, efeito devolutivo mas com subida após decisão definitiva a proferir nestes autos, art. 644º, n º 3 e 4 do CPC e nos próprios autos.

         […]”

              A fls. 67 deste apenso está uma fotocópia de uma decisão, de 08/07/2015, do Sr. Juiz Desembargador a quem uma reclamação prevista no art. 643 do CPC tinha sido distribuída, e que entretanto cessou funções, determinando, segundo se consegue perceber do respectivo manuscrito, que o recurso subisse imediatamente e em separado.

            O recurso foi então admitido a subir “de imediato e em separado com efeito devolutivo.”

            Este apenso chegou a este tribunal no dia 02/10/2015, foi apresentado para exame a 05/10/2015 e a 08/10/2015 ordenada a apensação da reclamação em que foi proferido o despacho referido no § anterior.

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            Questão que importa decidir: se a “alegação” apresentada pela requerida não pode ser tida como contestação e se, por isso, os factos se devem considerar confessados.

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            Os factos que importam para a questão em causa são os que resultam do relatório que antecede.

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            O art.147 do CPC dá a definição de “articulados” 1. Os articulados são as peças em que as partes expõem os fundamentos da acção e da defesa e formulam os pedidos correspondentes. 2. Nas acções, nos seus incidentes e nos procedimentos cautelares, havendo mandatário constituído, é obrigatória a dedução por artigos dos factos que interessem à fundamentação do pedido ou da defesa […].”

            Este artigo foi observado, já que a peça da requerida está articulada.

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            O art. 572 do CPC alinha os “elementos da contestação”: Na contestação deve o réu: a) Individualizar a acção; b) Expor as razões de facto e de direito por que se opõe à pretensão do autor; c) Expor os factos essenciais em que se baseiam as excepções deduzidas, especificando-as separadamente, sob pena de os respectivos factos não se considerarem admitidos por acordo por falta de impugnação; e d) Apresentar o rol de testemunhas e requerer outros meios de prova; tendo havido reconvenção, caso o autor replique, o réu é admitido a alterar o requerimento probatório inicialmente apresentado, no prazo de 10 dias a contar da notificação da réplica.”

            A requerida deu cumprimento ao disposto nas alíneas a) e b). Não deduziu excepções, pelo que não tinha que cumprir o disposto na al. c).

            Quanto a não ter arrolado prova, o problema é dela, que, caso quisesse produzir alguma que não pudesse deixar de ser apresentada com o articulado, já não o poderá fazer.

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            Quanto ao ónus da impugnação especificada, dispõe o art. 574 do CPC. A consequência é o considerarem-se admitidos por acordo os factos não impugnados. A lei não diz que, se não tiver sido cumprido, não há contestação (como já diz quando haja falta de contestação: art. 567/1 do CPC). A questão que se coloca, então, é outra e noutro momento: quando tiver que ser decidido quais os factos que estão provados, o juiz terá de ter em conta a eventual falta de cumprimento do ónus da impugnação especificada. Mas esse momento não tinha chegado na data em que foi interposto recurso, nem a decisão em causa foi proferida, nem o requerente tinha levantado a questão (em qualquer dos dois requerimentos que fez) da eventual falta de impugnação especificada, pelo que a questão nem sequer é objecto deste recurso.                                          

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            Assim, tudo se resume à questão de saber se o facto de a requerida ter chamado alegações a um articulado de contestação tem a consequência de não se poder considerar apresentada uma contestação.

            Ora, trata-se de uma simples questão de nome, que não pode ter nenhum reflexo substantivo.

            Para mais, note-se que este pedido de cessação da prestação de alimentos corre termos num tribunal de família e de menores.

            Ora, nestes tribunais, este tipo de processo, incluindo as alterações (e cessação) de alimentos, segue as mais das vezes os termos da “organização tutelar de menores” onde aquilo que substancialmente se poderia chamar uma contestação, se apresenta formalmente como uma alegação, o que revela a inocuidade substancial da qualificação do meio utilizado (assim, por exemplo, nos arts. 178/1 e 2, 181/1 e 2, 182/1, 2 e 3, e 192/1 e 2. Esta lei foi recentemente revogada, tendo entrado em vigor entretanto o regime geral do processo tutelar cível, anexo à Lei 141/2015, de 08/09, a qual continua a utilizar, por vezes, a expressão alegações para algo que se poderia considerar como um contestação: arts. 39/4, 41/3 e 5, 42/3 e 4, e 50/2, 3 e 4).

          Conclui-se, assim, que o articulado apresentado pela requerida podia ter sido tomado como contestação e, por isso, não se podiam considerar confessados, em bloco, os factos articulados pelo autor (art. 567/1, a contrario, do CPC).

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            Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente.

            Custas pelo requerente.

            Porto, 15/10/2015.

            Pedro Martins

            1º Adjunto

            2º Adjunto