Acção de anulação de acórdão arbitral n.º 92/15.8YRPRT

            Sumário

I. A oposição dos fundamentos com a decisão não é causa de nulidade de acórdão arbitral proferido ao abrigo da Lei da arbitragem voluntária anexa à Lei 63/2011.

II. “Há nulidade […] quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão […] Não a constitui a mera deficiência de fundamentação”.

III. “Não é indispensável, conquanto seja de toda a conveniência, que na sentença se especifiquem as disposições legais que fundamentam a decisão: essencial é que se mencionem os princípios, as regras, as normas em que a sentença se apoia.”

IV. As consequências de uma eventual falta de fundamentação da decisão relativa à matéria de facto não são as da nulidade do acórdão arbitral e poderiam levar, quando muito, num recurso, não numa acção de anulação, a que fosse determinado ao tribunal arbitral que fundamentasse aquela decisão na parte em que tal se revelasse essencial para o julgamento da causa.

            Acordam no Tribunal da Relação do Porto os juízes abaixo assinados:

            A, Lda, (= autora) vem pedir, nos termos do art. 46 da Lei da Arbitragem Voluntária, a anulação parcial do acórdão que foi proferido por um Tribunal Arbitral numa acção que contra si tinha sido intentada pela B, Lda.

            Alegou para o efeito, em síntese, que (i) o acórdão arbitral condenou-a com insanável contradição entre a fundamentação e a decisão; (ii) em objecto diverso do pedido, (iii) com falta de fundamentação; (iv) com absoluta falta de fundamentação legal; e (v) com falta de fundamentação da resposta aos quesitos dados como não provados.

            A ré (= B) contestou a acção impugnando, em síntese porque: a condenação não saiu fora do pedido, não existe a contradição entre fundamentação e a decisão – que, aliás, não é causa de nulidade do acórdão – nem falta de fundamentação, nem da decisão tinha de constar a fundamentação negativa dos factos provados.

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            Questões que importa decidir: se as causas de nulidade invocadas pela autora estão previstas na lei e, neste caso, se elas se verificam no acórdão em causa.

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                        Da irrecorribilidade do acórdão arbitral

            Antes de mais e como pano de fundo do que se dirá de seguida, diga-se que os acórdãos arbitrais proferidos ao abrigo da Lei de arbitragem voluntária, anexa à Lei 63/2011, de 14/12, que se pronunciem sobre o fundo da causa ou que, sem conhecer deste, ponha termo ao processo arbitral, só são susceptíveis de recurso no caso de as partes terem expressamente previsto tal possibilidade na convenção de arbitragem e desde que a causa não haja sido decidida segundo a equidade ou mediante composição amigável (art. 39/4 da LAV). Se as partes não tiverem acordado nesse sentido, como no caso não terão acordado (senão a autora não teria lançado mão desta acção), a impugnação do acórdão arbitral só pode revestir a forma de pedido de anulação, nos termos do disposto no art. 46 da LAV.

            Não havendo recurso, o tribunal estadual não tem competência para apreciar a correcção do acórdão arbitral.

            Ora, se assim é, a acção de anulação não pode ser uma forma camuflada de recorrer do acórdão arbitral.             

            Por fim, as causas de nulidade do acórdão arbitral são as previstas no art. 46/3 da LAV, sendo que as duas que interessam ao caso dos autos são a condenação em objecto diverso do pedido ou o ter sido proferido sem fundamentação.                               

            Note-se que tudo isto parte do princípio de que a lei aplicável é a LAV (da Lei 63/2011), o que será provável porque o acórdão arbitral foi proferido num processo com um número do ano de 2012 e a LAV entrou em vigor em 15/03/2012 (cfr. arts 4/1 e 6 da Lei 63/2011; de resto, as partes poderiam ter chegado a acordo sobre esta aplicação, mesmo que o processo se tivesse iniciado antes: art. 4/2 da Lei 63/2011). No mesmo sentido vai o facto de os artigos invocados pela autora serem desta LAV, mesmo que a autora nunca tenha referido, em concreto, a Lei 63/2011.

            Posto isto,

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            Da insanável contradição entre a fundamentação e a decisão

            A introduzir matéria respeitante a esta possível causa de nulidade do acórdão, diz a autora que:

         “15. Das subalíneas v) e vi) da al. a) do nº 3 do art. 46 da LAV decorre que, para além de outras causas de anulação, a sentença arbitral é anulável pelas mesmas causas de anulação da sentença judicial.

          16. Na verdade, do elenco das causas de anulação das sentenças judiciais que constam das diversas alíneas do n.º 1 do art. 615 do CPC há uma coincidência com as causas de anulação da decisão arbitral.

         17. Porém, o art. 615, n.º 1, al. c), do CPC contém uma causa de anulação – a contradi­ção entre os fundamentos e a decisão – que não tem correspondência no art. 46 da LAV.

          18. A questão que se coloca é a de saber se será nula a sentença arbitral quando a decisão nela contida estiver em contradição com os fundamentos (?).

           19. Ora, como refere Manuel Pereira Barrocas (Manual de Arbitragem, 2ª edição, pág. 527, Almedina), “Trata-se de uma questão lógica e de bom senso. Entendemos que é nula, podendo reconduzir-se o vício à falta de fundamentação prevista no art. 42, número 3. Ver no mesmo sentido os acórdãos da Relação de Lisboa de 02/10/2006 e de 02/11/2006 […]. Em conclusão, do mesmo modo que a sentença de um tribunal estadual pode ser nula nos termos do art. 615 do CPC, a sentença arbitral pode ser nula face ao regime do art. 46/3a), subalínea vi)” (sic).”

            É evidente, desde logo, a contradição existente nesta argumentação da autora. Começa por dizer que há uma coincidência entre as causas de anulação do acórdão arbitral previstas no art. 46/3a), subalíneas v) e vi) com as causas de anulação das sentenças judiciais que constam das diversas alíneas do art. 615/1 do CPC, para logo a seguir dizer que uma destas não tem correspondência naquelas. Para além disso, a outra parte da argumentação, baseada na autoridade de um autor, cita uma passagem de uma obra deste que parece apontar em sentido diverso ao por ela sugerido, como decorre do facto de um dos acórdãos por ele invocados, o do Tribunal da Relação de Lisboa de 02/10/2006, que será o que tem o nº. 1465/2006-2 da base de dados do IGFEJ, já que é o único publicado dessa data, dizer expressamente o contrário, ou seja, que: “5. O vício da contradição entre os fundamentos e a decisão não pode incluir-se, por não estar previsto no art. 27º, al. d), conjugado com o art. 23 da Lei n.º 31/86, de 29/08, na causa de pedir da acção de anulação.”

            Seja como for, se a LAV não prevê, como causa de nulidade do acórdão arbitral, a causa de nulidade das sentenças judiciais prevista no art. 615/1c) do CPC [art. 668/1c) do CPC na redacção anterior à reforma de 2013], foi naturalmente porque não quis que se aplicasse essa causa de nulidade.

            Neste sentido, por exemplo, a autora citada pelo já referido ac. do TRL de 02/10/2006, ou seja, Paula Costa Silva: “Também nos casos em que se verifica uma contradição entre os fundamentos e a decisão não nos parece caber acção de anulação. Se bem que nestas hipóteses se possa considerar que a fundamentação não preenche nenhuma das suas finalidades ou funções, certo é que a Lei nº 31/86 [as normas desta lei são, nesta parte, idênticas às da LAV da Lei 63/2011 – parênteses introduzido agora], ao contrário daquilo que estabelece o CPC., no seu artigo 668º, nº1, al. c), não previu expressamente esta causa de nulidade. Deste modo, e apesar de existir uma contradição lógica insanável na sentença, deve esta contradição ser ultrapassada através de recurso da decisão arbitral” (Anulação e Recursos da Decisão Arbitral, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 52/II, Lisboa, Dezembro de 1992, pág. 939).

            Esta vontade da lei decorre, aliás, claramente, do confronto, proposto pela ré, dela com o DL 10/2011, de 20/01, e com a Lei 74/2013, de 06/09, próximas no tempo. Com efeito, estas, sim, já prevêem como causas de nulidade dos acórdãos arbitrais, a contradição entre os fundamentos e a oposição [art. 28/1b) da primeira e art. 47/1b) da segunda]. E também convence a razão aventada pela ré para o efeito. É que no caso da LAV aos árbitros não são exigidas as especiais qualificações que estas outras leis já exigem [nem sequer têm de ser juristas – art. 9 da LAV, arts. 10 e 20 da Lei 74/2013 e art. 7 do DL 10/2011]. E, assim, no caso da LAV, quis-se afastar a relevância de possíveis ou aparentes contradições entre os fundamentos e a decisão potenciadas pela eventual falta de qualificações dos árbitros nomeáveis.

            Em suma, o fundamento invocado não está previsto na lei como uma das causas de nulidade do acórdão arbitral e por isso não se conhece do mesmo, nas suas várias concretizações ao longo da petição inicial.

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                    Da condenação em objecto diverso do pedido

            O acórdão arbitral condenou a autora a, entre o mais:

         Remontar o equipamento de AVAC, no espaço a ele destinado, e de harmonia com os elementos de projecto que o dono da obra lhe entregará, de maneira a as­segurar, de forma operacional, a circulação no local e o fácil acesso às máquinas para efeitos do seu manuseamento e manutenção, mais devendo o mesmo ficar conforme com o Regulamento dos Sistemas Energéticos de Climatização em Edi­fícios, aprovado pelo DL 79/2006, de 08/04, procedendo à sua entrega mediante a submissão dos ensaios prévios de recepção, executados nos termos do art. 18 do mencionado diploma.

            A autora entende que esta condenação vai para além do pedido que tinha sido o seguinte:

C) A executar a obra de AVAC, com a dimensão concebida, em conformidade com o Regulamento dos Sistemas Energéticos de Climatização em Edifícios, aprovado pelo DL 79/2006, de 08/04, a proceder à sua entrega mediante a submissão dos ensaios prévios de recepção (cfr. art. 18 do RSECE) com as prescrições a definir em sentença;

            No entanto, por um lado, a parte final do pedido C) “permitia” ao acórdão fazer as “prescrições” que entendesse. E, por outro, o que o acórdão arbitral fez foi restringir o âmbito da condenação que era pedida, e isso por reconhecer que a responsabilidade da B pelo (mau) resultado da execução do projecto de AVAC era superior à responsabilidade da A (porque o projecto padecia de erros e de omissões, sendo incompatível com os espaços encerrados previstos no projecto de arquitectura, demonstrando a completa descoordenação entre as diferentes especialidades, coordenação que cabia à B). E por isso não se limitou a condenar a A, sem mais, a executar a obra de AVAC, com a dimensão concebida, em conformidade com o RSECE, mas antes a condenou a executá-lo e de harmonia com os elementos de projecto que a B lhe entregará, de maneira a assegurar, de forma operacional, a circulação no local e o fácil acesso às máquinas para efeitos do seu manuseamento e manutenção. Nem aliás faria sentido a condenação da A a remontar o equipamento de AVAC de acordo com o antigo projecto (deficiente), sem estar corrigido pela B.

            Assim, não houve condenação em objecto diverso do pedido.

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                                    A falta de fundamentação

            Ao longo dos seus extensos 102 artigos da petição inicial, a autora vai lançando críticas de falta de fundamentação ao acórdão arbitral.

            Como dizem Lebre de Freitas e outros, CPC anotado, 2ª edição, 2008, Coimbra Editora, pág. 703: “Há nulidade […] quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão […] Não a constitui a mera deficiência de fundamentação”.

            Aplicado isto aos acórdãos arbitrais, diz Paula Costa e Silva (estudo citado, pág. 938/939): “pode dizer-se genericamente que uma sentença é provida de fundamentos sempre que seja possível compreender a motivação do árbitro. Assim, mesmo que tal motivação seja deficiente, medíocre ou errada, estaremos perante uma sentença motivada, devendo as deficiências da sua fundamentação, que não geram nulidade, ser arguidas em via de recurso. Só a falta absoluta de motivação implicará uma nulidade da sentença arbitral, invocável através da acção de anulação” (remete para as passagens muito conhecidas e citadas de Alberto dos Reis, CPC anotado, vol. V, pág. 140).

            Posto isto,

            No art. 34 da petição diz a autora que “de forma surpreendente, contraditória e infundada [considerando a matéria provada referida supra […]] o acórdão refere que…”.

            Como se vê, não se trata de uma absoluta falta de fundamentação, mas de uma falta de fundamentação tendo em conta um certo referente.

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            No art. 40 diz que “O que não faz sentido, o que é contraditório, o que é ininteligível (por não estar fundamenta­do) […]”. E de seguida põe em confronto duas afirmações que constam da fundamentação do acórdão arbitral.

            Trata-se pois de uma crítica de ininteligibilidade, não de falta de fundamentação. E aquela não é causa de nulidade, pela mesma razão que não o é a eventual contradição entre fundamentação e decisão.

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            No art. 48 diz que “o acórdão, sem que sustente a sua decisão em qualquer facto provado, em clara contradição com as premissas que enunciou, e com absoluta falta de fundamentação, condenou a condenou a A a remontar o equipamento de AVAC […]”. O que repete, com outro formulação, no art. 60 da petição inicial (: “per­sistindo o Tribunal, sem qualquer fundamento factual ou legal, a manter a decisão condenatória nos termos proferidos.”)

            Mas, por um lado, até já se referiu, acima, a fundamentação de direito desta condenação, pelo que ela existe (a de direito, com mistura de factos, está nas págs. 51 a 54 do acórdão e ainda as duas últimas págs. do acórdão de esclarecimento), e, por outro lado, na fundamentação de direito faz-se referência a factos, quer a factos dados expressamente como provados numa parte do acórdão expressamente a isso dedicada (factos 160 a 174, págs. 27 a 29 do acórdão), quer a factos que são referidos na fundamentação sem antes constarem daquela parte.

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            No art. 65 a autora diz que o “acórdão também não indica quais os factos que deu como provados que evi­denciem que as regras da arte não foram cumpridas.”

            A A está a discutir uma afirmação da fundamentação do acórdão, que é aliás feita numa parte do acórdão de esclarecimento, que sintetiza a fundamentação do acórdão arbitral, pelo que não pode dizer que não há fundamentação.

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            Depois de nos arts. 66 a 71 ter posto em sucessão factos provados e fundamentação do acórdão para a condenação na remontagem do equipamento de AVAC, a A diz no art. 72 que há absoluta falta de fundamentação.

            A própria acusação (em que tal sucessão de artigos se traduz) refere a existência de fundamentação, da qual a A discorda…

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            Nos arts. 86 e 87 da petição a A diz que “O Tribunal Arbitral não especifica um só facto que tenha dado como provado e que seja imputável à A, que tenha contribuído para o incumprimento do prazo contratualizado, relativamente ao segundo contrato. A falta de fundamentação é manifesta. […]”

            Mas o acórdão arbitral (fls. 42/44), integrado pelo acórdão de esclarecimento, nas suas três primeiras páginas, na fundamentação de direito explica a condenação com referência ao atraso de 159 dias [que, como a ré esclarece, resultam dos factos 5, 8, 9, 11, 12, 33, 67, 68, 86, 87 e 104] imputável à partida à A, isto é, presumidamente culpa desta (art. 799 do CC).

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            Nos arts. 89 a 92 diz a autora: “Do esclarecimento prestado [pelo tribunal arbitral] apenas resulta que “a culpa” imputada à A decorre da presunção que sobre a mesma impende nos termos do art. 799/1 do CC; O que não resulta esclarecido, nem está minimamente fundamentado, é a circunstância de, tendo havido culpa provada da B, o Tribunal não ter excluído a culpa da A. E, por outro lado, tendo-se consignado no acórdão (ver fls. 43, último parágrafo) a culpa da B, no incumprimento do prazo contratualizado, qual o fun­damento que levou à aplicação da multa no valor de 220.000€ (reduzindo em 1/3 o valor de 330.000€ que correspondia a 20% do valor da adjudicação)? Com efeito, consignando-se no acórdão que há culpa da B e da A, e não sendo possível determinar o grau de participa­ção de cada uma delas, porque razão as culpas não se presumem iguais?

            Mas o acórdão arbitral já invocava o art. 566/3 do CC e o recurso à equidade, e, nas três primeiras páginas do esclarecimento prestado, para além do mais explicou aquele que entendia ser o âmbito de aplicação do art. 570 do CC, pelo que não pode ser acusado de falta de fundamentação, mas apenas de fundamentação com que a A não concorda e que quer discutir, sem poder.       

            Em suma, não existe qualquer falta de fundamentação.

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                       Da absoluta falta de fundamentação legal

            No art. 79 diz que “a decisão, na parte impugnada, é absolutamente omissa quanto à fundamentação de direito. E depois, no art. 80, sem nada acrescentar de novo, diz que “a falta de fundamentação de facto e de direito deter­mina a nulidade da sentença – que expressamente se invoca”.

            Assim, primeiro, a acusação da falta de fundamentação de facto não está sustentada (e não faz sentido quando do acórdão arbitral constam, enumerados expressamente, 252 pontos de facto). E, segundo, depois de tudo o que já foi dito, seria incompreensível a acusação de falta de fundamentação de direito, a não ser que se entenda, como se entende, que a A se está a referir à falta de referência a normas legais.

            Ora, como diz Antunes Varela, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1985, 2ª edição, pág. 688: “não é indispensável, conquanto seja de toda a conveniência, que na sentença se especifiquem as disposições legais que fundamentam a decisão: essencial é que se mencionem os princípios, as regras, as normas em que a sentença se apoia. Para exemplificar, não se tornará necessário que o juiz diga: “nos termos do disposto no art. 219 do Código Civil”, bastando que indique, nesse aspecto, ser ao abrigo do princípio da liberdade da forma que considera válido o negócio impugnado.”

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            Da falta de fundamentação da resposta aos quesitos dados como não provados

            No art. 93 da petição a A diz que “no acórdão não existe qualquer fundamentação para a matéria de facto dada como não provada, designadamente o quesito 44. E nos arts. 94 a 100 desenvolve a afirmação, com recurso a citações de passagens da obra de Alberto dos Reis e ao dever de fundamentação referido no art. 42/3 da LAV.

            Comece-se por dizer que quando o prof. Alberto dos Reis escreveu as passagens citadas pela autora e durante muitos anos depois, até à reforma de 1995/96 do CPC, sempre se entendeu que não havia que fundamentar a resposta negativa aos quesitos, pelo que a utilização de passagens da obra deste prof. não tem, naturalmente, interesse para se defender algo que ele não defendia. 

            Por outro lado, esta é uma acção de anulação, que é instruída apenas com uma cópia certificada do acórdão arbitral (art. 46/2 da LAV) e não com todo o processo. Não tendo em seu poder todo o processo, o tribunal judicial que está a julgar a acção não tem meio de saber quais foram as regras processuais seguidas pelo acórdão arbitral. É que estas regras podem ser acordadas pelas partes ou então serem definidas pelo tribunal arbitral (art. 30, nº.s 2 e 3 da LAV). Nada tendo a autora dito sobre tais regras, mas fazendo ela referência a resposta negativa a quesitos, que não consta da sentença, não se sabe se a decisão da matéria de facto não terá sido proferida autonomamente, como aliás acontecia até à reforma de 2013 do CPC, na maior parte dos processos judiciais. E se for esse o caso, como até é provável que seja, dada a data em que o processo se iniciou (2012) e o tempo que levou a concluir-se (fins de 2014), bem como pelo facto já referido de no acórdão arbitral não se fazer qualquer referência a factos não provados ou a resposta negativa a quesitos, o acórdão nem sequer deveria ter qualquer referência a factos não provados.

            Por fim, na LAV apenas se exige (art. 42) que o acórdão seja reduzido a escrito, assinado, fundamentado (quando o tiver que ser…) –  sendo que esta fundamentação por aquilo que já se disse e irá dizer-se ainda, é a indicação dos factos provados e a fundamentação de direito -, e se pronuncie quanto à repartição de custas, não se exigindo que dele conste a referência a factos não provados.

            Por tudo isto, não se mostra minimamente fundamentada a acusação que está em causa nesta parte da petição inicial da autora.

                                                      *

            Por outro lado, a A nem sequer diz qual era o conteúdo dos quesitos dados como não provados e, por isso, qual o interesse que a respectiva matéria de facto podia ter para o caso; e isso nem mesmo quanto ao único quesito que invoca em concreto.

            Assim sendo, não há razão para entender que seria necessária a fundamentação da resposta a tais quesitos para se perceber a condenação do acórdão arbitral nas partes que a A pôs em questão.

                                                      *

            Mas, para além disto, diga-se ainda que a falta de fundamentação de uma sentença judicial é a falta de indicação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (art. 615/1b do CPC). E como esta norma vem de 1939 (= art. 668 do CPC na versão de 1939…) ela sempre só se referiu à indicação dos factos provados e à fundamentação de direito, e não à indicação dos factos não provados (que só a partir da reforma de 2013 do CPC se passou a exigir que constasse, por regra, das sentenças judiciais) nem à indicação das razões que levaram à decisão de prova, ou seja, à fundamentação da decisão sobre a matéria de facto (que, aliás, devia constar de um despacho ou acórdão autónomo, que nada tinha a ver com a sentença: art. 653/2 do CPC antes da reforma de 2013).

            Daí que a nulidade por falta de fundamentação só tenha a ver com a falta da indicação dos factos provados e com a absoluta falta de fundamentação de direito e não com qualquer falta de indicação das razões para não se terem dado como provados determinados factos.

                                                      *

            Mas, mais do que isto tudo, a verdade é que as consequências de uma eventual falta de fundamentação da decisão relativa à matéria de facto estão previstas, não no art. 615 do CPC (nulidade da sentença), mas sim no art. 662/2 e 3 do CPC, como já se dizia no ac. do TRP de 29/05/2014, processo 389/12, não publicado. O que é um outro modo de dizer que essa matéria nada tem a ver com as nulidades da sentença (ou dos acórdãos arbitrais…).

            Neste mesmo sentido, com mais desenvolvimento, pode ver-se o posterior acórdão do TRC de 20/01/2015, 2996/12.0TBFIG.C1:

              II – Apesar de actualmente o julgamento da matéria de facto se conter na sentença final, há que fazer um distinguo entre os vícios da decisão da matéria de facto e os vícios da sentença, distinção de que decorre esta consequência: os vícios da decisão da matéria de facto não constituem, em caso algum, causa de nulidade da sentença, considerado além do mais o carácter taxativo da enumeração das situações de nulidade deste último acto decisório.

              III – Realmente a decisão da matéria de facto está sujeita a um regime diferenciado de valores negativos – a deficiência, a obscuridade ou contradição dessa decisão ou a falta da sua motivação – a que corresponde um modo diferente de controlo e de impugnação: qualquer destes vícios não é causa de nulidade da sentença, antes é susceptível de l[evar] à actuação pela Relação dos seus poderes de rescisão ou de cassação da decisão da matéria de facto da 1ª instância (art. 662/2, c) e d) do nCPC). Assim, no caso de a decisão da matéria de facto daquele tribunal se não mostrar adequadamente fundamentada, a Relação deve – no uso de uma forma mitigada de poderes de cassação – reenviar o processo para a 1ª instância para que a fundamente (art. 662/2 do nCPC).

            Acórdão este que teve o comentário favorável do prof. Miguel Teixeira de Sousa, na entrada de 29/01/2015 do blog do IPPC, Jurisprudência (69): “Efectivamente, apenas a falta da especificação dos fundamentos de facto ou de direito implica a nulidade da sentença. Não é o que se verifica quando os fundamentos de facto constam da sentença, mas o tribunal não especifica as razões pelos quais esses fundamentos são considerados adquiridos ou provados. Esta falta de fundamentação não gera a nulidade da sentença, antes permite a impugnação da decisão sobre a matéria de facto e, como se refere no acórdão, justifica que a Relação possa exigir à 1.ª instância a fundamentação dessa decisão (cf. art. 662.º, n.º 2, al. d), CPC).”

            Ainda no mesmo sentido, veja-se o ac. do TRP de 05/03/2015, 1644/11.0TMPRT-A.P1, com ampla fundamentação: I – Não são confundíveis nem têm o mesmo regime o vício da nulidade da sentença por falta de fundamentação e o vício da deficiência da motivação da decisão da matéria de facto.

            Assim, a falta de indicação das razões pelos quais se teria dado como não provado o quesito 44, ou quaisquer outros, poderia levar, quando muito, por aplicação analógica do disposto no art. 46/8 da LAV, à suspensão deste processo para devolver ao tribunal arbitral a possibilidade de fundamentar as respostas negativas a quesitos (como sugerido, em termos genéricos, pela ré na parte final da sua contestação). Isto a demonstrar-se, primeiro, a relevância das respectivas afirmações de facto (o que a autora não fez, mas teria de fazer por força da aplicação analógica do art. 662/2d do CPC) e se estivéssemos num recurso, não numa acção de anulação. Parafraseando aquilo que já se diz no voto de vencido proferido no ac. do TRP de 23/06/2015, 9/15.0YRPRT, se as partes não acautelaram a possibilidade de recurso, como o podiam ter feito ao abrigo do art. 39/4 da LAV, essa possibilidade não lhes pode ser dada agora sob a forma da acção de anulação.

              Numa perspectiva diversa quanto a esta última parte da argumentação deste ponto, perspectiva que não levaria, no entanto, à procedência desta arguição (para além do mais, recorde-se que, no caso, não se põe em causa a existência de fundamentação da decisão que dá os factos como provados, só está em causa a falta em relação aos factos não provados), vejam-se, no entanto, os acs do TRP de 11/03/2003, 0324038, do TRP de 03/12/2012, 227/12.2YRPRT, do TRP de 24/09/2012, 153/12.5YRPRT, do TRP de 05/11/2012, 207/12.8YRPRT, do TRP de 03/12/2012, 206/12.0YRPRT, do TRP de 12/11/2013, 284/13.4YRPRT, e do TRP de 25/11/2014, 245/14.6YRPRT.

              Faltaria explicar, a esta última corrente, o que não faz porque nem sequer se coloca a questão, por que é que uma decisão do tribunal judicial que não contém a indicação das razões que levaram a decidir dar uns factos como provados e não provados só poderia conduzir, num recurso, às consequências do art. 662/2d) do CPC e nas condições aí previstas (o que implicaria a demonstração da relevância dos factos para o julgamento da causa), enquanto que, quanto a um acórdão arbitral, que nem sequer será recorrível e em relação ao qual as exigências de fundamentação são menores, já poderia levar à sua anulação.

            Em suma: a decisão que é objecto desta acção enumera os factos provados e tem fundamentação de direito, pelo que não pode ser anulada com base na falta de fundamentação da matéria de facto dada como não provada.

                                                      *

                                            Valor da acção

            A autora dá a esta acção o valor de 7500€. No entanto, põe em causa uma condenação referente à remontagem do equipamento de AVAC e outra numa multa no valor de 220.000€. Pelo que, mesmo considerando a indeterminabilidade da parte referente à remontagem do equipamento de AVAC, é pelo menos certo que esta acção tem, pelo mínimo, o valor de 220.000€ (arts. 297/1 e 306 do CPC)

                                                      *

            Pelo exposto, julga-se a acção improcedente.

            Custas pela autora.

            Valor da acção: 220.000€.

            Porto, 02/07/2015

            Pedro Martins

            1º Adjunto

            2º Adjunto