PPP 2160/13.1TBBCL.P1 de Matosinhos – 3ª secção de família e menores – J4

                                                                *

              Sumário.

              I – Um menor encontra-se numa situação de perigo para a saúde, formação, educação e desenvolvimento se os pais não lhe dão os cuidados ou a afeição adequados à idade e situação pessoal.

              II – Há desinteresse – que no caso revela inexistência dos vínculos afectivos próprios da filiação – quando este menor é acolhido e o pai nunca o visita e a mãe, que durante quase todo o ano anterior só o tinha visto uma ou duas vezes, apenas o visita algumas vezes nos três meses seguintes e depois não o visita durante quase 10 meses, e passado esse período só o visita uma outra vez durante 15 minutos, e não há sinais de que qualquer dos progenitores tenha feito qualquer coisa para alterar as suas condições de vida de modo a ter o menor consigo.

              III – Nesta situação, justifica-se a decisão judicial de confiança a instituição para adopção.

            Acordam no Tribunal da Relação do Porto os juízes abaixo assinados:

            A situação do menor EC, nascido a 27/06/2007, começou a ser acompanhada pela Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de B desde 11/06/2012, onde, por acordo com os progenitores foi aplicada, a 04/12/2012, a favor do menor, a medida de apoio junto dos progenitores, por um período de 6 meses.

            No fim daquele período a CPCJ considerou que a medida subsequente a aplicar seria a de acolhimento do menor em instituição, com o que os pais não concordaram, pelo que processo transitou para tribunal.

            Declarada aberta a instrução foram ouvidos, entre outros, os progenitores do menor.

            Declarada encerrada a instrução, não foi possível realizar a conferência prevista no art. 112 da LPCJP, porque o progenitor e menor se ausentaram de Portugal.

            Em 09/12/2013 a progenitora contactou os serviços da Segurança Social, dando conta do regresso do menor a Portugal, na companhia do pai.

            Foram tomadas declarações à progenitora e avós paternos do menor.

            Por despacho de 22/05/2014, foi decretada a favor do menor a medida do seu acolhimento institucional.

            Aquando da revisão de tal medida, o parecer do ISS foi no sentido de ser decretada a favor do menor a medida de confiança judicial com vista a futura adopção.

            Em 30/10/2014, foi proferido despacho determinando-se o prosseguimento dos autos para debate judicial, notificando-se os progenitores e o Ministério Público para os efeitos do art. 114/1 da Lei 147/99 de 01/09.

            O Ministério Público deduziu alegações requerendo a aplicação da medida sugerida pelo ISS.

            O progenitor deduziu alegações requerendo a aplicação da medida de apoio junto de si.

            Entretanto, por promoção do MP, foi proferido despacho a 20/07/2015, suspendendo as visitas dos progenitores ao menor até decisão a ser proferida em sede de debate judicial, com fundamento de que o menor não tem tido visitas do progenitor e, quanto à progenitora, decorridos cerca de 9 meses sem visitas, esta apenas o foi ver em data recente; despacho que foi notificado aos progenitores.

            Foram realizadas duas sessões do debate judicial, findo o qual foi proferido acórdão no qual o tribunal, com júri social, decidiu aplicar a medida de promoção e protecção de confiança a instituição com vista à futura adopção (art. 35/1-g da LPCJP) e, em conformidade com o disposto no art. 1978-A do CC, decretou a inibição do exercício do poder paternal por parte dos progenitores do menor, e nos termos do 62-A daquela lei designou curador provisório da criança a Srª directora da instituição que o acolhe, não se permitindo visitas e contactos dos progenitores e da família biológica ao menor.

            O progenitor recorre deste acórdão, para que seja revogado, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

  1. O superior interesse da criança deve permear totalmente a decisão do tribunal a quo.
  2. As crianças vêem os seus direitos salvaguardados em sede de convenções (Convenção dos direitos da criança e a Convenção europeia em matéria de adopção de crianças) e tratados internacionais, bem como normativos nacionais a nível ordinário (LPCJP) como em sede constitucional, nomeadamente por via do princípio da identidade, da família e filiação, da paternidade e maternidade.
  3. Cumpre sempre aferir-se, exaustivamente, que todos os direitos a proteger (do menor) e todos os outros a negligenciar ou preterir em função dos primeiros, apenas o sejam após exaustiva análise de todos os aspectos do caso em apreço e indagação junto de todos os intervenientes.
  4. Nos termos do artigo 1978 CC elencam-se taxativamente as situações que desencadeiam a aplicação da medida, com a devida ressalva de nenhuma solução alternativa se mostrar adequada à manutenção dos princípios da unidade familiar e dos laços biológicos entre pais e filhos.
  5. O primeiro pressuposto do decretamento da medida exige a inexistência ou o compromisso sério dos vínculos afectivos próprios da filiação – essa inexistência ou compromisso compreendem um requisito autónomo sujeito a prova e cuja verificação não depende da culpa dos pais, nem se deduz automaticamente dos factos integrantes das alíneas do n.º 1 do art. 1978 do CC.
  6. Facto pelo que se deverá promover medida possível e passível de salvaguardar os interesses do menor em harmonia com os princípios constitucionais estabelecidos.
  7. Ademais, e não obstante a indagação incompleta do tribunal a quo, não se verificam os elementos constantes do artigo 1978 CC, porquanto, nem sequer conferenciou com o menor no sentido de apurar a sua vontade.
  8. No mesmo sentido decidiu o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13/01/2011, em condições análogas, mas mais extremas.
  9. Se a criança se encontra numa situação estável na instituição, não há motivos para promoção de outra medida senão a de melhorar a sua condição presente e potencial.
  10. Tal medida, a acontecer, não deve ser revestida de uma quebra tão repentina enquanto não formalizada com a família adoptante e sempre no critério inafastável da quebra definitiva do vínculo familiar.
  11. A criança mantendo-se institucionalizada, vê minimizado, senão mesmo afastado, qualquer perigo grave para a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento.
  12. O facto de as visitas parentais continuarem pode eventualmente reforçar os vínculos, outrora enfraquecidos, e garantir não só o superior interesse do menor, mas também a salvaguarda dos seus direitos e o dos pais – em harmonia.
  13. Dos factos provados cumpre aferir que, não obstante a livre apreciação e liberdade de convicção do tribunal a quo, alguns dos factos apurados são conclusivos, sem que exista motivação suficiente para o seu alcance.
  14. Na elaboração da sentença é manifesta uma apreciação tendenciosa baseada apenas em suposições e não em factos – a livre apreciação de prova exige que a prova exista e a convicção do julgador não deve ser elaborada à custa de falsa suposições, dúvidas ou suspeitas – o tribunal a quo opta por assentar as suas conclusões em inconsistências e não em factos. Tal reporta-se à questão dos pretensos maus-tratos e consumo de estupefacientes.
  15. O tribunal a quo aprecia determinados depoimentos (directos e indirectos) como válidos (assistente social – Dr.ª AA) e extrai conclusões do mesmo que são contraditórias e incoerentes, nomeadamente no que concerne ao consumo de estupefacientes pelo recorrente. Há uma inconsistência entre a valoração do depoimento e os factos provados que o tribunal a quo dele extrai.
  16. No que concerne à não inscrição na escolaridade obrigatória, o tribunal a quo dá matéria como provada quando uma justificação para a situação foi devidamente explicada e justificada em sede de alegações escritas, tendo inclusivamente sido junto documentação comprovativa.
  17. De toda a prova carreada não se verifica uma quebra irrevogável ou inexorável do vínculo familiar – não se preenchendo o pressuposto do art. 1978 CC.
  18. O menor sente-se bem na instituição sendo que a mudança para uma casa distinta, por via da adopção acarreta mais riscos que garantias de salvaguarda dos seus interesses.
  19. Face a tudo exposto em sede de direito e de matéria de prova, outra decisão devia ter sido proferida pelo tribunal a quo, na medida de procurar reforçar os vínculos familiares – em conformidade com os princípios legais e constitucionais adjacentes.

            O Ministério Público contra-alegou defendendo a improcedên-cia do recurso.

            Não foram apresentadas outras alegações.

                                                      *

            Questões que importa decidir: se a decisão da matéria de facto deve ser alterada e se, sendo esta alterada, ou mesmo sem essa alteração, a medida aplicada deve ser alterada.

                                                       *

            Foram dados como provados os seguintes factos:

  1. EC nasceu a 27/6/2007 e encontra-se registado como filho de PG e de SM.
  2. O menor vivia com ambos os progenitores em B, na Rua X, , quando foi sinalizado na Comissão de Protecção de Crianças em B.
  3. A sinalização ocorreu em 11/06/2012, tendo havido denúncias da situação que originou os autos de promoção e protecção, designadamente no sentido de haver situações de algum abandono do menor, que ficava sozinho em casa, de algumas agressões ao menor, de desleixo em relação aos assuntos do menor, que não estava integrado em infantário, na altura.
  4. Após averiguação da situação em 04/12/2012, foi aplicada pela CPCJ de B a medida de apoio junto dos progenitores sujeita às cláusulas constantes do acordo de que há cópia a fls. 69 e 70, que aqui se reproduz, acordo esse subscrito por ambos os progenitores.

            [este TRP passa a reproduzir, agora, o acordo em causa, deixando em cheio e sublinhado as partes manuscritas, parecendo que o resto é um impresso da CPCJ:

         Acordo de promoção e protecção

         Entre

         O(a) jovem EC e seus pais residentes na Rua X.

         A Comissão de protecção de crianças e jovens de B representada por AP.

         Entre as partes é celebrado o presente Acordo de Promoção e Protecção que se rege pelas cláusulas seguintes:

Cláusula 1ª

         Outorgando em 04/12/2012, a medida apoio junto dos pais prevista no artigo 35° n.º1, da Lei de Protecção de Crianças e Jovens aprovada pela Lei 147/99 de 01 de Setembro, com a duração de 6 meses, datando o início de 4/12/2012 e o termo de 04/06/2013, sem prejuízo de efectuar revisões antecipadas.

Cláusula 2ª

         Os/A pais responsável pelo jovem comprometem-se a:

1. A assegurar todos os cuidados necessários ao seu bem-estar e desenvolvimento integral.

2. A prestar e garantir ao jovem todos os cuidados básicos essenciais à sua integridade e bem­-estar (físico e psicológico)

a) Alimentação: deve ser equilibrada, respeitando os horários das refeições.

b) Higiene pessoal: deve ser realizada a higiene básica pessoal e o vestuário deve estar limpo e adequado à estação do ano.

3. Relativamente à saúde do jovem, devem diligenciar para que os mesmos beneficiem de todos os cuidados de saúde-essenciais, nomeadamente:

a) No cumprimento das consultas médicas de rotina.

b) No cumprimento do Plano Nacional de Vacinação.

c) No cumprimento de situações pontuais ou de emergência.

d) ———-

4. Assegurar que os jovens frequentem com pontualidade, assiduidade e responsabilidade o estabelecimento de ensino Jardim de Infância de X.

5. A proporcionar ao jovem um ambiente familiar harmonioso, evitando discussões ou outras situações de violência.

6. A não recorrer à força física como forma de educar ou castigar o/s jovem/es, devendo usar outras estratégias educativas.

7. A assegurar todas as condições de habitabilidade para o jovem, designadamente em termos de segurança, salubridade, organização e privacidade, para além dos equipamentos e mobiliários essenciais ao bom funcionamento da vida doméstica.

8. A informar esta comissão de qualquer acontecimento que justifique a intervenção por parte desta (ex. incumprimento de acções por parte de qualquer um dos subscritores deste acordo).

9. Os pais comprometem-se a diligenciar na melhoria das suas condições habitacionais.

10. —–

         Outro(s) CPPJ [?] compromete-se a: proceder ao encaminhamento para apoio alimentar e interacção [?] com entidades locais.

         CPCJ de B:

1. Acompanhamento do presente acordo tendo em vista o desenvolvimento integral do(a) jovem.

         Assinaturas dos subscritores do acordo.]

  1. No acompanhamento junto do agregado familiar, da aplicação de medida de apoio junto dos progenitores, durante 6 meses, aquele não conseguiu reorganizar, nomeadamente:

          – uma total resistência por parte dos progenitores, sobretudo do pai, em relação a todas as instituições, que considera burocráticas;

          – uma baixa colaboração com a CPCJ de B e as instituições envolvidas, patente na avaliação da medida, na ausência de procura activa quer de trabalho, quer dos apoios e obrigações que assumiram no acordo, no baixo envolvimento com a escola e na resolução dos problemas apenas por pressão:

          – a existência de informações inconsistentes, no que concerne a rendimentos, horários, disponibilidade para cuidar das tarefas relacionadas com o menor e outras designadamente com a fractura da clavícula da criança e requisição do abono de família;

          – uma baixa iniciativa e capacidade reduzida de resolução de tarefas sem motivo aparente ou motivos impeditivos dessa reso-lução, como por exemplo: não inscrição do menor na escolaridade obrigatória, o menor não beneficiar de abono de família e a continuação das suspeitas de maus-tratos físicos e psicológicos.

  1. O menor foi acompanhado no serviço de Psicologia, através da escola que frequentava, tendo em 24/05/2013, a Sr.ª psicóloga que fez o atendimento descrito “O EC tem medo do pai (facto que verbalizou e demonstrou várias vezes em contexto de sala de aula), que este lhe batia porque “eu faço disparates” e “bate com força” e “bate na cara”.
  2. Em 22/07/2013 o menor não se encontrava inscrito no 1.º ano do ensino básico e não beneficiava de prestação familiar (abono de família).
  3. Os progenitores do menor separaram-se entretanto e o menor passou a viver com o seu progenitor, tendo-se ausentado para o estrangeiro por algum tempo de Julho de 2013 a 04/12/2013.
  4. De regresso ao nosso país, o pai do menor e o menor foram acolhidos na casa de uma tia paterna do menor, LA, que foi prestando a ambos apoio económico e que foi cuidando do menor durante cerca de seis meses.
  5. O menor foi sempre revelando algum medo pelo seu progenitor, e mostrava-se uma criança retraída e carente.
  6. Durante o período em que permaneceu com o seu progenitor e após com este e com a referida tia paterna, o menor não manteve contactos com a sua progenitora, com excepção de uma ou duas vezes em que a viu, referindo a mãe do menor que o pai do menor não lhe permitia visitas.
  7. O progenitor do menor que se encontrava desempregado em 21/04/2014 saiu de casa da referida tia paterna do menor alegando que ia trabalhar no estrangeiro, o que não correspondia à verdade, pois foi morar para R, para casa de amigos, deixando o menor com a tia.
  8. No dia 13/05/2014, o pai foi buscar o menor levou-o para junto da mãe do menor, que residia em E com uma amiga, em casa pertencente a familiar desta, e por favor.
  9. Na altura a progenitora do menor, referiu que a sua intenção é de ir viver para P, em breve, por entender que lá terá melhores condições de abrir um negócio e que ali poderá organizar a sua vida, pois tem enfrentado muitos e variados problemas.
  10. A mãe do menor já residiu noutras localidades (B, G, P, E), numa das quais terá trabalhado em bar de alterne.
  11. A mãe do menor tem mais duas filhas, com 18 e 15 anos de idade, que foram entregues ao cuidado de outros familiares, encontrando-se uma delas actualmente institucionalizada e sem manter contactos regulares com a mãe.
  12. O menor encontra-se institucionalizado desde 22/05/2014, na Associação de Apoio à Criança, sita na Rua Y.
  13. O menor evidenciou grande facilidade de adaptação ao contexto institucional, verbalizando desde o início “querer ficar nesta casa”.
  14. Nunca perguntou ou manifestou saudades dos progenitores, ou de qualquer outro membro da família alargada.
  15. O menor recebe visitas da progenitora desde 27/05/2014.
  16. Na fase inicial a mãe era assídua e pontual. Porém, com o passar do tempo, foi revelando maior irregularidade, desmarcando e adiando, por diversas vezes, as visitas agendadas, sendo que não visitou o menor desde 03/09/2014, até meados de Junho de 2015, data em que solicitou outra visita a qual ocorreu a 21/07/2015, tendo durado 15 minutos, sem qualidade relacional.
  17. Na visita de 03/09/2014, que teve a duração de 20 minutos, foi notado o crescente descuido ao nível dos cuidados de higiene por parte da mesma, sendo evidente o desleixo com a apresentação e roupa.
  18. O progenitor, nunca visitou o menor, tendo contactado telefonicamente, uma só vez a instituição, no dia de aniversário do filho (27/06/2014) alegando não o poder visitar o menor porque estava a fazer tratamento psiquiátrico em regime de internamento, o que não foi verdade.
  19. A tia e avó paterna do menor, solicitaram uma única vez, no início da medida de acolhimento vistas ao menor, que foram recusadas, na altura por despacho judicial, dado o menor não pretender ser visitado pelas mesma, e pelo facto de tais vistas poderem transtornar o mesmo.
  20. Mais nenhum outro familiar requereu ou foi visitar o menor.
  21. A progenitora do EC, desde o início do acompanhamento tem apresentado grande instabilidade no que concerne à sua situação habitacional, pessoal e laboral.
  22. Reside, em E, estando desempregada há cerca de 10/11 anos a esta parte.
  23. Assumiu perante as técnicas do ISS e da instituição que acolhe o menor a frequência de bares de alterne, em diversas localidades do norte do país: P, P, P, B, E.
  24. Quando vivia com o pai do menor era ela o único sustento da casa, já que o progenitor não trabalhava.
  25. Confirmou também perante as técnicas a existência de consumos de estupefacientes por parte do progenitor do menor, assim como de episódios de violência conjugal.
  26. Autorizou que o pai do menor o levasse para fora de Portugal, por não querer que o filho fosse institucionalizado, tendo omitido esse facto quer ao tribunal quer às entidades que a contactaram para saberem do paradeiro do menor.
  27. Mesmo sabendo do regresso do mesmo a Portugal, não informou o tribunal nem os serviços sociais, só os contactando quando o progenitor não a deixava ver e estar com o filho.
  28. Declarou que apesar de ter dúvidas que o progenitor tenha capacidade para cuidar do menor, mesmo assim prefere que o filho fique com ele do que seja confiado à instituição para futura adopção.
  29. Não são conhecidos rendimentos certos ao progenitor, nem se apurou ao certo o seu modo de vida.
  30. Declara morar em casa dos avós do menor, seus pais.
  31. O EC, conta actualmente com 8 anos de idade.
  32. No início do acolhimento, apesar da facilidade de adaptação às rotinas institucionais, era muito reservado, particularmente, com os prestadores de cuidados; actualmente mostra-se mais seguro e, por conseguinte, menos inibido, revelando, em relação aos cuidadores preferidos, uma maior facilidade na demonstração de afectos.
  33. Frequenta o 3.º ano do 1.º ciclo, sendo um aluno com bons resultados.
  34. Nunca perguntou pelo pai, ou manifestou qualquer sentimento de tristeza por o mesmo o não visitar; continuando a imputar ao mesmo os comportamentos descritos em 6.
  35. Não foi identificada qualquer rede de suporte familiar, social ou comunitária, que possa assegurar os cuidados necessários ao menor.
  36. No debate, os progenitores continuaram a afirmar terem condições para acolher o filho.

                                                      *

                   Da impugnação da decisão da matéria de facto

            O regime de recursos de decisões aplicadas nos processos de promoção e protecção não difere do regime dos recursos aplicados no processo civil declarativo comum (art. 126 da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo [LPCJP], aprovada pela Lei 147/99 de 01/09, alterada pela Lei 31/2003 de 22/08 e pela Lei 142/2015 de 08/09).

            Por isso, havendo recurso da decisão da matéria de facto, o progenitor tinha que obrigatoriamente especificar, sob pena de imediata rejeição do recurso na parte respectiva, nas conclusões do recurso, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (arts. 639/1 e 640/1-a do CPC) e, pelo menos no corpo das alegações, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e, neste caso, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso (arts. 640/1-b e 2-a do CPC) e ainda a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (art. 640/1-c do CPC).

            Por isso, desde logo, só os concretos pontos de facto que tenham sido indicados nas conclusões como incorrectamente julgados é que devem ser agora considerados, entendendo-se que tal acontece quando, apesar do progenitor não se dar ao trabalho de referir os concretos números dos pontos de facto, mencione o respectivo conteúdo sem deixar margem para dúvidas a que pontos se refere.

            E destes, só têm de ser considerados aqueles em relação aos quais o progenitor tiver indicado a respectiva prova e, sendo esta testemunhal e gravada, se tiver indicado as passagens da gravação a que se refere.

            Ora, tendo em conta tudo isto, vê-se que o progenitor não põe em causa a decisão da matéria de facto relativamente a nenhum ponto de facto com observância destas condições.

            Aquilo que refere nas conclusões 14 e 15 – quanto à questão dos maus-tratos e consumo de estupefacientes – baseia-se, desde logo, segundo o recurso, no depoimento de uma testemunha, prestado no decurso do debate judicial, gravado. Ora, apesar disso, o progenitor não indica uma única passagem do depoimento daquela testemunha.

            O recurso deve, por isso, nesta parte, ser desde já rejeitado.

            De qualquer modo, tendo em conta que se trata de um processo de menores e dado que a crítica do progenitor também pode ser vista como crítica ao conteúdo daquilo que foi dado como provado, passa a ver-se a questão por este prisma.

            Respigando-se os pontos de facto que podem estar em causa, são eles os seguintes:

3. A sinalização ocorreu em 11/06/2012, tendo havido denúncias da situação que originou os autos de promoção e protecção, designadamente no sentido de haver situações de […] algumas agressões ao menor […].

5. […]

          – a existência de informações inconsistentes, no que concerne a rendimentos, horários, disponibilidade para cuidar das tarefas relacionadas com o menor e outras designadamente com a fractura da clavícula da criança e requisição do abono de família;

          – […] continuação das suspeitas de maus-tratos físicos e psicológicos.

6. O menor foi acompanhado no serviço de Psicologia, através da escola que frequentava, tendo em 24/05/2013, a Sr.ª psicóloga que fez o atendimento descrito “O EC tem medo do pai (facto que verbalizou e demonstrou várias vezes em contexto de sala de aula), que este lhe batia porque “eu faço disparates” e “bate com força” e “bate na cara”.

26 e 30. A progenitora do EC […c]onfirmou […] perante as técnicas a existência de consumos de estupefacientes por parte do progenitor do menor, assim como de episódios de violência conjugal.

36 e 39. O menor […] continua[…] a imputar ao [progenitor] os comportamentos descritos em 6.

            Posto isto, veja-se: o ponto 3 refere-se ao conteúdo da sinalização. Ela existia e tinha aquele sentido. Justifica o facto de se ter dado início ao processo e por isso podia ser referida. Não se está a dizer nele – no ponto 3 – que de facto existissem agressões ao menor.

            O terceiro traço de 5 está-se a referir à existência de informações inconsistentes relacionadas, entre outras questões, com a fractura da clavícula da criança. É um ponto confuso em que se revela apenas a exis-tência daquelas informações inconsistentes que, de qualquer modo, estão naturalmente (embora de forma implícita) imputadas aos progenitores. Não se está a dizer ou a sugerir que a fractura resultasse de maus-tratos. Mas não deixa de ser significativo, minimamente que seja, que, relativamente a uma fractura no corpo de um menor, não haja informações consistentes (revela, pelo menos, alguma negligência no seu acompanhamento) e por isso o ponto podia ser consignado.

            O quarto traço de 5 refere-se a suspeitas de maus-tratos físicos e psicológicos. Não se está a dizer que eles existem. Mas o facto justificou a continuação do processo, pelo que podia ser mencionado.

            O ponto 6 resulta do depoimento de uma testemunha com forte razão de ciência daquilo que consta do ponto revelada no próprio ponto. Este depoimento foi gravado e o progenitor não aponta qualquer passagem para o pôr em causa. O ponto tem relevo porque revela o medo do menor em relação ao pai e que este dizia que o pai lhe batia. Devia e podia ser consignado porque, nesta estrita medida, são factos e não suposições.

            Note-se, entretanto, que o facto de se consignar que uma testemunha diz que o menor dizia que o pai lhe batia, não corresponde a dar-se como provado que o pai batia de facto no menor. Dir-se-á que tudo indica que sim (que o pai batia), até porque o pai não desmente bater no menor, antes tenta justificar ou desculpar a sua conduta. Mas o tribunal recorrido não o deu como provado e ele lá saberá porquê (o que não pode ser aqui discutido por falta de condições da impugnação deduzida, como já se viu).

            A parte referida dos pontos 26 e 30 refere-se ao que foi dito pela progenitora quanto ao comportamento, personalidade e características do progenitor. A apreciação que cada um dos progenitores faz do outro, em aspectos que têm reflexos na convicção sobre a capacidade dele cuidar do menor e de prover ao seu desenvolvimento, tem valor, nem que seja apenas nessa medida, e por isso podia ser consignada. E no mais o tribunal não o valorou.

            A parte referida dos pontos 36 e 39 tem relevo, porque demonstra pelo menos a imagem que o menor tem do pai e a razão de ser do medo que se viu que ele lhe tem. Nesta medida tem relevo e podia ser consignada. Para mais, dizendo o progenitor – como se verá mais à frente – que o menor devia ter sido ouvido e não foi, isto serve para trazer aos autos a posição do menor pelo menos quanto a um aspecto, pelo que o progenitor nem sequer devia pôr em causa o facto de o ponto constar dos factos provados.

                                                      *

            Na conclusão 16 o progenitor põe em causa o facto de ter sido dado como provado a não inscrição na escolaridade obrigatória. Consta, embora o progenitor não o diga, na parte final do quarto traço do ponto 5 e no ponto 7. O progenitor baseia-se no facto de haver uma justificação para a não inscrição. com documentação comprovativa, o que equivale, desde logo, ao reconhecimento de que o facto é verdadeiro.

            E quanto à justificação para o facto, que poderia ser dada como provada se estivesse de facto provada, diga-se que ela, ao contrário do que diz o progenitor, não se comprova.

            É certo que o menor só em 27/06/2013 atingiu os 6 anos de idade, pelo que só no ano lectivo de 2013/2014 é que estava obrigado a frequentar a escolaridade básica. Mas, para o fazer, tinha que ter sido inscrito, em condições normais, até 15/06/2013 [art. 5/1 do despacho 5048/13 de 12/04 no DRII] e tal não foi feito pelos progenitores (tudo como consta das informações sociais pormenorizadas constantes de fls. 40, 49/50 e 86/87 do processo electrónico, com referência às datas de 22/07, 12/08 e 20/09/2013, sendo que pelo menos na segunda data já a plataforma electrónica escolar onde a matrícula tinha de ser feita estava encerrada).

            Nem tinha lógica que o tivessem feito, principalmente o progenitor porque, como consta do ponto 8, os progenitores do menor separaram-se entretanto e o menor passou a viver com o progenitor, tendo-se este ausentado para o estrangeiro de Julho de 2013 a 04/12/2013 (com o apoio tácito da progenitora, como resulta dos factos 31 e 32).

            E, neste contexto, o que importava era o facto de os progenitores não terem inscrito o menor – o que revela, no caso, mais que negligência, um comportamento intencional -, não interessando, directamente, o facto de ele, depois de regressado a Portugal, ter sido inscrito e frequentado o ano lectivo em causa, porque o tribunal não partiu do princípio que ele não tivesse acabado por frequentar o ensino (pelo contrário, pois que se sabe que ele em 2015/2016 já estava a frequentar o 3º ano…).

            Em suma, não há razão para alterar a matéria de facto.

                                                      *

                                   Da não audição do menor

            Na conclusão 7, o progenitor refere que o tribunal não conferenciou com o menor.

            Não diz que tal seja uma nulidade, nem diz que seja uma irregularidade que tenha influenciado a decisão final, nem diz que a arguiu e que o tribunal indeferiu a arguição, nem, por fim, diz qual a norma legal que impunha essa conferência.

            Antes de mais relembre-se que o menor aquando do debate judicial, em Dezembro de 2015/Janeiro de 2016, tinha cerca de 8 anos e meio e estava representado por advogada, nomeada defensora, que não é a advogada do progenitor recorrente.

            Depois, diga-se que a participação do menor em conferências apenas é obrigatória a partir dos 12 anos de idade do menor (arts. 5/f, 112 e 114 da LPCJP).

          *

Do recurso sobre matéria de direito

            O recurso do progenitor baseia-se no essencial nas considerações tecidas pelo acórdão do TRL de 13/01/2011, 106/08.8TMLSB-A.L1-2, que o progenitor diz respeitar a um caso ainda mais grave, mas que não o é manifestamente (a causa dos problemas naquele caso era principalmente um irmão dos menores que entretanto tinha saído de casa dos pais).

            No entanto, este acórdão não tem, nem de longe, nada a ver com o que é defendido pelo progenitor, como logo resulta do sumário do mesmo, da responsabilidade do respectivo relator: “Tendo sido aplicada, a título provisório, a medida de protecção de acolhimento em instituição de dois menores que eram sujeitos a abusos sexuais por parte de um irmão mais velho sem que os pais tomassem as medidas adequadas a pôr cobro a essa situação, verificando-se também desleixo dos pais no acompanhamento dos menores do ponto de vista da sua educação, higiene e saúde, não deve obstar-se a que os menores sejam visitados na instituição pelos pais, enquanto não for decretada definitivamente medida que tal contrarie, nomeadamente a confiança a instituição para futura adopção, a não ser, excepcionalmente, que tal seja desaconselhado pelo interesse dos menores.” 

            Este acórdão baseia-se, no que aqui importa, num argumento que tem toda a lógica e que se pode desenvolver assim: sendo um pressuposto de facto da medida de acolhimento para adopção o desinteresse dos pais para com o filho, revelado, entre o mais, pela ausência de visitas dos progenitores ao menor na instituição em que esteja acolhido, não faz sentido que o tribunal impeça as visitas dos pais, pois que, fazendo-o está a colaborar objectivamente na verificação daquele pressuposto de facto da medida que virá a aplicar (o argumento do ac. do TRL era este em concreto: “não cabe ao tribunal colaborar na criação de uma situação de facto que facilite o preenchimento de qualquer um dos supra referidos critérios”).

            O que é evidente e ainda pode ser visto por outra perspectiva:

            Se os pais não tiverem quaisquer laços com o filho e não o fossem visitar de qualquer modo (isto é, mesmo sem serem impedidos) podem vir dizer, mais tarde, que só não o visitaram porque foram impedidos de o fazer, e o tribunal não poderá, em regra, dizer nada em contrário (só o poderá fazer nas situações excepcionais em que de facto se justificasse a proibição de visitas por causa imputável aos pais).

            Se os pais tiverem laços com o filho e não o puderem ir visitar, quebrando-se esses laços, os pais podem-se vir queixar, e com razão, de que foi o tribunal que provocou a quebra desses laços, o que seria lamentável.

            Por fim, se os pais não forem visitar o filho e não tiverem sido proibidos de o fazer, o tribunal pode normalmente concluir, sem nada mais de especial, que os laços afectivos estão quebrados.

            Foi também neste sentido que no ac. do TRL de 09/05/2013, 1487/10.9TMLSB-F.L1-2, se escreveu (referindo-se o anterior) que: III – A interdição de visitas dos pais a menores acolhidos institucionalmente não deve ser aplicada – a menos que, excepcionalmente, o interesse do filho o desaconselhe (art. 1919/2 do CC) -, porque normalmente redunda em prejuízo do menor e do esclarecimento das coisas.

            Tudo isto serve para dizer que aquele acórdão do TRL, com o qual se concorda, só tem aplicação para aquela situação: enquanto não tiver sido determinada a confiança para adopção, as proibições de visita só excepcionalmente devem ser decretadas.

            Mas já não serve – ao contrário do que pretende o progenitor com a sua invocação – para sustentar o entendimento de que não deve o menor ser confiado para adopção porque a solução preferível é tentar reforçar os laços dos pais com os filhos. O ac. do TRL não tem, minimamente, este sentido e não põe minimamente em causa que a solução deve ser a confiança para a adopção quando aqueles vínculos se mostram descontinuados.

            É então isso que se passa a apreciar e com isso aprecia-se também toda a restante matéria das conclusões do recurso.

                                                      *

            Segundo o corpo do art. 38-A da LPCJP, a medida de confiança a instituição com vista a futura adopção é aplicável quando se verifique alguma das situações previstas no art. 1978 do Código Civil (= CC)

            Dispõe o art. 1978/1, do CC, que:

        com vista a futura adopção, o tribunal pode confiar o menor […] a instituição, quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação, pela verificação objectiva de qualquer das seguintes situações:

        […]

d) Se os pais, por acção ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento do menor;

e) Se os pais do menor acolhido […] por uma instituição tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança.

            Acrescenta o nº. 2 que:

        na verificação das situações previstas no número anterior, o tribunal deve atender prioritariamente aos direitos e interesses do menor.

            E o nº. 3 diz que:

        considera-se que o menor se encontra em perigo quando se verificar alguma das situações assim qualificadas pela legislação relativa à protecção e à promoção dos direitos dos menores.

            O nº. 2 do art. 3 da LPCJP estabelece, na parte que pode ter interesse para o caso dos autos, que:

        Considera-se que a criança ou o jovem está em perigo quando, designadamente, se encontra numa das seguintes situações: a) está abandonada ou vive entregue a si própria; b) Sofre maus-tratos físicos ou psíquicos […]; c) Não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal; […]; f) Está sujeita, de forma directa ou indirecta, a comportamentos que afectem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional […].

                                                      *

            Destas normas podem-se retirar dois requisitos para que a medida seja aplicada no caso dos autos: I – a inexistência ou sério comprometimento dos vínculos afectivos próprios da filiação (apurados pela verificação objectiva da seguinte situação: se os pais do menor acolhido por uma instituição tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança – neste sentido, isto é, de que aquele se trata de um requisito autónomo, veja-se Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito da Família, vol. II, Coimbra Editora, 2006, pág. 278); II – uma situação de perigo, anterior a tal acolhimento, consistente no abandono ou no viver entregue a si própria, no sofrimento de maus-tratos físicos ou psíquicos, no não recebimento dos cuidados ou da afeição adequados à sua idade e situação pessoal ou na sujeição, de forma directa ou indirecta, a comportamentos que afectem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional.

                                                      *

            Quanto à situação de perigo antes da colocação do menor na instituição, ela pode-se descrever em três fases, tendo só em conta os factos dados como provados:

            Antes do menor ter sido sinalizado, ou seja, a situação vigente em meados de 2012, tendo o menor 6 anos: a sua situação foi sinalizada a uma comissão de protecção de crianças que iniciou um processo para acompanhamento da situação, acabando por chegar a um acordo com os pais para aplicação de uma medida de apoio junto deles, o que significa o reconhecimento por estes da necessidade desse apoio. O menor nessa altura não frequentava nenhum jardim de infância, estando aos cuidados do pai, que não trabalhava e vivia à custa dos rendimentos obtidos pela mãe com o seu trabalho não regular (trabalho não regular que não existia desde há cerca de 10 anos); as condições habitacionais precisavam de ser melhoradas; os pais necessitavam de apoio alimentar e de apoio para interacção com entidades locais; não tinham abono de família; o menor dizia que o progenitor lhe batia (na cara, com força) e tinha medo dele; a progenitora tinha outras duas filhas, de 18 e 15 anos, que foram entregues ao cuidado de outros familiares maternos, encontrando-se uma delas actualmente institucionalizada e sem manter contactos regulares com a mãe.

            Entre Dez2012 e Junho de 2013, depois da medida aplicada: apesar da sua falta de condições, os pais resistiram à actuação das instituições com razões não justificáveis, não colaboraram com as mesmas, não procuraram trabalho nem apoios sociais em benefício do filho (abono de família); o menor partiu a clavícula e as informações sobre o assunto (naturalmente que dadas pelos progenitores) não eram consistentes; não inscreveram oportunamente o menor no ensino básico, o que devia ter acontecido até 15/06/2013; o menor continuava a queixar-se de que o progenitor lhe batia, revelava medo do pai e mostrava-se uma criança retraída e carente.

            Depois da CPCJ ter entendido (em fins de Junho de 2013) que o menor devia ser acolhido numa instituição, os pais não deram o acordo a essa medida; entretanto separaram-se e o pai foi para o estrangeiro com o filho de Julho de 2013 a Dez2013, com o apoio tácito da mãe que apesar de ter dúvidas de que o pai tenha capacidade para cuidar do filho, entende que essa solução era melhor que o acolhimento numa instituição. De Dez2013 a 21/04/2014, o pai e o menor estiveram a viver numa casa de uma tia paterna do menor, que era quem cuidava dele, estando o pai desempregado. Neste período (de Julho de 2013 a 21/04/2014) o menor só viu a progenitora uma ou duas vezes. Em 21/04/2014, o progenitor deixou a casa da tia do menor e foi viver para casa de amigos, deixando o menor com a tia, alegando que ia trabalhar para o estrangeiro o que não correspondia à verdade. Vinte dias depois, no entanto, foi buscar o filho e levou-o para junto da progenitora, que então vivia em Esposende, com uma amiga, por favor. A progenitora entretanto fazia planos de ir viver para P e já tinha vivido noutras duas localidades.

            Posto isto,

            Se é verdade que, apenas perante os factos dados como provados, se pode dizer que a situação apenas se torna manifesta depois de os pais terem sabido da pretensão da CPCJ de fazer com o que o menor fosse acolhido numa instituição, passando eles, progenitores, de forma não organizada a tentar actuar de modo a evitar essa solução, a verdade é que já então a situação era de perigo para o menor, pois que já então se podia dizer que:

            (i) os progenitores não faziam, podendo-o fazer (como se vê de: o pai não trabalhava sem que avance qualquer justificação para o efeito, vivendo à custa da mulher; esta estava desempregada há cerca de 10 anos, tendo trabalho irregular; falta de pedido de abono de família), o necessário para que este recebesse os cuidados (como se vê, primeiro da falta de frequência do jardim de infância, depois da falta de inscrição no ensino básico; e também de condições habitacionais que deviam ser melhoradas; da necessidade de apoio alimentar; mais tarde da falta de colaboração com instituições que podiam prestar o apoio que faltasse; e da falta de atenção necessária para saber o que se tinha passado com a quebra da clavícula) ou a afeição (o pai, pelo contrário, causava-lhe medo) adequados à sua idade e situação pessoal e

            (iii) o conjunto disto tudo levaria a prejuízos para a sua saúde, formação, educação e desenvolvimento (como se vê da clavícula partida, do facto de ser uma criança retraída e carente; da inicial falta de frequência do jardim infantil, da  não inscrição no ensino básico).

            E nada disto podia ser suprido por outros elementos da família alargada, quer do lado paterno quer do lado materno; deste lado, porque até já estavam ou já tinham estado a prestar apoio a outras duas filhas da progenitora.

            Mas depois da tal pretensão da CPCJ o comportamento dos progenitores descambou; o progenitor foi para o estrangeiro com o apoio tácito da mãe e esta praticamente deixou de ver o menor durante um ano (embora o menor só tenha estado fora cerca de 6 meses), deixando por isso praticamente de existir para o menor e, por isso, deixando de poder contribuir para os cuidados e afeição necessários. Quanto ao progenitor, a saída para o estrangeiro revela despreocupação com o bem estar do menor e com as condições de vida deste e a posterior saída de casa da irmã, deixando lá o menor, também revela desprendimento em relação ao menor e despreocupação com o fornecer-lhe condições de vida mínimas, tal como a mãe.

            No fim disto tudo, antes do acolhimento institucional, era já notório que os progenitores já não faziam planos de vida a contar com o menor e tratavam-no apenas com um objecto de que não queriam perder a posse a favor de terceiros.

            Por isso, o acolhimento institucional justificava-se por uma situação de perigo para o menor.

                                                      *

            Para apurar a verificação do outro requisito, importa saber se, depois do acolhimento em instituição, os pais do menor revelaram manifesto desinteresse pelo filho.

            E o desinteresse que é relevante para a medida em causa não é posto em causa pelo facto de haver visitas da mãe ao filho, pois que tem antes a ver com vontade, traduzida em comportamentos concretos, de mudança de condições de vida para poder ter consigo o menor (de algum modo neste sentido, veja-se, por exemplo, o acórdão do STJ de 30/11/2004, com anotação de Paulo Guerra, Confiança para futura adopção, Lex Familiae, Revista Portuguesa de Direito da Família, Ano 2/4 2005, especialmente págs. 126 a 128, de onde se pode retirar a ideia de que o desinteresse se manifesta na falta de “qualquer sério esforço para reunir condições que viabilizem o retorno do menor ao meio familiar”; Ana Rita Alfaiate, Responsabilidade processual dos pais por violação da boa fé nos processos de adopção, RMP 124, pág. 139: “não se atende já, neste momento, à mera apreciação objectiva das visitas, antes se subsumindo a possibilidade de confiança a visitas de pouca qualidade […]”; Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, obra citada, pág. 279: “são irrelevantes puras manifestações de intenção, desacompanhadas de actos em que as intenções se revelem […]”; também em anotação àquele acórdão, diz Maria Clara Sottomayor “as visitas dos pais biológicos, apesar da regularidade, se não forem gratificantes para a criança, porque esta rejeita os pais ou não os aceita como tal, não interrompem o período de tempo de manifesto desinteresse” – Adopção ou o direito ao afecto, Scientia Iuridica, 2005, nº. 301, pág. 131).

            Ora, depois da colocação em instituição, em 22/05/2014, o comportamento do menor (factos 18, 19, 24 e 36 a 39) revelou, de forma clara, que já havia um enorme afastamento em relação aos pais que foi aumentando ao longo do tempo, chegando ao fim com uma inexistência efectiva de laços entre ele e os pais.

            Como o demonstra também as visitas dos progenitores:

            Quanto à mãe – que tinha estado praticamente sem ver o menor desde Julho 2013 até 21/04/2014 – faz algumas visitas de 27/05/2014 a Set2014, para o fim já de forma irregular, e a partir de 03/09/2014 deixa de o visitar, até 21/07/2015, data em que faz uma visita de 15m, sem qualidade (factos 20 e 21).

            E o pai nunca mais o visitou (e arranja desculpas falsas para não o fazer) e teve apenas um contacto telefónico com ele no dia de anos do mesmo (facto 23).

            É certo, por outro lado, que a partir de 21/07/2015 os progenitores, por decisão do tribunal, já não o poderiam visitar mais, mas não houve um único sinal de que o tenham querido fazer depois disso uma única vez que seja, pelo que não se pode dizer que aquela proibição do tribunal tenha tido qualquer influência nas visitas. Nem eles vieram dizer que foi esse o caso.

            Por fim, não há sinais de que qualquer dos progenitores tenha feito qualquer coisa para alterar as suas condições de vida de modo a ter o menor consigo.

            Assim, considera-se que também o segundo requisito – inexistência ou sério comprometimento dos laços efectivos entre o menor e os pais – se verifica, pelo que, ao contrário do que é referido pelo progenitor, não há quaisquer laços a reforçar. Eles já estão quebrados e já o estavam praticamente mesmo antes do acolhimento do menor.

                                                      *

            Por fim, quanto às ideias que transparecem nas conclusões 9, 11 e 18 – se a criança se encontra numa situação estável na instituição não há motivos para promoção de outra medida senão a de melhorar a sua condição presente e potencial; a criança mantendo-se institucionalizada, vê minimizado, senão mesmo afastado, qualquer perigo grave para a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento; se o menor se sente bem na instituição a mudança para uma casa distinta, por via da adopção acarreta mais riscos que garantias de salvaguarda dos seus interesses – são contrasensos: nesta lógica nunca deveria haver confiança para adopção porque, evidentemente, as instituições existem para que a criança esteja nelas numa situação estável, sem riscos e sentindo-se bem.

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            Improcedem assim todas as razões aduzidas no recurso contra a decisão recorrida.

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            Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso.

            Custas pelo recorrente, sem prejuízo do que vier a ser decidido quanto à protecção jurídica.

            Porto, 21/04/2016.

            Pedro Martins

            1º Adjunto

            2º Adjunto