Expropriação 4698/11.6TBGDM – Gondomar – Secção Cível – J3

            Sumário:

                I. Embora não haja diferença substancial entre um caso em que não há, de todo, conclusões, e um caso em que as conclusões são o produto de copy paste do corpo das alegações, o STJ tem entendido que a este caso não deve ser aplicado o regime daquele.

              II . No caso de recurso interposto de decisão arbitral, os critérios de avaliação que esta tomou em consideração e que, no conjunto, estiveram na base do montante fixado, estão todos sujeitos a reponderação judicial tendo em vista determinar se a justa indemnização é aquela que foi fixada na decisão arbitral, não havendo caso julgado quanto àqueles critérios (embora o tribunal de recurso não possa subir a indemnização se o expropriado não recorreu, nem baixá-la para além do valor posto em causa pela expropriante).

              III. Para efeitos do art. 26/6 do CE, uma zona que possa ser considerada boa deve beneficiar de uma percentagem de 11% e não de 10% (que corresponderia apenas a ‘satisfaz’) nem de 12% (que corresponderia a ‘muito bom’).

              IV. Por impossibilidade lógica, um solo que dispõe das características da alínea a) do art. 23/2 do CE não pode deixar de beneficiar de, pelo menos, parte das percentagens do previstas no n.º 7 do art. 26 do CE.

            V. Não é de aplicar a dedução das despesas previstas no art. 26/9 do CE V se não resultar dos factos uma comprovada sobrecarga incomportável para as infra-estruturas existentes.

          VI. A existência de risco e esforço inerentes à actividade construtiva é um facto notório que, como decorre da letra da lei, o próprio legislador dá como certo e seguro. Não precisa, por isso, de demonstração, pelo que, salvo circunstâncias excepcionais comprovadas, é de aplicar sempre o factor correctivo do art. 26/10 do CE.

              VII. O critério que tem sido aplicado para o efeito é o de que quanto maior for o risco e o esforço que se poderia correr e que, por ter havido expropriação, já não se corre, maior deve ser a percentagem a deduzir. Nada havendo a assinalar num ou noutro sentido o valor que deve ser aplicado é 7,5%.

            Acordam no Tribunal da Relação do Porto os juízes abaixo assinados:

       O Município de X vem recorrer da sentença que fixou a indemnização pela expropriação que o município fez de duas parcelas pertencentes a E.

            O expropriado contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso (se é que o mesmo não deve ser rejeitado por falta de conclusões, já que se limitam a reproduzir as alegações do recurso) e diz que o valor do recurso não é o indicado pelo expropriante.

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            Questões a decidir: o valor do recurso, a inexistência de alegações e o valor da indemnização das duas parcelas.

            O valor das indemnizações é fixado aplicando várias normas do Código das Expropriações, que se concretizam em vários factores.

            As conclusões do recurso, que devem ser a síntese dos fundamentos por que se pede a alteração ou a anulação da decisão (art. 639/1 do Código de Processo Civil), revelam apenas os argumentos com os quais se tentam fundamentar esses pedidos, não equivalendo às questões a decidir.

            Assim, na fixação da indemnização, o tribunal da relação, tal como o tribunal da 1ª instância, tem de aplicar todas aquelas normas, independentemente de as partes terem discutido ou não a sua aplicação.

            Quer isto dizer, por exemplo (com interesse para o caso como se verá abaixo), que, o facto de o expropriante não ter dito nada, no recurso da decisão arbitral para o tribunal recorrido, contra a aplicação de um dos factores (o do art. 26/6 do CE), não impede, ou não preclude, que venha agora discutir a aplicação em concreto desse factor. O que é um outro modo de dizer que o facto de no recurso da decisão arbitral não se ter posto em causa a aplicação de algum dos factores não conduz a qualquer caso julgado quanto ao mesmo.

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Valor do recurso

            A sentença recorrida fixou o valor total das indemnizações pelas parcelas expropriadas em 365.245,98€. O expropriante quer baixar esse valor para 216.054,97€. Logo, o valor do recurso é de 149.191,01€, como pressuposto pelo expropriado, e não um valor entre 250.000€ e 275.000€ como pressuposto pelo expropriante. A taxa de justiça paga pelo expropriado está correcta, a paga pelo expropriante é excessiva, mas tal não tem reflexos por agora.

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                   Objecção do expropriado – falta de conclusões

            O expropriante apresenta 54 conclusões de recurso que reproduzem outros 54 pontos das alegações de recurso. Compreende-se, por isso, que o expropriado venha dizer, acompanhado de boa jurisprudência (um acórdão do STJ de 1999 e dois das relações de 2013 e 2015), que não há conclusões – já que as conclusões devem ser uma síntese dos fundamentos das alegações pelos quais se pede a alteração da decisão (art. 639/1 do CPC) – e que, por isso, o recurso deve ser rejeitado [art. 641/2b) do CPC].

            Repare-se que, de facto, não há diferença substancial entre um caso em que não há, de todo, conclusões (veja-se o caso, por exemplo, o ac. do STJ de 21/01/2014, 689/08.2TTFAR.E1.S1) e um caso em que as 54 conclusões são o produto de copy paste dos 54 pontos do corpo das alegações. Apesar disso, por exemplo, o ac. do STJ de 09/07/2015 (818/07.3TBAMD.L1.S1), veio dizer que “a reprodução nas “conclusões” do recurso da respectiva motivação não equivale a uma situação de alegações com “falta de conclusões”, não obstante revelar “o manifesto incumprimento por parte do recorrente de normas adjectivas relacionadas com a necessidade de circunscrever o objec-to do recurso de apelação através da apresentação de uma verdadeira síntese conclusiva em que se inscrevam as questões que pretendia submeter à reapreciação da Relação (art. 639/2)”.

            Por isso, sendo certo que, realmente, não existem conclusões em sentido próprio, vai-se apreciar, à mesma, as questões que o recurso levanta.

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Quanto à parcela A

            Os factos que foram dados como provados quanto a esta parcela são os seguintes:

  1. Por despacho do Secretário de Estado da Administração Local de 08/11/2010, publicado no Diário da República n.º 227, IIª Série, de 23/11/2010, foi declarada a utilidade pública da expropriação das parcelas de terreno n.ºs A e E ali identificadas.
  2. A parcela A à data da vistoria ad perpetuam rei memoriam era um prédio urbano, com um edifício de habitação de rés-do-chão e dois andares, com dois fogos Tipo T3 em cada piso, com um logradouro com garagem colectiva na parte posterior e duas entradas de ambos os lados do prédio com portões, e área utilizada pelos inquilinos para cultivo.
  3. O prédio situa-se na Rua X, n.º X, na freguesia de X, concelho de X, com a área coberta de 176m2, área descoberta de 734m2 e garagem com 112m2, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 6920 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 2910.
  4. O prédio tem ampla frente para o arruamento, sendo a área a expropriar de 169,62m2, constituindo a parte do logradouro cultivado, do lado Sudeste do edifício e abrangendo uma frente murada de cerca de 17m.l.
  5. As confrontações da parcela são as seguintes: Norte – termina em ponta aguda; Sul – X; Poente – parte sobrante do prédio; Nascente – Rua de X.
  6. O prédio dispõe, na confrontação com a via pública marginante, pavimento a betuminoso, de redes públicas de distribuição de água, de saneamento ligado a estação depuradora, de energia eléctrica, de colector de águas pluviais, de telefone fixo e passeios.
  7. A parcela expropriada, com a forma de triângulo rectângulo, com um dos catetos, com 17 ml, paralelo à rua e o outro com 20 ml, limitado pelo arruamento interior de acesso às garagens, é constituída por um terreno de logradouro do prédio de habitação, na frente para a rua, utilizado para cultura incipiente e variada.
  8. A área da parcela corresponde a 169,20m2 do logradouro, no limite sudoeste do prédio, reduzindo a frente do prédio em 17ml.
  9. A área do logradouro acha-se cultivada com couves e ocupada com uma ramada de maracujá.
  10. Existe ainda na parcela: um muro de vedação de pedra rebocado, com 1m de altura e 17 ml de extensão, encimado por uma grade de ferro pintada a esmalte, 0,30m de altura, muro de suporte e vedação, parte de alvenaria de pedra e parte de blocos de cimento rebocados, de 22 ml de extensão e altura variável de 1m na frente a 2m na extremidade.
  11. O prédio situa-se em local de fácil acesso, na freguesia de X, existindo no lado oposto do arruamento confinante um aglomerado habitacional de grande densidade, constituído quer por moradias de dois pisos, quer por prédios de habitação colectiva em altura, do lado do prédio em questão verifica-se a existência de terrenos agrícolas na envolvente próxima, desenvolvendo-se o aglomerado habitacional a pouca distância a Nascente, Poente e Sul, constituindo no conjunto uma área de franca expansão habitacional e boa de qualidade.
  12. Os arruamentos envolventes são pavimentados em betuminoso ou a cubos de granito, com passeios, dispondo de redes públicas de distribuição de energia eléctrica, de abastecimento de água, de saneamento ligado a estação depuradora, colector de águas pluviais, rede telefónica e rede de gás.
  13. O Plano Director de X, publicado do DR n.º 115, Série I-B, de 18/05/1995, classifica a área que abrange a parcela como inserida em espaços urbanos e urbanizáveis.

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            A fixação da indemnização, quanto a esta parcela, foi feita na sentença recorrida com base nas seguintes considerações:

            A parcela deve ser classificada como solo apto para construção (art. 25/2 do Código das Expropriações), com o que as partes estão de acordo.

            A capacidade construtiva (art. 26/1 do CE) é de 1m2/m2

            O custo do m2 de construção (art. 26/4 e 5 do CE) é de 741,48€/m2 (fixado pela Portaria 1379-B/2009 de 30/10, que fixou o valor do custo de construção por metro quadrado) x 90% = 667,33€/m2

            Logo o custo da construção para 169,62m2 a 667,33€/m2 é de 113.192,51€.

            O valor do solo é de 10% (art. 26/6 do CE) + 10% (art. 26/7 do CE) do custo da construção, ou seja 22.638,50€.

            Justificou a não aplicação dos factores previstos nos nºs 8 (tal como os Srs. peritos) e 9 (nesta parte em desacordo com os Srs. peritos) do art. 26 do CE.

            Com a aplicação do factor correctivo do art. 26/10 do CE, 5% no caso, o valor indemnizatório fica reduzido 21.506,58€.

            Justificou a não desvalorização da parte sobrante (tal como os Srs. peritos).           

            As benfeitorias existentes e que o expropriado perde têm o valor de 595€ + 1100€ = 1695€.

            Logo, o valor total da indemnização por esta parcela foi fixado em 23.201,57€ (21.506,58€ + 1695€).

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                                Discordâncias do expropriante

            Para além do vício da falta material de conclusões, o recurso apresenta ainda a singularidade de os primeiros 21 pontos do corpo das alegações pouco mais serem do que a reprodução quase textual da sentença recorrida, não contendo, por isso, nada de útil.

            Depois diz:                         

        “22. … não se entende é que, como se expressa na sentença, se fixe um valor de 10% para o critério previsto art. 26/6 do CE e então tal significaria que, tomando como referência o valor de 741,48€/m2 fixado na Portaria, 10% equivaleria a 74,14€/m2”.

  1. E aplicando-se os critérios do art. 26/7 se possam atribuir outros 10%, temos que o valor unitário do solo da parcela, seria 148,29€, dado que 741,48€ x 20% = 148,29€/m2.
  2. Como foi atribuído um factor correctivo de 15% constante do previsto no art. 26/10 do CE, dado que ao valor resultante da aplicação dos critérios fixados nos n.ºs 4 a 9 do art. 26 será objecto da aplicação de um factor correctivo pela inexistência do risco e do esforço inerente à actividade construtiva no montante máximo de 15% do valor da avaliação, temos que 148,29€ x 15% = 22,24€, daqui que 148,29€ – 22,24€ = 126,05 €/m2.
  3. Ora se o valor unitário por m2 é 126,05 €, então o valor unitário da parcela é 169,62m2 x 126,05€ = 21.380,60€, por aplicação meramente aritmética da própria estruturação adoptada pela sentença.
  4. E não os 21.506,58€ indicado na sentença recorrida.”

            Esta tentativa de demonstração de erros, da sentença, está, ela sim, errada, como também diz o expropriado. Com efeito, o expropriante esquece-se que os peritos e a sentença não aplicaram, sem mais, o valor da Portaria 1379-B/2009, mas antes 90% desse valor, contra o qual ele nada diz (nem faria sentido que dissesse, porque a operação beneficia-o). E, por outro lado, não reparou que a sentença não aplicou 15% com referência ao art. 26/10, mas sim 5%.

            Ou seja, o expropriante diz que a sentença se enganou nas contas, com referência ao cálculo de [714,48€ x (10% +10%)] – 15%, quando o que a sentença fez foi: [(741,48€ x 90%) x (10% + 10%)] – 5%, o que dá o resultado que a sentença apresentou, por isso sem qualquer erro.

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            Por fim, nos pontos 27 a 35, o expropriante, com repetição de alguns dos erros anotados acima, vem dizer que o factor aplicado ao abrigo do art. 26/6 devia ter sido de 8,5% e não 10%, porque:

         “27. […] levando precisamente em conta que esta parcela é constituída por um terreno de logradouro do prédio de habitação, na frente para a rua, utilizado apenas para cultura incipiente e variada, jamais permitiria um aproveitamento económico substancial e relevante, até pela reduzida dimensão do logradouro e a sua utilização para cultura agrícola absolutamente insubsistente.

  1. […] dado que o aproveitamento que o expropriado poderia obter nunca seria um efeito útil de elevada rentabilidade, nem sequer a freguesia de X se situa no centro cívico de certas cidades como Lisboa e Porto, os quais têm uma procura muito superior, o que não acontece em X, freguesia dum concelho como X, o qual não é sequer um dos 20 maiores municípios do país em nível de riqueza “per capita”, como demonstram as últimas estatísticas do INE para 2015, pelo que 10% de valor de construção é claramente excessivo.”

            Por outro lado, entende que o factor correctivo a aplicar ao abrigo do art. 26/10 do CE devia ser de 15%:

  1. […] pela inexistência do risco e do esforço inerente à actividade construtiva.

            Assim, acabam por ser apenas duas as questões levantadas: os factores a atribuir por força do art. 26, n.ºs 6 e 10, do CE. Aflora também a discordância quanto ao factor do n.º 9 do art. 26.

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                                 Do factor do art. 26/6 do CE

            O n.º 6 do art. 26 do CE tem a seguinte redacção: “Num aproveita-mento economicamente normal, o valor do solo apto para a construção deverá corresponder a um máximo de 15% do custo da construção, devida-mente fundamentado, variando, nomeadamente, em função da localização, da qualidade ambiental e dos equipamentos existentes na zona, sem prejuízo do disposto no número seguinte.” 

            Os árbitros diziam que tendo em conta a realidade observada no local lhes parecia que o factor mais ajustado à situação é 11% (pág. 32).

            O expropriante no recurso da decisão arbitral defendia, sem dizer porquê, que devia ser aplicada a percentagem de 10% (fls. 128).

            O expropriado, com fundamentação (no essencial com referência aos factos provados sob 6, 11 e 12), dizia que devia ser de 12% (fls. 154).

            Os peritos atribuíram 10% num intervalo de 0,1 a 15% o que explicaram do seguinte modo: “A zona da parcela dispõe de bons acessos, de boa qualidade ambiental, bem como de franca acessibilidade a todos os equipamentos existentes, quer em X, quer na cidade do Porto, dada a proximidade de bons transportes e de acesso a vias rápidas. Entende-se, assim, que a este título é ajustado fixar a percentagem de 10% […]” (446).

            A sentença, depois de uma reprodução desenvolvida do art. 26/6 do CE, diz:

         […] vem-se entendendo que na atribuição desta percentagem haverá de fazer-se uma análise comparativa com outros solos nacionais, decorrente do critério gradativo do CE. Assim, se a parcela em questão não apresentar localização, qualidade ambiental e equipamentos acima da média dos restantes solos nacionais com aptidão construtiva, será justificada a percentagem de 7,5%, enquanto uma percentagem igual ou superior a 12% só deverá ser concedida a terrenos localizados em centros cívicos de certas cidades como Lisboa e Porto que, pela falta de oferta e elevada procura, atingem valores muito superiores aos de outras zonas do país (Elias da Costa, Guia das Expropriações por Utilidade Pública, 2ª ed., págs. 296 a 298, citado em Acórdão da Relação do Porto de 05/02/2015, http://www.dgsi.pt, p. 4700/11.1TBGDM, que aqui sigo de perto). «A posição dos peritos é neste particular de importância fundamental, dada a especificidade técnica da matéria em questão, e ao conhecimento que pressupõe das condicionantes da envolvente da parcela. Ao tribunal restará sindicar a coerência das razões que fundamentam o parecer dos peritos, e a sua conformidade aos parâmetros legalmente impostos. Ultrapassado este crivo, subsistindo apenas a divergência entre peritos, é aceitável que a livre convicção do julgador o leve a acolher o parecer dos peritos que se pronunciam maioritariamente, sobretudo quando entre estes se contam os peritos nomeados pelo tribunal, dadas as maiores garantias de imparcialidade e objectividade que em abstracto oferecem».

         Neste contexto e atenta a factualidade provada (v. factos 6, 11 e 12 supra), resulta que a percentagem adoptada pelos peritos indicados pelo tribunal (10%) encontra-se cabalmente justificada. Entendo, assim, não existir qualquer motivo justificativo para divergir desta percentagem e optar pela percentagem indicada pelo expropriado ou outra.”

            O expropriado lembra:

  1. […] importa sublinhar que o expropriante aceitou a percentagem de 10% de localização e qualidade ambiental quer relativamente à parcela A quer à E, no seu recurso da decisão arbitral, pelo que se encontra precludido o direito de vir agora impugná-la.
  2. Mas, mesmo que o pudesse fazer, a impugnação assenta numa justificação sem qualquer lógica nem respaldo na lei.
  3. Efectivamente, o expropriante não pode olvidar que nunca contestou que a parcela expropriada deva ser classificada como solo apto para construção, pelo que assente este pressuposto, é totalmente irrelevante a justificação que apresenta, pois que não importa só o que existe mas também o que seria possível.
  4. Acresce que aquilo que estipula o art. 26/6 é que o valor do solo terá como correspondente um valor percentual máximo do custo da construção, o qual varia consoante os três factores seguidamente elencados e que são a localização, qualidade ambiental e os equipamentos existentes na zona.
  5. E quanto a estes critérios o expropriante não suscita qualquer crítica à decisão recorrida nem sequer lhes faz qualquer referência depreciativa relativamente ao relatório dos peritos para justificar a diminuição da percentagem que propõe.
  6. Aliás, se alguma crítica merece o relatório pericial é a justificação que apresenta relativamente à consideração do todo nacional e não exclusivamente à zona em que se insere o imóvel, conforme o expropriado defendeu em sede de alegações ao abrigo do art. 64 do CE, e se pugnava por um valor mais elevado, acabando por aceitar a posição assumida pelo tribunal a quo, que se respalda em jurisprudência que se reconhece maioritária.”

            Decidindo:

            O acórdão invocado pela sentença recorrida, apesar do que diz, aplica a uma parcela que se pode dizer idêntica à dos autos, também na cidade de X, a percentagem de 12%.

            A fundamentação apresentada pelos peritos não convence. Tudo o que eles dizem permite concluir que a parcela expropriada tem uma boa localização, uma boa qualidade ambiental e beneficia de todos os serviços essenciais (como aliás está implícito no facto 11). E não lhe é apontada uma única característica negativa. E os peritos não justificam minimamente o facto de terem atribuído só 10%, quando os árbitros tinham atribuído 11%. Tudo isto afasta desde logo, os 8,5% aventados pelo expropriante.

            Mas, para além disso, pode-se dizer que a parcela merece, a este título (factor do art. 26/6 do CE) a percentagem correspondente a um bom e não a um satisfaz.

            Sendo suficiente, numa escala de 0 a 20 valores, 10-11, satisfaz 12-13, bom 14-15, muito bom 16-17 e excelente 18-20 (segundo o quadro que consta de alguns guias ECTS como tabela de conversão de notas para Portugal, como se pode ver no sítio do Instituto Superior Técnico http://aep.tecnico.ulisboa.pt/files/sites/22/Apl_Class_ECTS.pdf.) a uma zona “boa” corresponde a percentagem de 11%, numa escala de 0 a 15%. Ora, uma zona com as características apontadas pelos peritos, suficientemente reflectidas nos factos provados, merece aquele bom que está acima do satisfaz; já um 12 corresponderia a um 16, ou seja, a um muito bom, que não se vê como se possa justificar para o prédio em causa. Mas aplicar só um 10, corresponde a considerar que a situação da parcela merece só um 13,33 ou seja, um satisfaz, o que não é o caso da parcela.

            Certamente por isto, o expropriado veio pedir aos peritos que justi-ficassem o facto de, tendo concluído que a parcela tinha boas acessibilida-des, boa localização e qualidade ambiental e bom acesso aos equipamentos sociais existentes, atribuíram 10%, valor inferior à notação de bom.

            Os peritos responderam que não entendem, “em rigor, o que se pretende dizer com essa afirmação [notação de bom]. De facto, quando se fala de acessibilidade, de localização, de qualidade ambiental e bom acesso aos equipamentos, não é fácil graduar terminologicamente a real sensibilidade que se tem a respeito de cada uma dessas vertentes. Se raciocinarmos numa escala de 0 a 20, dez corresponde a 13,33, o que não sendo bom anda relativamente próximo, e, no entender dos peritos, se ajusta ao local onde se insere a parcela.”

            Mas não convencem. Aplicar 10 corresponde a um satisfaz, não a um bom. Ora, é um bom a nota que merece a zona segundo o que eles mesmo dizem, pelo que é um 11 que deve ser aplicado.

                                                      *

            A tudo isto não estorva a preclusão nem o caso julgado.

            O objecto do processo da expropriação é a fixação do valor da justa indemnização devida pela expropriação (arts. 38/1 e 66/1 do CE). Nessa fixação, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5/3 do CPC). Por isso, desde que utilize apenas os factos que sejam dados como provados, não está sujeito a outras limitações que não sejam as decorrentes do pedido (art. 609/1 do CPC: A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir) e da delimitação objectiva do recurso, ou seja, na parte que interessa aos autos, do disposto no art. 635/5 do CPC: Os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo.

            A decisão recorrida, do ponto de vista do tribunal da 1ª instância, foi a do acórdão arbitral, onde se fixou a indemnização. Por isso, tendo essa decisão sido objecto de recurso, está em causa de novo o valor da indemnização, à qual o tribunal da 1ª instância (e agora este tribunal de recurso) tinha que chegar utilizando todos os factos ao seu dispor e aplicando todas as regras do CE, apenas não podendo fixar uma indemnização superior à pedida pelos expropriados nem uma indemnização inferior ao valor não posto em causa pela expropriante.

            Neste sentido, por exemplo:

        O ac. do STJ de 30/12/2011, 1333/06.8TBFLG.G2.S1:

         II – No caso de recurso interposto por expropriado que sustente a atribuição de uma indemnização de montante superior à fixada na decisão arbitral, designadamente pela perda de rendimento, os critérios de avaliação que a decisão arbitral tomou em consideração e que, no conjunto, estiveram na base do montante fixado, estão todos sujeitos a reponderação judicial tendo em vista determinar se a justa indemnização é aquela que foi fixada na decisão arbitral ou aquela que os expropriados consideram ser a devida.

         III – Assim, ainda que, relativamente a algum ponto parcelar, o expropriado não tenha suscitado objecção relativamente ao que foi considerado na decisão arbitral, o Tribunal pode considerá-lo de modo diverso, não se devendo entender haver aqui caso julgado, pois a indemnização a atribuir, agora no plano do recurso interposto da decisão arbitral, não pode deixar de tomar em linha de conta, para ser uma justa indemnização (art. 23.º do CExp de 1999), o correto valor a atribuir a cada um dos elementos que se considera concorrerem para a fixação da indemnização por expropriação sem o que estaria posto em causa a reponderação do critério de avaliação e, consequentemente, a possibilidade de fixação de justa indemnização (art. 62.º, n.º 2, da CRP e art.23.º, n.º 1, do CExp de 1999).

        Ac. do STJ de 13/07/2010, 4210/06.9TBGMR.S1:

         “De todo o modo, não transitando a parte decisória da sentença, verdadeiro objecto da lide, porque impugnada, caem, também, pela base os respectivos factos instrumentais, isto é, as premissas que a fundamentavam, sendo certo que está em causa a extensão do caso julgado da decisão aos fundamentos, e não pode alargar-se aos antecedentes aquilo que não existe quanto à decisão, verdadeiro objecto do recurso. […]”.

         Ac. do STJ de 12/10/2010, 4925/07.4TBGMR.G1.S1:

         “II – Interposto recurso da decisão arbitral, por discordância com os valores encontrados para a determinação da justa indemnização, é também posta em crise a sua própria fundamentação.”);

       Com várias especificações, veja-se ainda o ac. do TRP de 17/11/2014, 2950/10.7TBPRD.P1.

            De outra perspectiva, o facto de ter sido só a expropriante a recorrer não impede que no cálculo da indemnização se considerem os valores correctos (neste sentido, por exemplo, o ac. do TRP de 23/04/2015, 6132/05.1TBVNG.P1, não publicado: “A decisão arbitral faz caso julgado apenas no que respeita ao montante da indemnização […])”, até porque o limite decorrente do pedido só vale em relação ao valor global da indemnização e não em relação às parcelas da indemnização (assim, por exemplo, o ac. do TRP de 13/09/2012, 14062/05.0TBMAI.P2: “desde que o Tribunal se confine, no valor geral, ao pedido, respeitando o disposto no n.º 1 do art. 661 do CPC [antes da reforma de 2013, agora art. 609/1], pode alterar as parcelas que levam ao resultado encontrado”).

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Do art. 26/10 do CE

            Os árbitros atribuíram 15% como factor correctivo pela inexistência do risco e do esforço inerente à actividade construtiva.

            Contra isto dizia o expropriado:

  1. […] para que seja prevista uma dedução a este nível, ter-se-á de demonstrar nos autos que esse risco efectivamente é nulo e que, consequentemente, o expropriado beneficia de não ter empreendido, ele próprio, a edificação. Ora, não o fizeram os Srs árbitros […]
  2. E tal atitude reflecte não só essa dificuldade em ficcionar a existência de uma construção, e de eventuais custos e riscos, mas também a suposição abstracta de se impor aos expropriados um factor que onerará o seu património quando na base do cálculo da indemnização que se lhe atribui está um critério de avaliação do solo “como apto para a construção”, partindo-se do princípio de que ele teria de querer, neste preciso momento, de edificar,
  3. suportando, quiçá, custos acrescidos fruto da situação de instabilidade económica que há anos perdura, criando um ónus sobre ele que não dependeu da sua vontade, mas sim, foi-lhe imposto por um interesse público.
  4. Com efeito, penalizar-se o expropriado, não só pela ablação do bem, mas também pela aplicação de normas cujo fito foi o de diminuir o valor a atribuir, partindo de uma ficção que, no caso concreto, sequer é fundamentada, representa não só uma manifesta ilegalidade e inconstitucionalidade, mas também um atentado contra os seus direitos de defesa, preteridos pela omissão do laudo.
  5. Ora, os Srs árbitros não lograram elencar factos que demonstrassem a “inexistência de risco e do esforço inerente à actividade construtiva”, sobretudo quando sabemos que o prédio se situa numa “zona central da freguesia, em local de acesso fácil, e numa zona de aglomerado urbano” (fls. 3 do laudo), envolta por densa construção, e que ele próprio, sobretudo, já fez incorporar o risco, aquando da construção da edificação que aí está, há 22 anos, erigida.
  6. Como justificar, então, neste caso, a consagração de um factor de risco, no seu vector máximo?
  7. Com efeito, o espírito subjacente ao dispositivo em questão visa considerar os custos relativos a marketing, impostos, organização, que caberia ao expropriado efectuar no caso de pretender edificar no prédio afecto pelo acto expropriativo a um fim de utilidade pública. […] “o legislador resolveu partir de uma ficção, que o expropriado quisesse ele mesmo construir e vender”.
  8. Da nossa parte, subscrevemos as declarações de voto de Carlos Pamplona de Oliveira, no âmbito do ac. 312/06, e de Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, no âmbito do ac. 499/05, particularmente, no que ao primeira respeita, quando refere que: “Esta norma ofende claramente o princípio da justa indemnização que a Constituição adopta no seu art. 62/2, pois destina-se a introduzir, sob a capa de “correctivo”, um factor totalmente arbitrário de redução do montante indemnizatório, e assim contornar a jurisprudência que este TC vinha construindo em torno do conceito de “justa indemnização” acolhido na Constituição (veja-se o aresto citado no próprio acórdão, que é anterior à aprovação da norma em apreço). Face a esta evidência, o acórdão tem – a meu ver – a maior dificuldade em tornar convincente a tese que sufragou, razão pela qual busca apoio argumentativo na situação “de igualdade” daqueles a quem chama “não expropriados”, esquecendo que estes “não expropriados” são, afinal, os intervenientes no livre comércio jurídico que, ao contrário do que se passa na expropriação, intervêm em plena liberdade na decisão de concretizar o negócio e na fixação do preço.” Para depois concluir, “Com efeito, e a propósito das considerações tecidas nos acs. do TC citados no aresto, sobre a necessidade da avaliação do “risco e esforço inerente à actividade construtiva” (considerações que, de resto, dispensam totalmente o apelo à figura do chamado “promotor imobiliário”), cumpre-me apenas adiantar que esses factores – se tendentes a encontrar a “justa indemnização” de que se fala no art. 62 da CRP, e, por essa via, o valor de mercado do bem expropriado –, já se encontravam acautelados nos restantes parágrafos do art. 26 em que se insere a norma. Isto é: se se pretende que a valor da expropriação corresponda ao valor de mercado do bem expropriado, a norma é totalmente inútil; só não o será se interpretada no sentido de autorizar a subtracção ao valor resultante da aplicação dos critérios fixados nos n.ºs 4 a 9 – ou seja, ao “justo valor” do bem expropriado – de uma quantia aplicada sem qualquer critério definido, mediante o exercício de um poder público que não pode ser entendido senão como arbitrário e tendencialmente insindicável, e que se afigura ser absolutamente contrário às regras que a Constituição impõe à actividade pública: o respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé. Mantenho, pois, o entendimento de que norma ofende o n.º 2 do artigo 62º da Constituição”.

            Os peritos dizem: considera-se que a localização da parcela em aglomerado urbano, em zona central da freguesia, com boas acessibilidades e transportes, não justifica a aplicação de qualquer factor de risco com base na sua aplicação na construção. No entanto, numa postura prudente, adoptam a percentagem de 5%.

            A sentença, nesta parte, fundamenta assim o seu acordo com os peritos com a opção final dos peritos:

         “Em situações normais, existem riscos inerentes à construção que devem ser tomados em conta no valor da avaliação. Como refere Luís Perestrelo de Oliveira (in Código das Expropriações, pág. 102), o n.º 10 explica-se por razões semelhantes às que ditam a regra do n.º 9. Estão em causa os custos de organização, marketing, impostos, etc., que o expropriado suportaria se tivesse podido realizar o empreendimento admitido como possível na avaliação, que os peritos e o julgador de facto devem considerar, até ao limite de 15% do valor da avaliação efectuada. Entende-se, por isso, que com este normativo se tem em vista reduzir o valor da avaliação resultante da aplicação dos factores fixados nos nºs 4 a 9 do artigo, através da incidência da percentagem nele prevista e no pressuposto de que o expropriado não suporta o risco e o esforço inerente à actividade construtiva, a fim de o ajustar ao valor de mercado.

         Para funcionamento do factor correctivo previsto no aludido nº 10 do artigo 26.º exige-se uma comprovada inexistência de risco e esforço inerente à actividade construtiva relevante na situação concreta capaz de justificar uma redução do valor da avaliação do solo apto para construção, ajustando os custos à realidade hipotética (cfr. ac. do TRP de 27/06/2011, p. 476/07.5TBVCD.P1)

         Ora, tendo em atenção que a percentagem máxima a considerar seria de 15% e que existem sempre custos que normalmente advêm dos riscos e do esforço inerentes a actividade de construção, não considero desadequado aplicar o factor correctivo de 5% […]”

            Posto isto,

            A discordância do expropriante é uma discordância formal, sem qualquer tentativa de argumentação. Limita-se a referir, no meio das alegações, o valor de 15%, que aliás foi o que supôs que a sentença tinha aplicado. De tal modo, que o expropriado nem sequer terá dado conta desta discordância e não contra-alegou quanto a ela.

            Mas a argumentação do expropriado, apresentada no recurso da decisão arbitral, revela que se apoia numa visão, já há muito afastada, da inconstitucionalidade da norma (ou seja, apoia-se em votos de vencido juntos a acórdãos do Tribunal Constitucional que decidiram em sentido contrário).        

            No sentido da não aplicação do factor correctivo do art. 26/10 do CE encontrou-se um único acórdão publicado (o que não quer dizer que não existam outros), sem fundamentação especial, que é o ac. do TRP de 11/02/2010 (9908/06.9TBMTS.P1):

        Não é automático o funcionamento do factor correctivo previsto no nº 10 do art. 26 do vigente CE, exigindo-se uma comprovada inexistência de risco e esforço inerente à actividade construtiva relevante na situação concreta, capaz de justificar uma redução do valor da avaliação do solo apto para construção, ajustando os custos à realidade hipotética.

            Toda a restante jurisprudência, nem sempre com a mesma fundamentação, tem defendido a posição contrária.

            Assim, por exemplo,

            Ac. do TRG de 19/11/2003, CJ2003, tomo V, págs. 297 e segs,

         “O factor correctivo estabelecido pelo n.º 10 do art. 26, visa evitar que o expropriado enriqueça ilegitimamente com a expropriação, conseguindo obter o valor corrente do terreno expropriado como solo apto a construção, sem ter de suportar as despesas inerentes ao aproveitamento construtivo do mesmo e aos custos de organização, marketing e demais despesas inerentes à actividade de loteador imobiliário.”

            Ac. do TRP de 31/03/2004, 0431552:

         Numa situação normal de mercado, existem riscos inerentes à construção, como, por exemplo, acidentes na obra, mau tempo, surpresas geológicas, encarecimentos da mão-de-obra e dos materiais”

            Ac. do TRG de 20/04/2005, CJ, tomo II, pág. 293

         Há toda a lógica em que se faça uso de um factor correctivo – e no caso aplicou o valor de 15% – pois que o expropriado não suporta o risco e o esforço inerentes à actividade construtiva pressuposta e que serve de base ao cálculo do valor.

            Ac. do TC de 04/10/2005, n.º 499/2005:

         Julgou não inconstitucional esta norma, citando o ac do mesmo tribunal nº 210/93: “Qualificado o solo expropriado como apto para a construção, e exigindo a lei (art. 23/5 do CE) que o resultado da avaliação corresponda ao valor real e corrente, numa situação normal de mercado, daquele bem, os critérios impostos para tal avaliação – que tem como referencial o custo de construção possível – assentam necessariamente em factores concretos que permitam alcançar tal resultado, ou seja, nem uma subavaliação nem uma sobreavaliação do montante indemnizatório. Nestes últimos se incluem, nomeadamente o reforço das infra-estruturas necessário para o aproveitamento urbanístico que serviu de base ao cálculo do valor do solo (nº 8 do art. 26º do CE) e o risco e esforço inerente à actividade construtiva, encargos que em ambos os casos, não teve de suportar, mas que suportaria se não fosse expropriado e pretendesse o mesmo aproveitamento. Quer um quer outro dos factores significam a concretização da pretensão de igualar a situação dos expropriados e não expropriados de modo a evitar um benefício ilegítimo dos primeiros. (…)

         É evidente que nos situamos, como não podia deixar de ser, num campo de prognose; mas trata-se de um juízo plausível e sem arbítrio de que não decorre um tratamento discriminatório entre expropriados e não expropriados.

         (…) A circunstância de, actualmente e na maioria dos casos, pelo menos em zonas urbanas, o agente de construção ser um promotor imobiliário, com a consequência de o proprietário do terreno, se não fosse expropriado, poder optar por vendê-lo a um promotor imobiliário em vez de construir ele mesmo, não torna arbitrária, na vertente externa do princípio da igualdade, a consideração dos elementos a que a norma em causa manda atender. Os componentes de risco e de esforço com tradução no factor em causa são os mesmos que um potencial comprador, suposto agente económico racional, levaria em conta na determinação do preço por que se disporia a adquirir o terreno. Portanto, o proprietário não expropriado, para aproveitar da aptidão edificativa reconhecida no terreno, pode eximir-se pessoalmente no «risco e esforço» inerentes à actividade construtiva, mas já não aos reflexos negativos desses factores na determinação do valor do bem em condições normais de mercado, que é o que releva para a ponderação. (…)

         A norma em causa prevê factores que, de modo geral, são influentes na determinação do valor de transacção dos terrenos aptos para construção em condições normais de mercado e em relação aos quais não há evidência de que se trate de elementos já anteriormente considerados na determinação da base sobre que a dedução nela estabelecida vai operar, designadamente que a sua ponderação já esteja incorporada nos nº 5 e 6 do art. 26”.

            Ac. do TRP de 13/07/2006, 0632987:

II. O “factor correctivo” referido no nº 10 do art. 26º do CE não deve ser aplicado sem mais, de forma automática. III. Sendo uma parcela avaliada como terreno apto para construção, haverá sempre uma margem de risco, maior ou menor, pelo que só em situações absolutamente excepcionais, em que haja garantia quase absoluta de sucesso da operação urbanística e imobiliária e sem qualquer esforço por banda do investidor, se poderá dizer que o aludido risco se não verifica [aplica, no caso, o factor correctivo na percentagem de 5%]

            Ac. do TRC de 28/11/2006 (451-A/2001.C1)

         A existência de risco e esforço inerentes à actividade construtiva é um facto notório que, como decorre da letra da lei, o próprio legislador dá como certo e seguro. Não precisa, por isso, de demonstração […] considerar-se-á, pois, o factor correctivo de 0,15. O que reduzirá para 0,85 o valor da indemnização.

            Ac. do TRP de 03/06/2008 (0821914)

         Esta norma […] é ditada por exigências de igualdade entre o expropriado que, por virtude da expropriação, obtém uma indemnização sem sofrer os riscos e o esforço decorrentes do processo construtivo e o não expropriado que, em idênticas condições, levasse a cabo a edificação possível. […] Nesta conformidade tudo visto e ponderado afigura-se-nos que a percentagem de 5% se apresenta situada dentro de parâmetros admissíveis….

            Ac. do TRP de 01/06/2009 (4451/06.9TBMTS.P1)

         Sobre este normativo se tem pronunciado largamente a doutrina, constituindo exemplos Alípio Guedes, Valorização dos Bens Expropriados, 2000, pág. 88, para quem «… será de aplicar o factor correctivo com o valor máximo de 15%, sempre que os solos se situem em zona onde existe procura, como acontece normalmente em núcleos urbanos importantes e sua vizinhança», para além de […] Luís Perestrelo de Oliveira, CE, 2000, pág. 102, afirmando este autor que este número justifica-se quase pelo mesmos motivos do n.º 9, englobando aqui tanto os custos de organização, de marketing, impostos, etc., que o expropriado suportaria caso tivesse de realizar o empreendimento, admitido como possível na avaliação. Também a jurisprudência se tem já manifestado […] servindo como exemplo o ac. do TRG de 20/04/2005, CJ, tomo II, pág. 295 e ac. do TRE de 30/10/2003, CJ, tomo IV, pág. 249 para o qual “o sentido do n.º 10 é o de fazer reduzir o valor resultante da aplicação dos n.ºs 4 a 9 do art. 26º pela incidência da percentagem nele prevista e na base da consideração de que, fixando-se uma indemnização pela qualificação do prédio como solo apto para construção, com os inerentes proveitos acrescidos que, previsível ou provavelmente, acarreta para o expropriado, este não suporta, contudo, o risco inerente à actividade construtiva (risco derivado, por exemplo, de um concreto agravamento de custos de construção ou de uma deficiente construção ou até talvez da não colocação do prédio ou das suas fracções no mercado, com os inerentes prejuízos) e o esforço (designadamente financeiro com os respectivos encargos) inerentes a essa actividade».           

            Ac da RP de 18/6/2009 (1102/05.9TBMTS.P)

         Só em situações absolutamente excepcionais em que haja garantia quase absoluta de sucesso da operação urbanística e imobiliária e sem qualquer esforço por banda do investidor, se poderá dizer que o aludido risco não existe.

            Ac. do TRP de 18/09/2009 (11020/05.9TBMTS.P1)

         Os árbitros haviam aplicado o factor de 15%; o perito da expropriante considerou a percentagem de 10% e os demais peritos aplicaram o factor de 5%, referindo-se no laudo maioritário, a este propósito, que este factor é o adequado, dada a natureza e dimensão do empreendimento possível, cuja localização perspectivaria uma fácil comercialização. Importa, desde já, referir que o factor correctivo de 15% que havia sido aplicado pelos árbitros é manifestamente excessivo, na medida em que, correspondendo ao máximo previsto no art. 26º nº 10, um tal factor apenas poderia justificar-se caso fosse possível concluir pela existência de um elevado risco e esforço inerente à actividade construtiva e não é esse o caso dos autos. Com efeito, atendendo à localização das parcelas – no limite de aglomerado habitacional – caracterizado pela existência de casas de habitação unifamiliares ou bifamiliares de um ou dois pisos, respectivamente – e às infra-estruturas e equipamentos de que beneficia, de modo algum é possível concluir pela existência de elevado risco inerente à construção, tudo apontando, aliás, para um risco diminuto, na medida em que, como se refere no laudo maioritário, a localização da parcela perspectivaria uma fácil comercialização. […] Afigura-se-nos, pelo contrário, que o factor de 5% – aplicado na sentença recorrida – tendo sido considerado por todos os peritos, com excepção do perito da expropriante, adequa-se perfeitamente às parcelas em causa, cuja localização aponta para um reduzido risco e esforço inerente à actividade construtiva).

Ac. do TRP de 24/09/2009 (7652/05.3TBMTS.P1)

        Explica-se: no que toca ao factor correctivo a que alude o art. 26º nº 10, os peritos do tribunal e das expropriadas haviam aplicado a percentagem de 10% e justificaram esse facto na circunstância de o terreno se localizar em zona de franco desenvolvimento urbanístico mas que se encontrava parcialmente em “Zona de Salvaguarda Estrita” (note-se que estes peritos haviam avaliado a totalidade do solo, incluindo o que estava em “Zona de Salvaguarda Estrita” como apto para construção). A sentença recorrida reduziu essa percentagem para 5%, na medida em que, estando a ser avaliado como “apto para construção” apenas o solo que estava inserido em Zona Urbanizável, não se verificava relativamente a ele a circunstância em que os peritos se haviam fundamentado para aplicar uma percentagem superior, ou seja, a circunstância de o solo estar inserido em Zona de Salvaguarda Estrita. E, afigurando-se-nos inteiramente correcto este raciocínio, carece de razão a expropriante ao pretender a aplicação da percentagem de 10% que havia sido considerada pelos peritos com base em pressupostos diversos que aumentavam significativamente o risco inerente à actividade construtiva e que, na realidade, não se verificam, na medida em que apenas está em causa um solo inserido em área urbanizável.

            Ac. do TRL de 13/10/2009 (842/2002.L1-1)

         Só em situações absolutamente excepcionais em que haja garantia quase absoluta de sucesso da operação urbanística e imobiliária e sem qualquer esforço por banda do investidor, se poderá dizer que não existe risco inerente à actividade construtiva. Ora, os expropriados não alegam, não demonstram e não resulta dos elementos disponíveis nos autos, que para a efectivação de construção no prédio expropriado nem eles nem qualquer promotor imobiliário estariam sujeitos a qualquer risco e esforço inerentes à actividade construtiva. Nesta conformidade, importa verificar a adequação da percentagem de 5% […] não havendo nos autos elementos que permitam fundadamente divergir do relatório pericial dos perito maioritários – sendo que o perito dos expropriados nenhuma alusão fez a este factor correctivo – e não se mostrando irrazoável a percentagem de 5%, não há razão para a alterar.

            Ac. do TRP de 04/01/2010 (825/06.3TBLSD-A.P1)

         A sentença aceitou também o valor do laudo maioritário que fixou em 5% o factor correctivo pela inexistência de risco, factor dedutível no valor da avaliação. Temos como justificada a aplicação dum factor correctivo, dedutível, quando seja classificado e avaliado um terreno como apto para construção. Estando em causa os custos de organização, marketing, impostos, etc., que o expropriado suportaria se tivesse podido realizar o empreendimento admitido como possível na avaliação, que os peritos e o julgador de facto devem considerar até ao limite de 15% do valor da avaliação efectuada, a percentagem de 5%, muito inferior àquele máximo, afigura-se adequada.

            Ac. do TRP de 27/05/2010 (1369/06.9TBMTS.P1)

         […] porém […] nenhum dos peritos considerou a aplicação desse factor, referindo os peritos do tribunal e dos expropriados que, no caso da parcela em apreço, o desenvolvimento da actividade construtiva não envolveria risco nem esforço financeiro que justifique qualquer dedução […] Não obstante a posição dos peritos, o certo é que […] a actividade construtiva implica, em regra, alguma margem de risco e esforço que só se poderá considerar como inexistente em situações excepcionais […] não obstante o que foi dito, não poderemos considerar que esse risco seja elevado, afigurando-se-nos exagerada a percentagem de 10% que é proposta pela apelante.  Com efeito, considerando os relatórios (que apontam para a inexistência de risco) e atendendo à localização das parcelas e às infra-estruturas e equipamentos de que beneficia, de modo algum é possível concluir pela existência de elevado risco inerente à construção, tudo apontando, aliás, para um risco diminuto, afigurando-se-nos ajustado o factor de 5%.

            Ac. do TRC de 31/05/2011; 1197/05.9TBGRD.C2

        Tal como vem sendo reiteradamente afirmado pelo TC, a norma do art. 26/10 do CE, que prevê a aplicação de um factor correctivo pela inexistência do risco e do esforço inerente à actividade construtiva, não é inconstitucional por violação dos princípios enunciados nos arts 13 e 62 da CRP, já que visa garantir a paridade entre o expropriado e o não expropriado.

          Com efeito, em consequência do processo de expropriação, o expropriado não terá que suportar despesas com licenças de construção, impostos inerentes à actividade, encargos financeiros, riscos de demora no retorno do investimento, eventual insucesso da operação, etc., ao contrário de outro proprietário não expropriado que, se optar pela construção, fica sujeito a todos esses riscos e encargos [confirmou a aplicação de 15%]

            Posto isto:

            No art. 26, nº. 10, do CE, diz-se que “o valor resultante da aplicação dos critérios fixados nos nºs 4 a 9 será objecto da aplicação de um factor correctivo pela inexistência de risco e do esforço inerente à actividade construtiva, no montante máximo de 15% do valor da avaliação”.

            Tem-se entendido quase que unanimemente, como se viu, que do teor desta norma, conjugado com os factos notórios, decorre a necessidade de se aplicar, por regra, este factor correctivo, já que o risco por norma existe sempre, sendo as situações excepcionais – inexistência do risco – aquelas que têm de ser demonstradas/provadas.

            O argumento de que o proprietário pode vender o terreno sem nele construir nada e por isso não correndo o respectivo risco e esforço, que se viu invocado, não procede, pois que se ele não corre esse risco, o comprador (o imediato ou o subsequente, que venha a fazer a construção que serviu de base de cálculo à indemnização) terá que o correr e, por isso, o prédio é vendido com a desvalorização inerente.

                                                      *

            A fixação do factor correctivo tem variado, nos casos jurisprudenciais referidos, entre 5% e 10%, com alguns casos de 15%.

            O acórdão do TRP de 31/03/2004, 0431552, citado acima, diz que “é de presumir que a globalidade do risco e do esforço inerente à actividade construtiva seja proporcional à percentagem global obtida por aplicação dos critérios fixados nos nºs 6 e 7 do art. 26 do CE. Não existem nos autos quaisquer elementos que permitam contrariar essa presunção.” E depois faz-se a seguinte construção: assim, tendo em conta que o valor máximo daquela percentagem global é de 25% (15%+10%) e que o valor dessa percentagem considerado no caso concreto em apreço foi de 16%, temos que em correspondência com máximo do factor correctivo de 15%, deve este, no caso concreto em apreço, ser fixado em 9,6%”…

            Mas contra isto, pode-se dizer, com o ac. do TRL de 13/10/2009 (842/2002.L1-1) que “da análise conjugada dos mencionados normativos não se encontra fundamento legal para presumir, como nesse aresto, que a globalidade do risco e do esforço inerente à actividade construtiva é proporcional à percentagem global obtida por aplicação dos critérios fixados nos nº 6 e 7”.

            O critério que tem sido aplicado, como se vê da resenha que se fez, é o de que quanto maior for o risco e o esforço que se poderia correr e que, por ter havido expropriação, já não se corre, maior deve ser a percentagem a deduzir.

            Nada havendo a assinalar num ou noutro sentido (quando nada diz que não haveria quase risco ou que haveria um risco muito elevado…) o valor que deve ser aplicado é o intermédio, de 7,5%.

            Como tal é o caso dos autos, já que nada aponta num ou noutro sentido, aplicar-se-á a dedução de 7,5%.

            A posição seguida na sentença não pode ser aceite já que adere, sem mais, à percentagem atribuída pelos peritos que, no entanto, tinham invocado razões que não têm a ver com as que estão em causa para a aplicação de tal factor e por isso até se manifestavam no sentido de não dever ser aplicado o mesmo.

                                                       *

Factor do art. 26/9 do CE

            Este factor é o que mais influiu na diferença de valores dado pelos peritos e o dado pela sentença.

            É um factor que, aplicado, diminui a indemnização.

            Os árbitros deram 25%.

            O expropriante defendeu, sem fundamentação, a aplicação de 30%.

            O expropriado defendeu a não aplicação do factor, posição que desenvolveu, com ampla fundamentação e invocação de jurisprudência (entre outros, os acs. do TRP de 22/04/2008, 0821081, de 03/06/2008, 0821914, e de 05/05/2009, 25/05.0TBARC.P1).

            Os peritos aplicaram a percentagem de 15% dizendo que a parcela em causa situa-se à margem da Rua X, via esta que constituiu um acesso rodoviário integralmente infra-estruturado, não se afigurando, face à área da parcela e a sua pouca profundidade que haja lugar a qualquer sobrecarga comprovadamente incomportável para as infra-estruturas existentes. No entanto, porque se trata de uma área de solo cujo aproveitamento só seria viável em conjugação com os solos que lhe são confinantes pelo Sudeste, julga-se adequado, por essa necessidade de emparcelamento, aplicar um factor de 15%.

            A sentença disse:

         O que se encontra em causa na norma (n.º 9 do art. 26) é a sobrecarga incomportável para as infra-estruturas existentes, ou seja, uma intensa desproporcionalidade entre estas e aquilo que serviu de base à aplicação do critério do custo de construção em condições normais de mercado (assim, Salvador da Costa, Código Comentado, 2010, pg. 185). Ou seja: se as infra estruturas são (gradativamente) de valorizar para efeitos de calcular o custo de construção e o valor do solo, um vulgar reforço de infra estruturas que se mostrasse necessário arriscava-se a constituir uma avaliação dupla e contraditória (valorizante, por um lado, penalizante, por outro) do terreno – desta forma o diz a jurisprudência deste TRP de 31/3/2004, p.0431552, de 30/11/2004, in http://www.dgsi.pt, p.0431552, e de 03/06/2008 e de 17/02/2009, respectivamente nºs 0821914 e 0827475. Ou seja ainda – só a sobrecarga construtiva incomportável para as infra-estruturas existentes poderia conduzir à penalização da norma (v. neste sentido ac. do TRP de 16/10/2012, p. 6328/10.4TBMTS.P1).

         Ora, os Srs. Peritos afirmaram não haver lugar a qualquer sobrecarga comprovadamente incomportável para as infra-estruturas existentes. De igual modo, não se compreende que, na sequência de tal afirmação, justifiquem a percentagem adoptada com a necessidade de emparcelamento, sem qualquer correlação apontada com a aludida sobrecarga incomportável. Assim, nesta parte não considero justificada a argumentação e critério seguidos pelos Srs. Peritos pelo que entendo não dever ser aplicado aquele factor. Também a Expropriante não justifica, nem comprova, a aludida indicação do factor nunca inferior a 30%.

            O expropriante, nas alegações do recurso, nem sequer toca substancialmente nesta questão.

            Apesar disso, já se explicou acima que, mesmo não tendo o recorrente tocado na questão, ela deve ser apreciada oficiosamente, já que é um factor que consta das normas que o tribunal tem de aplicar para chegar ao valor da indemnização.

            No ac. do TRC de 18/01/2011, 1868/07.5TBVIS.C1, não publicado e que se cita principalmente por ser do mesmo relator do destes autos e se ter seguido a mesma posição, disse-se: “A questão tem sido colocada n[estes] termos: se se fizesse a construção, cujo preço foi calculado acima, tal constituiria comprovadamente, uma sobrecarga incomportável para as infra-estruturas existentes?”

             Ora, no caso dos autos, os peritos respondem que não a esta questão.

             Pelo que não há razão para aplicar esta dedução (neste sentido, aquele acórdão do TRC: V – Não pode ser aplicada a dedução prevista no nº 9 do art. 26 do CE se não resultar dos factos uma comprovada sobrecarga incomportável para as infra-estruturas existentes).

             No mesmo sentido, veja-se o caso do ac. do TRP de 13/09/2010 (1228/07.8TBLSD.P1), o qual, depois de discorrer longamente sobre as razões desta dedução, com ampla citação de acórdãos, acaba por não atribuir qualquer dedução com base nas seguintes considerações:

        “no caso presente resulta dos factos provados que a parcela é servida por algumas infra-estruturas – rede pública de abastecimento de água, electricidade e rede de telefone. Não resulta dos factos apurados que o aproveitamento urbanístico da parcela impunha um reforço das infra-estruturas existentes, nem ainda, que o local apresente condições especiais que agravam ou diminuam o custo da construção. Não se considerou o reforço com a construção de infra-estruturas, sendo certo que dos autos não resulta, que fosse necessário proceder a esse tipo de obra. […]”

             Em suma, não há qualquer razão para neste ponto não dar razão à sentença recorrida.

                                                      *

             Posto isto ao caminho seguido pela sentença:

             741,48€/m2 x 90% = 667,33€/m2

             169,62m2 x 667,33€/m2 = 113.192,51€.

             113.192,51€ x (10% + 10%) = 22.638,50€.

             22.638,50€ – 5% = 21.506,58€.

             Há apenas que alterar o seguinte:

             113.192,51€ x (11% + 10%) = 23.770,43€.

             23.770,43€ – 7,5% = 21.987,65€.

             Como o valor é superior e o expropriado não recorreu, a indemnização deve manter-se.

*                              

Parcela E

            Factos provados:

  1. A parcela E à data da vistoria ad perpetuam rei memoriam era um prédio rústico de cultivo de regadio, com restos de cultura de milho, já colhido, sensivelmente plano, ao qual se acede pela Rua da X, para a qual dispõe de uma frente de 4,10 ml.

         15, 16 e 21. O prédio (= à parcela) situa-se na Rua da X, na freguesia de X, concelho de X, com área de 3036,85m2, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 362 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 2893. Tem uma reduzida frente para o arruamento.

  1. As confrontações são as seguintes: Norte – o próprio; Sul – X; Poente – Rua da X e outros; Nascente X.
  2. O prédio dispõe na confrontação com a via pública marginante, pavimentada a cubos de granito, de redes públicas de distribuição de água, de saneamento ligada a estação depuradora, de energia eléctrica, de colector de águas pluviais, de telefone fixo, gás e passeios.
  3. A parcela a expropriar, com a forma de um pentágono irregular, é interior à rua, dispondo de um acesso público pela rua de 4,10 ml, com portão tosco de paus e chapas de zinco; trata-se de um terreno de regadio, com poço e um muro de suporte de pedra no limite Nascente.
  4. O proprietário possui um terreno de cultura de regadio do outro lado do arruamento, com 5000 m 2, cuja rega tem vindo a ser assegurada pelo poço da parcela expropriada, através de um tubo de plástico com cerca de 90m, de extensão.
  5. A área de logradouro foi cultivada com milho, já retirado, existindo na parcela um poço, com 7m de profundidade, e uma mina com 15m de extensão.
  6. Existe ainda na parcela: um muro de suporte de pedra solta, com 1m de altura média, na extensão total de 90ml no limite Nascente; um portão de 0,80m x 4,10m no acesso, tosco e em mau estado, feito com paus e chapas de zinco.
  7. O prédio situa-se em local de fácil acesso, na freguesia de X, existindo imediatamente ao lado do terreno um conjunto de moradias e edifícios de dois e quatro pisos, e até a Noroeste um edifício de habitação colectiva com 7 pisos e cave.
  8. [N]o arruamento confinante e na Rua X, que cruza com aquela, existe um aglomerado habitacional de grande densidade, constituído quer por moradias de dois pisos, quer por prédios de habitação colectiva em altura; existem ainda terrenos agrícolas na envolvente próxima, alguns objecto de expropriação, desenvolvendo-se o aglomerado habitacional a pouca distância a Nascente, Poente e Sul constituindo um conjunto com uma área de franca expansão habitacional e de boa qualidade.
  9. Os arruamentos envolventes são pavimentados a betuminoso ou a cubos de granito, com passeios, dispondo de redes públicas de distribuição de energia eléctrica, de abastecimento de água, de saneamento ligado a estação depuradora, colector de águas pluviais, rede telefónica e rede de gás.
  10. O plano director de X classifica a área que abrange a parcela como inserida em espaços urbanos e urbanizáveis.

                                                      *

A fixação da indemnização pela parcela E.

            Esta fixação foi feita do mesmo modo que para a parcela A e também seguindo o caminho dos peritos, com a mesma excepção em relação ao factor do art. 26/9 do CE (os peritos aplicaram 15% e a sentença achou que não devia ser aplicado qualquer percentagem). A sentença obteve pois um resultado que apenas difere do valor obtido pela perícia relativamente a esta aplicação. Mas incorre num lapso de referir, quanto à capacidade construtiva que a mesma era de 1m2/m2 também para esta parcela, quando os peritos disseram que ela era de 0,88m2/m2, o que fundamentaram assim:

         “nos termos do PDM, a parcela integra a categoria de terreno urbanizável, com capacidade edificativa de nível 2, ou seja, 1m2/m2, em cerca de 60% da sua área e com capacidade edificativa de nível 3, ou seja, 0,7m2/m2, em cerca de 40% da sua área. Considera-se que o índice de ocupação ajustado para a determinação da justa indemnização ao abrigo do critério referencial do CE é o que resulta da ponderação dos índices referidos, ou seja, 60% x 1m2/m2 + 40% x 0,7m2/m2 = 0,88m2/m2.”

           Corrigindo este lapso, a fundamentação do valor achado para a sentença é a seguinte:

            A parcela deve ser classificada como solo apto para construção.

            A capacidade construtiva é de 0,88m2/m2

            O custo do m2 de construção é de 741,48€/m2 x 90% = 667,33€/m2.

            Logo o custo da construção para 0,88m2/m2 de 3036,85m2 a 667,33€/m2 é de 1.783.391,38€.

            O valor do solo é de 10% (art. 26/6 do CE) + 10% (art. 26/7 do CE) do custo da construção, ou seja 356.678,28€.

            Com a aplicação do factor correctivo do art. 26/10 do CE, no caso de 5%, o valor indemnizatório fica reduzido 338.844,37€.

            As benfeitorias existentes e que o expropriado perde têm o valor de 3200€€.

            Logo, o valor total da indemnização por esta parcela é de 342.044,37€ (338.844,37€ + 3200€).

                                                      *  

          Discordância do expropriante

            Depois de nos pontos 36 a 41 reproduzir, no essencial, a fundamentação da sentença recorrida, o expropriante diz:

  1. […] uma vez que os critérios previstos no art. 26/7 do CE pressupõem o benefício e o aproveitamento de todas aquelas infra estruturas, […] o que sucede é que atenta a sua interioridade não pode usufruir das infra-estruturas pelo que os factores previstos no n.º 7 não podem ser aplicados.
  2. Dado que esta parcela se situa afastada dos arruamentos principais da freguesia, situando-se numa área interior, nem sequer possui frente com o arruamento principal em X, que é a Rua X.
  3. Se não possui proximidade com os arruamentos principais não pode beneficiar das valorizações constantes das alíneas do art. 26/7 do CE.
  4. […] tal significa que o art. 26/6 e 7 só pode conferir uma percentagem de valorização de 8,5%.

         […]

  1. […L]evando em conta a avaliação do valor da construção, de 741,48€/m2 […]

         […]

  1. – Então temos que a avaliação do valor unitário/m2 desta parcela é de 63,02€/m2.
  2. O que determina que o valor […] da parcela seja de 63,02€ x 3036,85m2 = 191.382,28€.

        E depois nos pontos seguintes aplica este resultado no cálculo do valor indemnizatório para a parcela.

                                                      *

            Decidindo,

       Note-se, desde logo, que expropriante não repara na questão da capacidade construtiva, ou seja, no lapso de a sentença se referir expressamente a 1m2/m2 quando a capacidade construtiva real é de apenas 0,88m2/m2; nem se lembra da atribuição pela sentença de apenas de 90% do custo de construção.

            Ou seja, esquece-se destas contas que constam do caminho seguido implicitamente pela sentença:

            0,88m2/m2 x 3036,85m2 x [741,48€ – 90%] = 1.783.391,38€.

          Depois, repare-se que as únicas divergências do expropriante com o caminho seguido pela sentença é com a aplicação da percentagem de 10% ao abrigo do art. 26/6 do CE (pugna pela aplicação de 8,5%) e com a aplicação de 10% ao abrigo do art. 26/7 do CE (pugna pela não aplicação de qualquer percentagem).

            Ou seja, em vez do caminho:

            1.783.391,38€ x (10% + 10%) = 356.678,28€ – 5% = 338.844,37€.

            O caminho seria:

            1.783.391,38€ x 8,5% = 151.588,27€ – 5% = 144.008,86€.

            Mas, em vez disto, o expropriante (porque se esqueceu daquelas contas iniciais) diz que o caminho é:

            741,48€ x 8,5% x 3036,85 = 191,382,28€ (esquecendo os arredondamentos).

            Ou seja, atribui um valor mais alto do que aquele que resultaria das críticas que fez à sentença.

            De qualquer modo e em suma, a divergência do expropriante refere-se apenas ao seguinte: 10% pelo art. 26/6 ou apenas 8,5%? 10% pelo art. 26/7 do CE ou nada?

                                                      *

            Posto isto,

            Antes de mais diga-se que a parcela E fica ao lado da parcela A, pelo que todas as considerações anteriores, que se fizeram a propósito da parcela A, valem também aqui.

            Ora, quanto ao art. 26/6 do CE, já foi dito o necessário para justificar a aplicação da percentagem de 11%.

            Quanto ao art. 26/7 do CE é evidente que o expropriante não tem razão, pois que depois de se ter dito, com toda a razão, que o solo deve ser classificado como solo apto para a construção por satisfazer as alíneas a), b) e c) do nº. 2 do art. 25 do CE, seria absolutamente contraditório, para além de impossível, entender que não se verificam as circunstâncias que justificam a aplicação das diversas alíneas do art. 26/7 do CE (daí que, como sugere o expropriado, os argumentos constantes dos pontos 42 a 44 estão em óbvia contradição com os factos dados como provados em 15, 16, 17, 18, 21, 25 e 26, entre outros, que o expropriante não impugnou).

             Posto isto ao caminho seguido pela sentença:

             741,48€/m2 x 90% = 667,33€/m2

             0,88m2/m2 x 3036,85m2 x 667,33€/m2 = 1.783.391,38€.

            1.783.391,38€ x (10% + 10%) = 356.678,28€.

            356.678,28€ – 5% = 338.844,37€.

             Há apenas que alterar o seguinte:

            1.783.391,38€ x (11% + 10%) = 374.512,19€.

            374.512,19€ – 5% = 355.786,58€.

             Como o valor é superior e o expropriado não recorreu, a indemnização deve manter-se.

                                                      *

            Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente.

            Custas pelo expropriante.

            Valor do recurso, para efeitos de custas, é de 149.191,01€.

            Porto, 02/06/2016

            Pedro Martins

            1º Adjunto

            2º Adjunto