Voto vencido [no processo 2926/15.8T8AVR.P1, cujo acórdão tem o seguinte sumário, sendo a discordância limitada ao ponto 3: 1. O plano de recuperação aprovado e homologado no PER não é oponível aos titulares de créditos novos, que, por isso mesmo, nele não intervieram, nem poderiam ter intervindo nessa qualidade. 2. Para obterem pagamento, podem os titulares daqueles créditos instaurar “quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor”, acções que tanto abrangem a execução para pagamento de quantia certa como acções declarativas destinadas a obter condenação no pagamento de quantias pecuniárias. 3. Naquelas acções não se inclui o processo de insolvência]

            Os créditos em relação aos quais o plano de recuperação é ineficaz, devem poder ser exercidos plenamente, já que não existe qualquer limitação legal que lhes seja aplicável. Não resultando da lei a impossibilidade de um credor, a cujo crédito é inoponível o plano de recuperação, requerer a insolvência, essa possibilidade não lhe pode ser retirada pelo tribunal.

        Caso contrário, está encontrada a forma de os devedores continuarem a contrair dívidas, constituírem-se numa das várias situações de presunção de insolvência previstas no art. 20/1 do CIRE e mesmo assim eximirem-se à declaração de insolvência: basta obterem um plano de recuperação com o acordo de alguns dos antigos credores.

            E não há nenhuma razão para lamentar a inutilidade dos actos do PER por um credor poder requerer a insolvência (como se este estivesse a agir gratuita ou arbitrariamente). A situação surge devido à actuação do devedor, que apesar de estar com um plano de recuperação pendente, permite as condições de surgimento de novas dívidas a que o plano de recuperação é inoponível.

            Por outro lado, a suspensão, que a lei prevê para um breve período de negociações (arts. 17-E/1 e 17-D/5 do CIRE), está a ser transformada num suspensão por um período de tempo muito superior – no caso dos autos já vai para mais de 1 ano e meio (Janeiro de 2015 a Junho de 2016) -, período que pode estar a ser aproveitado para o desaparecimento dos bens, que são a garantia patrimonial dos créditos, sem que os novos credores tenham qualquer real oportunidade de controlar o estado de coisas criado (já que o tribunal lhes está a retirar um dos meios mais importantes que a lei lhes dá para o efeito).

            Aliás, aceitando-se, como o projecto aceita, bem, que este credor pode instaurar execução para cobrança da dívida, em que podem ser penhorados e vendidos bens do devedor, o que poderá levar à impossibilidade do exercício da actividade do mesmo, tal basta para que se deva também aceitar que aquele pode requerer a insolvência do devedor, o que aliás redundará em benefício de todos os credores, sendo que a prossecução isolada de uma execução singular poderá, pelo contrário, redundar em prejuízo dos outros credores.  

            É certo que, por exemplo, Filipa Raquel Soares Beleza Gonçalves, também diz que: “As dúvidas surgem quanto aos casos em que o pedido de declaração de insolvência dá entrada na pendência do processo especial, uma vez que tal solução não se encontra consagrada na lei contrariamente às restantes. Neste sentido, parece ser opinião generalizada na doutrina a opção pela suspensão da insolvência requerida contra o devedor revitalizando, na pendência do processo especial (Assim, PEREIRA, cit, 37; SERRA, Revitalização…, cit, 93; SILVA, cit). João Aveiro Pereira considera ser esta a única solução possível para estes casos, sob pena de redundar o PER “num conjunto de actos inúteis ante uma superveniente declaração de insolvência, requerida por um credor participante ou não nas negociações”71. Para Catarina Serra esta é, igualmente, a solução que resultaria da aplicação adaptada do art 8º, além de ter a vantagem de permitir o aproveitamento de diligências já efectuadas pelo requerente da insolvência quando tal se justifique, nos termos do art 17º-G/3.72/73 (O Processo Especial de Revitalização, dissertação para obtenção do grau de mestre, UCP-Escola de Direito do Porto, Nov2013, pág. 23, consultado on-line a 02/07/2016).

         Mas estas posições não dizem respeito à situação dos autos, em que a insolvência é requerida já depois da homologação do plano. Elas dizem respeito a requerimentos de insolvência até ao despacho, de homologação, ou não, do plano apresentado (basta ver a posição de Catarina Serra quanto ao momento até ao qual se mantém suspensa a instância da insolvência).

            E já agora o crédito do requerente não é um qualquer crédito, de qualquer valor. É um crédito de 7400€ de um trabalhador (a salários que não lhe são pagos e a uma indemnização), de valor muito relevante para quem vive do fruto do seu trabalho (e o requerente diz que é esta a situação de outros trabalhadores do devedor).  

            A falta de fundamentação para a suspensão revela-se também no facto de a posição que fez vencimento nem sequer indicar qual o período de suspensão do processo de insolvência e no facto de invocar para o efeito uma situação (durante as negociações) que não tem qualquer analogia com a dos autos (depois das negociações e da aprovação do plano de recuperação).

            Por fim, se o tribunal entende que o processo de insolvência deve ser suspenso, não se pode dizer que confirma a decisão recorrida que julgou extinto aquele processo. Está, sim, a revogá-la e a substitui-la por outra que tinha que estar devidamente fundamentada.

          Pedro Martins