Oposição à execução

1º juízo de competência cível do TJ de Póvoa de Varzim

 

               Sumário:

I. A carta para citação de um condomínio deve ir endereçada a este, mas fazendo referência à pessoa do seu administrador e ao local onde normalmente funciona a administração (arts. 6, 22, 231/1 e 236/1 do CPC61).

II. Se a carta, por falta daquela identificação, acaba, mesmo assim, por ser entregue ao administrador do condomínio, mas com a menção de que foi entregue a pessoa diversa do destinatário, e o texto da citação dá ao citando, nessa hipótese, o acréscimo da dilação de 5 dias sobre o prazo legal, tem que se aplicar a regra do art. 198/3 do CPC61, devendo a oposição ser admitida dentro do prazo indicado.

 

              Acordam no Tribunal da Relação do Porto os juízes abaixo assinados:

               O Condomínio do edifício X está a ser executado.

               Deduziu oposição a 04/02/2013.

               Tinha sido citado por carta registada de 08/01/2013.

             Considerando que o prazo para deduzir oposição (de 20 dias – art. 813/1 do CPC61) tinha terminado a 28/01/2013, a oposição foi indeferida liminarmente [art. 817/1a) do CPC61].

               O executado recorreu deste despacho – para que seja substituído por outro que receba a oposição -, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

  1. O Condomínio deverá ser equiparado para efeitos da citação por via postal a pessoa singular, por oposição ao regime da citação por via postal das sociedades.
  2. Deverá proceder a questão da citação do Condomínio, equiparada a pessoa singular, por oposição ao art. 231/3 do CPC61.
  3. Não tendo a citação sido enviada para a pessoa do legal representante do condomínio, mas sim para o Condomínio, a citação foi realizada em pessoa diversa do réu.
  4. O prazo para deduzir oposição deveria ter sido acrescido da dilação de 5 dias.
  5. O Tribunal a quo deveria ter recebido a oposição porque apresentada em tempo.
  6. A citação via postal foi enviada e endereçada para o Condomínio, violando-se assim os termos dos arts. 6, 231/1, 236/1 e 252-A/1a), todos do CPC61.

              O exequente apresentou contra-alegações, que termina com as seguintes conclusões:

  1. O Condomínio foi citado na pessoa do seu legal representante;
  2. O Condomínio omite tal informação, pretendendo prevalecer-se de disposições legais que prevêem dilações quando as partes são citadas em pessoas diversas do citando;
  3. O prazo para a oposição, tendo o condomínio sido citado na pessoa do seu legal representante, não podia nem devia ter sido acrescido da dilação de 5 dias;
  4. A oposição à execução, foi, assim, extemporânea;
  5. Não foram violados, por isso, quaisquer dos normativos legais dos arts 6, 231/1, 236/1 e/ou 252-A/1a) do CPC.
  6. O condomínio deve ser condenado como litigante de má-fé, em multa e indemnização condigna a favor do exequente, já que deduz pretensão cuja falta de fundamento não desconhece e omite fatos relevantes para a decisão da causa, designadamente que a citação foi recebida pelo legal representante do condomínio, Dr. Y, advogado.
  7. E mais deve o condomínio recorrente ser condenado na taxa sancionatória excepcional prevista ao art. 531 do novo CPC, já que o recurso é manifestamente improcedente e o condomínio age sem prudência e sem a diligência devida.

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              Questão que importa decidir: se a oposição à execução foi extempo-rânea; se o executado deve ser condenado em multa como litigante de má fé e sancionado com a taxa de justiça prevista no art. 531 do CPC.              

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              Os factos a considerar para a decisão destas questões são os que resultam do relatório que antecede e ainda os seguintes:

  1. O citação do Condomínio foi feita através do envio de uma carta registada com a/r dirigida para o Condomínio, com a indicação da morada do edifício, sem indicação de qualquer fracção em concreto (conforme fls. 77/78 deste apenso).
  2. O a/r mostra-se assinado por Y depois de ter sido assinada a quadrícula destinada a assinalar que o aviso foi assinado, não pelo destinatário, mas por pessoa a quem a carta foi entregue e que se comprometeu, após a devida advertência, a entregá-la prontamente ao destinatário, e tem a data de 08/01/2013 (conforme fls. 79 deste apenso)
  3. No texto da citação diz-se ainda que ao prazo de defesa do citando, acresce uma dilação de 5 dias quando a citação tenha sido realizada em pessoa diversa do réu.
  4. A procuração de fls. 52 a favor do mandatário judicial do Condomínio tem a mesma assinatura do a/r.
  5. O pedido de apoio judiciário feito pelo Condomínio, com cópia junta pelo Condomínio a fls. 40, também tem a mesma assinatura debaixo do carimbo do Condomínio.

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Como é que deve ser citado um condomínio

           Segundo o art. 6 do CPC61, tem ainda personalidade judiciária: […] e) O condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador.  

              E segundo o art. 231 do CPC61, que dispõe sobre a citação ou notificação de incapazes e pessoas colectivas, 1. Os incapazes, os incertos, as pessoas colectivas, as sociedades, os patrimónios autónomos e o condomínio são citados ou notificados na pessoa dos seus legais representantes, sem prejuízo do disposto no artigo 13. […]. 3. As pessoas colectivas e as sociedades consideram-se ainda pessoalmente citadas ou notificadas na pessoa de qualquer empregado que se encontre na sede ou local onde funciona normalmente a administração.

           Assim, parte formal é pois o condomínio (o assunto é suficientemente desenvolvido por Miguel Mesquita, A personalidade judiciária do condomínio nas acções de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos – anotação ao ac. do TRL de 25/06/2009, 4838/07.0TBALM.L1-8, Cadernos de Direito Privado, nº. 35, Julho/Set 2011, págs. 50 e 51, referido, por exemplo, no ac. do TRL de 20/06/2013, 6942/04.7TJLSB-B.L1 (todas estas referências são à base de dados do IGFEJ); vejam-se também os acs. do TRL de 18/12/2012, 18723/10.4T2SNT-A.L1-1, e de 25/06/2009, 4838/07.0TBALM.L1-8; e o ac. do TRP de 05/02/2004, 0336927) e é ele que, por isso, deve ser citado, mas deve-o ser na pessoa dos seus representantes legais: administradores eleitos, nomeados ou provisórios (arts. 1435 e 1435-A do CC).

              Por isso, uma carta para citação deve ir dirigida ao condomínio, mas deve identificar suficientemente o representante legal do condomínio a citar (arts. 467/1a), 22, 23 e 24, todos do CPC61).

              Neste sentido, veja-se, por exemplo:

              Lebre de Freitas, A acção declarativa comum à luz do CPC de 2013, 3ª edição, Coimbra Editora, pág. 45, nota 21: “Quando a parte seja um incapaz ou um ente com personalidade meramente judiciária (arts. 12 e 13), há também que indicar, identificando-o, o seu representante, dado o disposto nos arts. 16-1, 26 e 223-1 […]”,

              Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo CPC, Lex, 1997, 2ª edição, págs. 148-150: “Este ónus de indicar o representante legal do réu incapaz que é imposto ao autor é uma decorrência do ónus de preenchimento dos pressupostos processuais: como lhe incumbe assegurar todos esses pressupostos, cabe-lhe indicar o representante da parte passiva”;

              O ac. do TRP de 14/06/2011, 268/09.7TBMBR.P1: I. Quer a incapacidade judiciária, quer a irregularidade da representação devem ser supridas, oficiosamente e a todo o tempo, pelo tribunal. II. O juiz deve providenciar oficiosamente por obter informação sobre a identidade do administrador do condomínio – tenha sido ele eleito pela assembleia, nomeado pelo tribunal (art. 1435 do CC) ou seja ele o administrador provisório determinado nos termos do art. 1435-A do CC – e determinar a sua citação, regularizando a instância.

            O ac. do TRL de 14/05/1998, CJ, tomo 3, pág. 96: “Da especificidade da representação do condomínio resultante da propriedade horizontal […] decorre que, para cabal cumprimento do disposto no art. 467/1 do CPC, se o autor demandar o condomínio, deverá indicar o nome e a residência do administrador […], sem o que o condomínio não pode ter-se por devidamente identificado.”; acrescenta este acórdão: “Em resposta à argumentação do agravante, recorda-se que nada obriga que a administração do condomínio esteja a cargo de um dos condóminos ou que funcione no edifício em propriedade horizontal. Por isso é falacioso dizer-se, como diz o agravante no corpo da sua alegação, que a referência […] ao Condomínio de […] sendo seu legal representante a administração do condomínio, é o suficiente para a identificação do condomínio”;

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              Se a citação do condomínio se deve fazer como se fosse pessoa singular ou como se fosse pessoa colectiva

         A citação de um condomínio é a citação de uma pessoa não física com personalidade judiciária. Como tal a equiparação a fazer é com as pessoas colectivas e não com as pessoas singulares.

              Daí que Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto os incluam num conceito lato de pessoa colectiva (CPC anotado, Coimbra editora, 2008, vol. I, 2ª edição, págs. 405-406): “As pessoas colectivas (stricto sensu) e as sociedades são, em primeiro lugar, as dotadas de personalidade jurídica (arts. 20 e 21); mas são também, independentemente de constituírem patrimónios autónomos, aquelas a que o art. 6 atribui personalidade judiciária […]” (e também págs. 434-436).

              A norma do art. 231/3 do CPC61 é também aplicável aos condomínios, englobados pois num conceito lato de pessoa colectiva (que é este conceito lato o empregue nesta norma, veja-se Lebre de Freitas e outros, obra citada, também nas págs. 406/409).

              Assim, em vez do art. 231/3 do CPC61 servir para provar que o CPC faz distinção entre pessoas colectivas e condomínios e que estes devem ser citados como pessoas singulares, como pretende o executado, serve precisamente para o efeito oposto.

              Por outro lado, como os condomínios não têm residência nem local de trabalho, naturalmente que a carta não pode ser para aí enviada, tendo que ser antes enviada para o local onde funciona normalmente a administração (art. 236/1 do CPC61).

              Entregue a carta (com as indicações referidas acima) nesse local, a citação considera-se logo efectuada, isto é, no dia da assinatura do aviso de recepção (art. 238/1 do CPC61).

              E isto independentemente de a carta ter sido entregue ao administrador ou a terceiro (desde que, repete-se, no local onde funciona normalmente a administração), porque a dilação do art. 252-A/1a) do CPC61, só se refere ao nº. 2 do art. 236 do CPC61 e não ao seu nº. 3.

              Se a carta foi entregue a terceiro, fora do local onde funciona normalmente a administração, o condomínio não se pode considerar citado (arts. 236/1 e 3 e 231/3, ambos do CPC61 – Lebre de Freitas e outros, obra citada, pág. 407, § final da anotação 5, com referência ao ac. do TRL de 15/02/1990, BMJ. 394, p. 525). Se foi entregue ao administrador, onde quer que ele se encontre, corresponde sempre à citação do condomínio.

              Tudo sem prejuízo de o condomínio ter o direito de arguir a falta de citação nas várias hipóteses do nº. 1 do art. 195 do CPC61 ou de arguir a nulidade da citação na hipótese prevista no nº. 1 do art. 198 do CPC61.

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Afastamento das razões do executado

              Não tem, assim, razão, o executado quando pretende que, tendo a carta sido enviada e endereçada para o condomínio (conclusões 3 e 6) e não para a pessoa do legal representante do condomínio (conclusão 3), a citação foi realizada em pessoa diversa do réu, violando-se assim os termos dos arts. 6, 231/1, 236/1 e 252-A/1a), todos do CPC61. A carta foi enviada, como o tinha de ser, para o condomínio. O que se passa é que foi enviada com identificação insuficiente do executado, ou seja, do seu representante legal.

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Carta enviada com indicações insuficientes

              Ora, se a carta for enviada com indicações insuficientes, designadamente por não fazer referência ao representante legal ou não o identificar, ou se não indicar o local onde funciona normalmente a administração, a citação do condomínio poderá não se mostrar devidamente efectuada, mesmo que a carta venha a ser entregue; teria então que ser suprida a irregularidade de representação daí resultante, por iniciativa do tribunal (arts. 23 e 24 do CPC61, se necessário com a antecedência de um convite ao aperfeiçoamento da petição inicial: art. 508/2 do CPC61). E a responsabilidade disto tudo será do exequente por não ter identificado devidamente o executado.

O caso dos autos

               Só que no caso dos autos, a carta calhou ser entregue directamente ao administrador do condomínio. Revelam-no os factos enumerados (entre o mais, o mandatário judicial do executado, ao apresentar a procuração judicial para junção aos autos está implicitamente a assumir que certificou a qualidade e a identificação da pessoa que a assinou – art. único do Dec.-Lei 267/92, de 28/11 e parecer E-936 do Conselho Geral da Ordem dos Advogados publicado no sítio da internet da OA) e o executado, ao recorrer, não põe em causa que a carta foi entregue ao seu administrador.

              O facto de o a/r conter a referência ao facto de a carta não ter sido entregue ao destinatário não tem relevo para afastar a existência da citação feita na pessoa devida, por essa referência ser uma conclusão (certa perante a insuficiência dos dados fornecidos apenas pela carta) tirada pelo carteiro (de que a pessoa a quem a carta foi entregue não era aquela a quem mesma estava destinada) e o que interessam são os factos: a carta foi entregue e recebida pelo administrador.

              Mas o facto de o a/r conter essa referência (isto é, de que foi entregue a pessoa que não o destinatário e que ela se comprometeu, após a devida advertência, a entregá-la prontamente ao destinatário), junto com a menção, constante do texto da nota da citação, de que ao prazo de defesa do citando, acresce uma dilação de 5 dias quando a citação tenha sido realizada em pessoa diversa do réu, não pode deixar de ter idêntico relevo à situação, prevista expressamente no nº. 3 do art. 198 do CPC, da irregularidade da citação que consista em se ter indicado para a defesa prazo superior ao que a lei concede, qual seja, o de a defesa dever ser admitida dentro do prazo indicado.

              Isto é, se em consequência de um envio de carta mal feito, imputável ao exequente, o executado foi citado, formalmente, com a advertência de que, por ter sido citado em pessoa diversa do destinatário, ao prazo acrescia uma dilação, o que é o mesmo que conceder-lhe um prazo para a defesa superior ao que a lei concede, o executado não pode ser prejudicado com isso e a oposição deve ser admitida dentro do prazo indicado (ou seja, com a dilação de 5 dias).

              Assim, embora por razões completamente diferentes, o executado tem razão ao pretender a aplicação, ao caso, da dilação de 5 dias e o exequente ao pretender o contrário não tem razão.

              E, assim sendo, a oposição foi deduzida em prazo.

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              A procedência do recurso tira a base de facto da pretensão do exequente de condenação do executado como litigante de má-fé e pela taxa de justiça sancionatória.

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              A procedência do recurso não implica, como quer o executado, o recebimento da oposição, que ainda pode ser indeferida por algum dos outros fundamentos previstos no art. 817/1, als. b) e c), do CPC61.

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              Pelo exposto, embora por outro fundamento, julga-se procedente o recurso, revogando-se a decisão recorrida, devendo os autos seguir os seus termos legais (com o recebimento ou o indeferimento liminar da oposição).

              Custas pelo exequente.

              Porto, 28/11/2013

              Pedro Martins

              1.º Adjunto

              2.º Adjunto