Oposição à execução 2222/10.7TBGDM-C – Porto, 1ª secção de execução, J1

                             Sumário:

             I. Existindo um exame pericial (art. 388 do CC) que diz que é provável (> 50% a 70%) que a assinatura da letra, no lugar destinado ao aval, seja do embargante, deve-se entender que foi feita prova deste facto, o qual se deverá dar como provado por o embargante não ter feito qualquer contraprova (art. 346 do CC).

           II. Para prova desse facto, não havendo contraprova, seria também suficiente o facto de o embargante ter assinado o contrato onde se fazia referência à letra e que ela estava avalizada por ele.

     III. Para prova desse facto, seria ainda suficiente, sempre não havendo contraprova, o facto de o embargante não ter impugnado a sua assinatura (como administrador da executada) no lugar do aceite da letra, pois que o exame pericial concluiu (com um grau de significância superior a 95%, ou seja praticamente provado) que esta e a do aval tinham sido feitas pelo mesmo punho. 

          IV – Se ao contrário do que diz o embargante, os factos permitem concluir que a exequente podia preencher, ao abrigo de acordo de preenchimento, a data de vencimento, fica logo afastada a excepção do preenchimento dessa data de forma abusiva (art. 10 da LULL).

         V – No que toca à letra ou livrança em branco, o prazo prescricional fixado pelo art. 70 da LULL corre a partir do dia do vencimento inscrito pelo portador desde que não se mostre infringido o pacto de preenchimento.

            Acordam no Tribunal da Relação do Porto os juízes abaixo assinados:

            J, SA, instaurou uma execução contra F, SA, PM e ML, com base numa letra de câmbio aceite pela executada e avalizada pelo executados.

            O executado ML deduziu oposição à execução, impugnando e excepcionando; diz ele: durante todo o período de actividade comercial da executada, sempre existiu a prática dos seus administradores, os executados, se absterem de garantir pessoalmente, por meio de fianças ou de avales, as obrigações daquela. No âmbito das suas actividades, a exequente, em 02/10/2003, prometeu vender à executada, com destino ao seu estabelecimento comercial, 10.000 quilos de café em fracções mínimas mensais de 80 quilos, conforme contrato que se junta como documento nº l [trata-se de um projecto de contrato com inúmeros espaços por preencher, incluindo datas, em que o título de crédito de garantia, referido na cláusula 13, era um cheque e do qual constam comentários laterais feitos pelo embargante]. A título de adiantamento condicional de desconto/bonificação a exequente entregou, a título gratuito, 15.000€ para investimento directo, em mercadorias e bens de equipamento. Tendo sido subscrita (com aquela data) uma letra pela executada a favor da exequente, para garantia dos bens referidos acima. Todavia, tal letra não foi avalizada pelo embargante. Em Setembro de 2004 a executada encerrou o estabelecimento comercial. A exequente tomou conhecimento deste encerramento por comunicação da executada. Por este motivo, a executada restituiu os equipamentos que lhe haviam sido entregues pela exequente, nada tendo a exequente mencionado sobre a dívida ora peticionada. O embargante impugna, por isso, a assinatura que lhe é imputada na letra dada à execução no que respeita ao aval. A assinatura não foi por ele elaborada. A letra dada à execução foi apenas aceite pela executada e entregue à exequente sem que se encontrasse preenchida no que respeita à sua data de vencimento. O embargante nunca prestou consentimento à exequente para que esta preenchesse a data de vencimento da letra dada à execução, apondo-lhe a data de 30/04/2010. A exequente preencheu abusivamente a letra dada à execução no que respeita à respectiva data de vencimento e à assinatura nela aposta. A excepção de preenchimento abusivo da letra dada à execução é oponível pelo embargante à exequente (artigo 10º da Lei Uniforme sobre as Letras e Livranças). Não é, por isso, o embargante devedor da quantia exequenda. O preenchimento pela exequente da letra dada à execução, para além de não autorizado pelo embargante, é lesivo para o mesmo e constitui abuso de direito. Desde essa data e até à data da citação a exequente nunca comunicou ao embargante a existência da dívida exequenda. O comportamento da exequente gerou a convicção da inexistência de qualquer dívida dos executados perante aquela. O crédito exequendo encontra-se vencido desde Setembro de 2004, data do encerramento do estabelecimento comercial da executada. O preenchimento da letra dada à execução não pode constituir meio de contornar o prazo de prescrição da referida letra. Verifica-se, pois, o preenchimento abusivo da letra dada à execução, para além de que o mesmo constitui abuso de direito (art. 334 do Código Civil).

            A embargada contestou, dizendo, em suma, que o embargante afirmou à exequente, aquando da entrega da letra e do contrato, da aposição da sua assinatura; o embargante não só assinou a letra como assinou o contrato celebrado com a exequente, por si e em representação da sociedade, expressamente declarando que assumia a responsabilidade pessoal e solidária com a sociedade (cfr. o disposto na cláusula 17 do contrato ora junto como documento 1). A letra foi entregue à exequente sem estar preenchida apenas no que respeita à data e o embargante expressamente autorizou no referido contrato que (cfr. o disposto na clª 12 do contrato) que a letra, aceite pela executada e avalizada pelos executados, fosse preenchida com data de emissão posterior à data da resolução; atento o incumprimento do contrato, foi enviada ao embargante no dia 29/08/2005 carta dando conhecimento de que se resolvia o contrato, nos termos enunciados na clª 13 do contrato (cfr. docs 2 e 3). Na data de celebração do contrato, foi adiantada a bonificação financeira, devida pela compra dos 10.000kg de café no valor de 15.000€ e emprestada a quantia de 17.500€ que deveriam restituir em prestações, pelo que, não pode vir agora o embargante dizer que não é devedor à exequente da quantia peticionada nos presentes autos.

            Realizado o julgamento, foi proferida sentença julgando procedente a oposição e, consequentemente, extinta a execução quanto ao embargante.

            A exequente recorre desta sentença para que seja alterada a decisão da matéria de facto, no sentido de se dar como provado que o embargante avalizou a letra, com a consequência da improcedência da oposição.

            O embargante contra-alegou, no sentido da improcedência do recurso.

                                                      *

            Questões a decidir: se deve ser alterada a decisão da matéria de facto com a consequência da improcedência da oposição (o que implica ainda o conhecimento das questões levantadas pelo embargante na oposição à execução que não tinham a ver com autoria da assinatura do aval).

                                                      *

            Para a decisão destas questões interessam os seguintes factos dados como provados:

  1. A exequente é portadora de uma letra no valor de 32.500€, subscrita pela executada, emitida em 02/10/2003 e com vencimento em 30/04/2010, a qual se mostra junta, por cópia, a fls. 5 da execução e cujo original se encontra junta entre a fls. 140 e a fls. 141 dos presentes autos.
  2. Entre a exequente e a executada foi celebrado o contrato que se mostra junto a fls. 26 e 27 dos presentes autos do qual consta, entre o mais, o seguinte:

         Clª 04 – A título de adiantamento condicional de desconto / bonificação referido em 2, entrega nesta data a 1ª outorgante à representada dos 2ºs outorgantes, a título gratuito, 15.000€ para investimento directo, em mercadorias e bens de equipamento, no seu estabelecimento comercial […].

         Clª 05: Com vista a promover e incrementar a venda dos seus cafés no estabelecimento comercial da representada dos 2ºs outorgantes, a 1º outorgante empresta, nesta data, à representada dos 2ºs outorgantes a título gratuito 17.500€.

         […]

         Clª 12: Prevenindo-se a hipótese de virem a ser devidas – por efeito de resolução/anulação do contrato, a restituição das quantias ora adiantada e emprestada – nos termos descritos no número seguinte – entregam nesta data, à exequente, a letra n.º tal, no valor de 32.500€, aceite pela representada dos segundos outorgantes e avalizada pelos segundos outorgantes, autorizando desde já, que esta venha a completar o seu preenchimento e a apor-lhe, para tanto, data de emissão posterior à da resolução/anulação do contrato.

         [a transcrição destas cláusulas foi feita por este acórdão ao abrigo dos arts. 607/4 e 663/2, ambos do CPC depois da reforma de 2013 ≈ arts. 659/2 e 713/2, ambos do CPC na versão anterior]

  1. Na data do seu vencimento a letra em causa não foi paga, nem posteriormente, embora para tanto tivesse sido apresentada à sua aceitante.
  2. A letra dada à execução foi entregue à exequente assinada pela executada para garantir o pagamento das obrigações decorrentes do contrato a que se alude em 2.

                                                      *

                   Da impugnação da decisão da matéria de facto

            O tribunal recorrido não deu como provado que o embargante tenha aposto a sua assinatura na letra no lugar destinado à prestação do aval.

            Fundamentou-se para tal no seguinte:

        “No que tange à matéria de facto não provada, a exequente, sobre quem impendia o respectivo onus probandi, não logrou produzir quanto a ela prova bastante que nos levasse a considerar tal facticidade como demonstrada.

         Com efeito, pese embora do exame grafológico realizado pelo Laboratório de Polícia Científica [é lapso evidente: o exame pericial foi efectuado pela C, Lda] no âmbito do presente enxerto declarativo, resulte, de acordo com a tabela de hierarquias estabelecida para os exames de identificação e comparação de escritas, como provável que a assinatura constante da letra seja da autoria do embargante (mas ainda assim o resultado apresentado é situado, em termos de probabilidade, entre 50% e 70%), o certo é que a única testemunha inquirida no decurso da audiência de discussão e julgamento, não presenciou a feitura dos autógrafos em causa, sendo que, a este propósito, a mesma se limitou a referir o que lhe havia sido dito pelo seu colega de trabalho que negociou o contrato que esteve na base da assinatura da letra […].

         A aludida testemunha adiantou ainda ser prática habitual da exequente exigir sempre a responsabilidade solidária dos sócios das empresas com quem celebra contratos da mesma natureza da dos autos, esclarecendo ser essa uma condição essencial para a conclusão do negócio, contudo, não soube precisar se tal procedimento foi (ou não) observado no caso sub iudice e maxime se o autógrafo em causa foi ou não efectuado pelo embargante.

         Ora, não se revelando a perícia efectuada efectivamente peremptória com relação à autoria do autógrafo atribuído ao executado, não tem tal elemento de prova, quando desacompanhado de outros subsídios probatórios mais consistentes, a virtualidade de servir de suporte seguro a poder afirmar-se a veracidade da afirmação de facto em crise.

         Daí que, da ponderação do material probatório que a propósito da factualidade controvertida foi carreado para os autos, se nos afigure fundada a dúvida quanto à ocorrência da facticidade dada como não provada o que, considerando as implicações neste domínio do princípio plasmado no art. 414 do CPC, nos fez propender para o sentido considerado.”

            Contra isto, diz a exequente (em 40 alíneas de conclusões que podem ser assim sintetizadas):

         O tribunal recorrido não deu como provado que a assinatura da letra, no lugar do aval, tenha sido aposta pelo embargante; mas devia-o ter dado como provado, com base no exame pericial (art. 388 do CC) efectuado no decurso da instrução, que concluiu ser provável (> 50% – 70%) que a assinatura fosse do embargante; a única testemunha ouvida não teve intervenção directa no caso pelo que não põe em causa a perícia; esta não se traduz numa mera possibilidade ou verosimilhança, mas numa plausibilidade, numa presumível realidade do facto objecto de prova, numa conclusão cientificamente relevante de marcado pendor favorável à existência do facto. O grau de provável obtido naquele exame técnico-científico, coadjuvado pelas regras da experiência e pela ausência absoluta de referências probatórias em sentido contrário, ou seja, ausência de contraprova, pode e deve ser suficiente à formação de um juízo crítico judicial favorável à demonstração do facto. Não é exigível mais do que um grau de probabilidade considerável para que se tenha provado o facto. Se é da exequente o ónus da prova do facto (arts 374/2 e 342/1 do CC, ac. do TRL de 23/11/1999, CJ.99.V, pág. 97/98, e J. Gonçalves Sampaio, A prova por documentos particulares, Almedina, 3ª edição, pág. 131), cabia ao embargante torná-lo duvidoso, por contraprova (art. 346 do Código Civil), nada tendo produzido de pertinente e com a mesma metodologia científica nesse sentido.

            O embargante defende a decisão recorrida (em 49 alíneas de conclusões que podem ser sintetizadas assim):

              A assinatura do embargante conforme se pode constatar do relatório era, infelizmente, bastante simples e por isso fácil de copiar; a perícia consiste num meio de prova que se traduz na percepção, por meio de pessoas idóneas de quaisquer factos presentes, quando não possa ser directa e exclusivamente realizada pelo juiz, por necessitar de conhecimentos científicos ou técnicos especiais; ora, a pessoa idónea para o efeito, o perito nomeado, teve muitas dúvidas quanto à assinatura aposta na letra apresentada na parte que respeita ao aval; tanto assim é que, não determinou como “praticamente provado” ou “muitíssimo provável” ou até “muito provável” que tenha sido o embargante a assinar a letra; o resultado obtido, em muito se afasta deixa em aberto, pelo menos, 50% de hipóteses, de a assinatura em causa ter sido forjada; da perícia resulta claro que existem dúvidas quanto à orientação, contorno, pontos de ataque e traçado regular da assinatura constante da letra comparativamente com a assinatura constante da procuração entregue para comparação. A apreciação da prova pericial é livre, isto é, vigora o princípio da liberdade de apreciação pelo juiz (art. 389 do CC, cfr. ac. do TRC 4857/07.6TBVIS.C1 e ac. do TRL [de 11/03/2010] 949/05.4TBOVR-A.L1-8); no entender do tribunal recorrido, o resultado da prova pericial foi o bastante para o julgador considerar que a exequente não logrou provar que a assinatura seja do punho do embargante; o juízo do tribunal não foi divergente do constante da perícia, uma vez que a perícia não considerou provado que a assinatura tenha sido feita pelo embargante; assim, não existe um grau de certeza elevado que bastasse para o juiz proferir o veredicto desejado pela exequente; de facto, inversamente ao alegado pela exequente, um certo grau de confirmação de um enunciado fáctico, não quer dizer que o mesmo seja verdadeiro; neste sentido, veja-se o ac. do STJ de 01/10/2008, 08P2035:

         “A regra geral, relativa ao valor probatório das perícias, de que se presume subtraído à livre convicção do magistrado o juízo técnico, científico e artístico inerente àquelas, com obrigação de fundamentação de eventual divergência, foi indicada na Lei 43/86, de 26-09 (Lei de autorização legislativa de que emergiu o CPP87) e veio a ser estabelecida no art. 163 do CPP; Para Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal, Editorial Verbo, 1999, vol. II, pág. 178), «a presunção que o art. 163/11 consagra não é uma verdadeira presunção, no sentido de ilação, que a lei tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido; o que a lei verdadeiramente dispõe é que salvo com fundamento numa crítica material da mesma natureza, isto é, científica, técnica ou artística, o relatório pericial se impõe ao julgador. Não é necessária uma contraprova, basta a valoração diversa dos argumentos invocados pelos peritos e que são fundamento do juízo pericial»; X. Não comporta juízo técnico-científico sobre a inimputabilidade do arguido no momento da prática do crime o relatório pericial de psiquiatria que, sobre o elemento crucial em análise, apenas refere: «Na altura dos factos de que é acusado – com base nos elementos fornecidos pelo próprio e da informação do Hospital de Caxias onde foi internado ao 3° dia de detenção – é provável que se encontrasse em surto psicótico agudo, de causa indeterminada. Em surto psicótico agudo o sujeito não tem capacidade para adequadamente avaliar as consequências dos seus actos e omissões e de adequadamente se determinar de acordo com essa avaliação. Admitindo que na altura dos factos de que é acusado o sujeito estava em surto psicótico agudo deverá ser considerado inimputável». XI Na verdade, o Sr. Perito não faz uma afirmação, não emite uma pronúncia sustentada, antes limita-se a produzir um juízo opinativo, adiantando apenas uma mera probabilidade, avançando um palpite. XII. Ora, num caso, como o dos autos, em que não está em causa um juízo técnico-científico, com o sinal de certeza requerido, mas antes de mera probabilidade, a força vinculativa própria da prova tarifada não é absoluta, ficando à responsabilidade do tribunal, nos termos do art. 127 do CPP, a decisão sobre a imputabilidade ou inimputabilidade do arguido, e afastada a aplicação do disposto no art. 163 do CPP (no mesmo sentido, ainda, veja-se o ac. do STJ de 06/07/2011, 3612/07.6TBLRA.C2.S1).

                                                      *

            Decidindo:

            No caso dos autos, foi feita prova pericial (art. 388 do CC) de que é provável (> 50% a 70%) que a assinatura da letra, no lugar destinado ao aval, seja do embargante.

            Ora, “[a]o julgador basta, na apreciação da prova, assentar a sua convicção num juízo de suficiente probabilidade ou verosimilhança” (Lebre de Freitas, A acção declarativa, 3ª edição, Coimbra Editora, 2013, 14.4, nota 32), não sendo exigível “que a convicção do julgador sobre a realidade dos factos alegados pelas partes equivalha a uma absoluta certeza, raramente atingível pelo conhe­cimento humano” (Lebre de Freitas, Introdução, Coimbra Editora, 2014, 9.4)  e um exame pericial com um resultado de > 50% a 70% é um juízo de suficiente probabilidade, pelo que, com base naquela prova pericial, o tribunal podia e devia ter dado o facto como provado.

            Isto salvo se tivesse sido feita contraprova. Ou seja, segundo o art. 346 do CC, com a epígrafe ‘contraprova’, “[…] à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos; se o conseguir, é a questão decidida contra a parte onerada com a prova.”

            Mas, no caso, o embargante não opôs qualquer contraprova a respeito desse facto.

            Pelo que, a partir da parte final do art. 346 do CC, pode-se concluir que a questão deve ser decidida a favor da parte onerada com a prova, isto é, a exequente.

            Assim, logo por aqui se diria que a decisão recorrida está errada e tem que ser revogada.

            Mas, para além disso, existe ainda o seguinte:

            O embargante assinou o contrato no qual se fazia referência à emissão da letra, aceite pela executada e avalizada por ele. Esse contrato, dizia a exequente, mostra-se assinado por ele (e mostra-se de facto, numa das duas rubricas que constam no contrato no lugar destinado aos segundos outorgantes) e o embargante não pôs em causa nem aquela afirmação nem o documento respectivo, pelo que o documento faz prova de que ele fez as declarações que consubstanciam o contrato e dos factos compreendidos nas declarações (arts. 374/1 e 376/1 e 2 do CC), ou seja, de que a sociedade, representada também por si, entregou uma letra avalizada por ele.

            Ora, foi essa letra que, depois de resolvido o contrato, foi preenchida com a data de vencimento e apresentada a pagamento e está a ser executada.

            Tendo o embargante assinado o contrato onde constava a referência à letra exequenda e se dizia que ela estava avalizada por si, já se podia dizer, sem mais nada, que ele tinha avalizado a letra exequenda.

            Se, para além disso, existe uma perícia a dizer que é provável que o aval tenha sido prestado por ele, a prova feita é mais do que bastante.

            Para além disso, as divergências encontradas nas assinaturas são perfeitamente irrelevantes, se se tiver em conta que a comparação foi feita com assinaturas feitas em Nov2011 (um mês antes de assinar a procuração para a oposição) e em Abril de 2013, mais de 8 anos e 10 anos da depois da assinatura em causa, estando na lógica das coisas que o embargante não podia deixar de saber que elas iam servir de ponto de comparação.

            Com efeito, as divergências encontradas, na perícia à assinatura aposta no verso da letra, pela C, Lda, foram apenas as seguintes esmiuçadas pelo embargante: quanto à orientação, ao contorno, aos pontos de ataque e ao traçado.

            Mas isto neste contexto: no aspecto gráfico dos caracteres apostos no doc. 1 foram assinalados 16 pontos e no dos docs. 2 e 3 (os dados como fidedignos e que serviram para comparação) foram assinalados 17 pontos. Ora, em relação a estes 17 pontos, o embargante deu conta que:

            – na orientação: em relação a 1 dizia-se: vertical ou muito levemente oblíqua para a esquerda; em relação a 2 e 3 diz-se só orientação vertical; ou seja, alguns dos caracteres deixaram de ter, também, uma orientação muito levemente oblíqua para a esquerda.

            – no contorno: em relação a 1 dizia-se contorno curvo, oval; em relação a 2 e 3 diz-se contorno curvo, oval e angular; ou seja, acrescentou-se angular;

            – nos pontos de ataque: em relação a 1 dizia-se: apoiados; em relação a 2 e 3 diz-se: não apoiados;

             – no traçado: em relação a 1 nada se dizia (daí que só tenham sido assinalados 16 pontos), em relação a 2 e 3 diz-se traçado regular;

            Vistas as diferenças assinaladas e que 13 pontos se mantiveram exactamente idênticos (aliás, mesmo em 2 dos 4 pontos divergentes continua a haver semelhanças: orientação vertical e contorno curvo e oval) salta à vista a quase irrelevância prática das divergências se se tiver em conta que decorreram, pelo menos, 8 anos entre a realização das rubricas.

            No entanto, reconhece-se que, para as dúvidas da sentença, terá contribuído a redacção da resposta dada pelo Sr. perito a este pedido de esclarecimento; diz ele: “as diferenças encontradas por serem pouco significativas não permitiram excluir liminarmente a possibilidade dos caracteres questionados poderem ter sido manuscritos pelo punho” do embargante. “Os predicados qualitativo e quantitativo exprimem que o perito teve dúvidas e por isso a conclusão emitida foi no sentido de provável porque não se encontrou uma completa diferença entre os termos utilizados.”

            Mas as coisas são o que são, mesmo com este esclarecimento, e elas, não deixam dúvidas.

            Mas, ainda mais significativo, é o facto de o embargante não ter posto em causa a sua assinatura como administrador da executada (no lugar do aceite da letra) e estar praticamente provado (> 95%) que esta e a do aval foram feitas pelo mesmo punho.

            Com efeito, quer a sentença quer o embargante, esquecem o teor da 1ª conclusão do relatório pericial: “A análise comparativa entre os caracteres apostos nas duas assinaturas na forma de rubrica ilegível constantes do doc. n.º 1 [“original da letra na qual se encontra aposta na extremidade esquerda, sentido vertical, local do aceite e no verso uma assinatura na forma de rubrica indecifrável – caracteres considerados questionados”], mostra semelhanças entre si o que permite afirmar que é praticamente provado que foram todos manuscritos pelo mesmo punho […] um grau de significância superior a 95%. (fls. 126 do processo em papel).

            Ou seja, da comparação com uma assinatura que o embargante não põe em causa que seja a sua, feita em Out2003, com aquela que o embargante nega a autoria, resulta que as duas são [num grau de certeza superior a 95%] do mesmo punho.

            Não tendo sido feita qualquer contraprova pelo embargante, tudo isto é amplamente suficiente para, sem a mais pequena dúvida, se dar como provado o facto.

                                                      *

            A acrescer a isto, nota-se que o embargante, em vez do contrato em causa, veio juntar, no articulado de oposição, um projecto de contrato, falando deste como se fosse aquele, quando não podia deixar de saber que não era, nem que fosse apenas pelo aspecto exterior do mesmo (onde constam comentários laterais feitos por ele). Só isso é que lhe permitiu fazer as alegações que fez, no articulado de oposição, sem logo provocar o choque do confronto das suas afirmações com o contrato definitivo. Dito de outro modo, a impugnação da assinatura pelo embargante, se era compreensível face aos elementos que então constavam dos autos, perdeu toda a credibilidade perante a apresentação do contrato definitivo pela exequente e a referência que nele era feita ao aval prestado. E o facto de o embargante ter aproveitado a circunstância do contrato definitivo não se encontrar nos autos, mais contribuiu para a perda de credibilidade na negação da autoria da assinatura.

                                                      *

                                  Da jurisprudência invocada

            Por outro lado, um dos acórdãos de que o embargante se serve para as considerações que faz sobre o valor probatório do exame pericial, que é o de Lisboa, de 11/03/2010, 949/05.4TBOVR-A.L1-8, serve precisamente para demonstrar a correcção do que antecede e não da posição do embargante: é que o acórdão trata precisamente de um caso semelhante ao dos autos, de oposição à execução, em que o embargantes impugnava a assinatura. O exame pericial tem um resultado igual ao dos autos, isto é, diz só ser provável que a assinatura seja do embargante e não havia outra prova. Ora, foi dado como provado, bem, pela 1ª instância, que a assinatura era do embargante e o ac. do TRL confirmou esta conclusão, apesar de só haver, como prova, o exame pericial.

            Quanto ao primeiro ac. do STJ que o embargante invoca, o de 2008, se bem se vir, diz respeito a uma situação substancialmente diferente da dos autos, porque no caso daquele acórdão o relatório pericial se baseava, para a resposta que dava (de inimputabilidade do arguido), num pressuposto que, dados os termos em que se pronuncia, ficava na dúvida (não era uma conclusão a que o próprio perito tivesse chegado, baseando-se antes em dados alheios); basta para se concluir tal, ler os pontos X, XI e XII do respectivo sumário, transcrito acima pelo embargante.

            E, para além disso, o acórdão do STJ está ainda a aplicar uma distinção que vem de Figueiredo Dias, que cita (Direito Processual Penal, I Volume, 1974, Coimbra Editora, págs. 208/209, idem, na reimpressão de 2004) e que é esta: «…se os dados de facto que servem de base ao parecer estão sujeitos à livre apreciação do juiz – que, contrariando-os, pode furtar validade ao parecer –, já o juízo científico ou parecer propriamente dito só é susceptível de uma crítica igualmente material e científica. Quer dizer: perante um certo juízo cientificamente provado, de acordo com as exigências legais, o tribunal guarda a sua inteira liberdade no que toca à apreciação da base do facto pressuposta; quanto, porém, ao juízo científico, a apreciação há-de ser científica também e estará, por conseguinte, subtraída em princípio à competência do tribunal (…)”, posição que veio a ser consagrada no art. 163/1 do CPP de 1987: «o juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador». E o n.º 2 estabelece que «sempre que a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer dos peritos, deve aquele fundamentar a divergência».

            Ou seja, este acórdão do STJ está a dizer que o exame pericial tem uma parte que se baseia em dados de facto e que, nessa parte, não é um juízo científico. Ora, no caso dos autos, não há que fazer, na parte que importa, este tipo de distinção, pois que a parte do relatório que está a ser aproveitada é, sem qualquer dúvida, um juízo científico e não um pressuposto de facto dado ao perito por um terceiro.

            Por fim, quanto ao ac. do STJ de 06/07/2011, 3612/07.6TBLRA.C2.S1, referente a uma perícia contabilística, o que STJ estava a discutir era se podia apreciar uma das questões que era objecto do recurso, discussão que faz a partir do fundamento específico da revista ‘violação de lei substantiva’ do art. 721/1 do CPC na versão anterior à reforma de 2007, como se vê deste ponto do sumário: “IV – O uso, pelas instâncias, em processo civil, de regras de experiência comum é um critério de julgamento, aplicável na resolução de questões de facto, não na interpretação e aplicação de normas legais, que fortalece o princípio da livre apreciação da prova, como meio de descoberta da verdade, apenas subordinado à razão e à lógica, que, consequentemente, não pode ser sindicado pelo STJ, a menos que, excepcionalmente, através da necessária objectivação e motivação, se alcance, inequivocamente, que foi usado para além do que é consentido pelas regras da experiência comum de vida, fundando, assim, uma conclusão inaceitável.”

              Ora, o STJ considerou que a prova pericial, em processo civil, mesmo no que se refere ao juízo científico não é prova legal, ao contrário do que se entenderia em processo penal e, por isso, a simples possibilidade de se não seguir aquele juízo científico, não corresponderia à violação de lei substantiva. É nesta perspectiva que este ac. do STJ tem de ser lido e, por isso, quando se refere que a prova pericial não pode ser considerada prova legal bastante o que tem de ser sublinhado é a referência a ‘legal’. Ou seja, como não se pode dizer que o valor dela esteja definido abstractamente por lei como prova (legal) bastante, o facto de, no caso concreto, ser ou não considerada prova bastante não é razão para permitir ao STJ sindicar a decisão recorrida. Por isso, este acórdão do STJ não pode ser lido como se dissesse que a prova pericial não pode ser considerada, num caso em concreto, como prova (livre) bastante, pois que é evidente que o pode, dependendo da livre apreciação que o juiz da 1ª instância ou os juízes da relação façam da prova produzida em concreto.

                                                      *

            Em suma, considera-se que, no caso, o exame pericial seria só por si prova bastante e suficiente de que a assinatura foi feita pelo embargante, mas no caso até existia outra prova, como foi referido, sendo irrelevantes as objecções apresentadas pelo embargante (baseadas em jurisprudência que não o favorece, antes pelo contrário), pelo que se julga que deve ser aditado aos factos provados este outro: 

         5: O embargante apôs a sua assinatura no verso da letra, na vertical, debaixo da frase manuscrita: “Por aval à firma subscritora”

                                                       *

                            Do recurso sobre matéria de direito

            Passando a constar dos factos provados que foi o embargante que apôs a sua assinatura na letra no lugar destinado à prestação do aval (art. 31/III da Lei Uniforme das Letras e Livranças), tal implica que afinal ele é, ao contrário do que dizia, avalista da letra (art. 31 da LULL), isto é, obrigado no título cambiário exequendo.

            Ficam agora por decidir – já que, a sentença recorrida não conheceu delas porque, naturalmente, a mesma estava prejudicada por ter entendido que o embargante não tinha avalizado a letra – as questões subsequentes do preenchimento abusivo da letra com a data de vencimento (art. 10 da LULL), sem a exequente o poder fazer, do abuso de direito e da prescrição.

            O embargante diz que não prestou consentimento para o preenchimento, mas o próprio contrato desmente-o, como se vê na clª 12 transcrita acima nos factos provados.

            Assim, se ao contrário do que diz o embargante, os factos permitem concluir que a exequente podia preencher, ao abrigo de acordo de preenchimento, a data de vencimento, fica logo afastada a excepção do preenchimento dessa data de forma abusiva (art. 10 da LULL).

            E com os factos provados nem sequer se chega verdadeiramente a colocar a questão do abuso de direito (art. 334 do CC), porque não há abuso apenas porque uma letra foi preenchida com uma data de vencimento 7 anos posterior à da emissão.

            Por outro lado, a exequente não tinha que comunicar ao embargante a dívida exequenda – dívida que resultava do próprio contrato -, pelo que não há qualquer falta de comunicação que pudesse ter gerado no embargante a convicção da inexistência de qualquer dívida.

            Por fim, quanto à prescrição, o que conta quanto a ela é a data de vencimento aposta na letra, desde que não o seja com violação do pacto de preenchimento (neste sentido, por último, veja-se o ac. do TRP de 03/03/2016, 175/14.1T8LOU-A, publicado em http://outrosacordaostrp.com: neste sentido, Carolina Cunha, refere, sem crítica, “a corrente amplamente difundida na jurisprudência, no que toca à letra ou livrança em branco”, de que “o prazo prescricional fixado pelo art. 70 da LULL corre a partir do dia do vencimento inscrito pelo portador desde que não se mostre infringido o pacto de preenchimento”, apenas acrescentando que “a discussão transita, portanto, para a interpretação desse acordo”, a ser feita com uso dos critérios dos arts. 236 a 239 do CC, mas com factos que têm de ser alegados pelas partes – Letras e livranças…, Almedina, 2012, págs. 605 e 543/544), o que, como já se viu, não se pode dizer ter ocorrido. Sendo a data de vencimento de 30/04/2010 e tendo a execução sido requerida a 21/06/2010, não se verifica a prescrição.

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            Pelo exposto, revoga-se a sentença recorrida e, em sua substituição, julga-se agora improcedente a oposição à execução, pelo que a execução deve prosseguir os seus regulares termos.

            Custas do recurso e da oposição à execução pelo embargante.

            Porto, 21/04/2016

            Pedro Martins

            1º Adjunto

            2º Adjunto